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“Até hoje estou esperando algum pronunciamento do Ministro da Justiça”

 

 

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“Não foi apenas vandalismo. Havia interesse em descobrir segredos tecnológicos”

 

 

Dinheiro ? Além dos estragos materiais, a invasão ao horto florestal destruiu um vasto material genético. Quanto tempo a Aracruz levará para recuperar essa perda?
CARLOS AGUIAR
? O que foi destruído não tem recuperação. O material genético iria substituir, hoje, boa parte da nossa floresta. Vamos repor os cerca de 1 milhão de mudas prontas para o plantio por outras de terceiros que, naturalmente, não têm a mesma qualidade.

Dinheiro ? Isso vai comprometer a produtividade da companhia?
AGUIAR
? Se pensarmos apenas na reposição florestal prevista para 2006, o prejuízo será em torno de US$ 6 milhões. Também vamos deixar de ter um aumento de produtividade entre 10% e 15% nos próximos cinco anos em função da perda desse material. Isso não significa que o nosso rendimento será menor em relação ao atual. Mas deixaremos de ter o aumento de produtividade no futuro.

Dinheiro ? Como o sr. recebeu a notícia da invasão?
AGUIAR
? Foi uma surpresa muito desagradável. Eu nunca imaginei que poderiam invadir um laboratório. O nível de vandalismo foi assustador. Não se destruiu cerca, móveis de escritório, coisas que fossem simbólicas de uma ação de sem-terras. Destruíram ciência, conhecimento. Eles arrancaram as placas de memória dos computadores, partiram o peagâmetro (medidor de ph) ao meio, arrebentaram as geladeiras. Isso não foi só vandalismo. Existiam ali outros interesses, como o de descobrir nossos segredos tecnológicos.

Dinheiro ? Quais providências legais a Aracruz irá tomar em relação ao ocorrido?
AGUIAR
? Estamos esperando a polícia terminar o inquérito para entrar na Justiça. É difícil pois não temos praticamente testemunhas (eram poucos vigilantes), mas as provas estão aí. Vamos pedir ressarcimento pela destruição das mudas e do laboratório, que somam US$ 700 milhões, fora os US$ 6 milhões do material genético.

Dinheiro ? Continua de pé o projeto de construção de uma nova unidade fabril no Rio Grande do Sul?
AGUIAR
? Estamos em fase de estudo sobre a expansão no Rio Grande do Sul. Este evento, evidentemente, pesa na balança, mas em compensação houve uma reação muito forte da sociedade gaúcha. Da direita à esquerda, temos recebido mensagens de solidariedade. Não queremos entrar no Rio Grande do Sul nem pela porta dos fundos nem empurrando a porta da frente com o ombro. Queremos ser convidados para ir para lá. Outros Estados, como Bahia e Espírito Santo, também estão sendo avaliados.

Dinheiro ? O governo foi omisso?
AGUIAR
? Estive com o governador Germano Rigotto (RS), conversei com deputados e a impressão que tive é de que o governo do Estado foi surpreendido. Aparentemente há uma confusão entre a polícia estadual, que teria avisado para a rodoviária federal sobre os 40 ônibus, mas não houve questionamento por parte da polícia federal. Ou seja, chegaram sem ser importunados. O PT local soltou uma nota de repúdio, mas bastante light, como cabe ao partido, pois o MST é um forte aliado.

Dinheiro ? E o governo federal?
AGUIAR
? O único que discursou contra a baderna foi o ministro Miguel Rosseto (Reforma Agrária), que estava lá para o congresso sobre reforma agrária. Até hoje estou esperando o pronunciamento do Ministro da Justiça (Márcio Thomaz Bastos).

Dinheiro ? O distanciamento do setor em relação ao governo não teria contribuído para essa falta de posicionamento?
AGUIAR
? Realmente, o setor não está representado à altura do peso que ele tem na economia do País. Tenho lutado para a gente se inserir mais. Não é por outra razão que foi criada, há dois anos, a associação brasileira dos produtores de florestas plantadas, com sede em Brasília, da qual sou o presidente. É o primeiro passo para o setor, que representa 5% do PIB brasileiro, ser visto junto ao governo pelo tamanho que representa. Só a celulose e papel gera mais de 100 mil empregos diretos e 500 mil indiretos.

Dinheiro ? A nota divulgada pelo MST diz que a Aracruz gera apenas 1 emprego para cada 185 hectares plantados, enquanto a agricultura familiar gera 1 emprego por hectare.
AGUIAR
? (Ele pega a calculadora). Se dividirmos os 260 mil hectares plantados pela Aracruz pelos 13 mil empregos diretos gerados por ela, são 5 empregos para cada 100 hectares. Mas são empregos com carteira assinada, assistência médica e odontológica, fundo de pensão, e com uma média salarial maior que a da agricultura familiar. Além disso, a renda gerada pelas compras feitas pela Aracruz cria outros 50 mil empregos. São 60 empresas que trabalham em função da Aracruz. Se eu somar esses 50 mil empregos com os 13 mil diretos para serem divididos pelos mesmos 260 mil hectares, tem-se 25 empregos para cada 100 hectare. A Aracruz sozinha responde por 15% do PIB do Espírito Santo. Só em pesquisa investimos US$ 4 milhões anualmente. E isso faz 30 anos. Eles também se esquecem dos dólares que a empresa traz para o País e a tecnologia que aporta aqui. Essa comparação feita pelo MST é muito fraca.

 

Dinheiro ? Esta não é a primeira vez que a Aracruz sofre uma invasão. No final de janeiro, a empresa expulsou comunidades indígenas de suas terras no Espírito Santo. Isso não prejudica a imagem da companhia?
AGUIAR
? Primeiramente, quem expulsou foi a polícia, não a empresa. Fomos à Justiça e pedimos reintegração de posse. A Justiça não teria dado a liminar se não fossem nossas terras. Você permitiria que alguém invadisse e permanecesse na sua casa apenas para não ficar mal com os vizinhos? Não tem como. A empresa tem absoluta consciência de que as terras são delas. Temos historiadores e antropólogos estudando a situação e eles afirmam que nunca existiram índios naquela área.

Dinheiro ? Mas a Funai diz o contrário?
AGUIAR
? A Funai está errada e a Aracruz contesta seu laudo. A Justiça vai decidir quem está certo ou errado. Mas enquanto a Justiça analisa tudo profundamente, não vamos aceitar as invasões gratuitamente. Os índios resistiram, não saíram pacificamente, por isso deu problema, como os tiros de bala de borracha. A polícia federal estava com cerca de cem homens e havia o dobro de índios. Numa situação dessas, a polícia entra mais duro. A Aracruz não forçou esse confronto, simplesmente requereu a reintegração de posse. A polícia só fez cumprir a ordem da Justiça. Se isso não for feito, é uma desmoralização para qualquer democracia.

Dinheiro ? Ainda assim, acontecimentos desse tipo não combinam com a imagem de uma empresa com responsabilidade social e ambiental?
AGUIAR
? Tão logo ocorreu a reintegração de posse, algumas ONGs entraram em contato com os nossos clientes exigindo que eles parassem de comprar com a gente. Nós contamos a verdade e mostramos os documentos. Esses clientes trabalham conosco há 20 anos, conhecem a seriedade com que a Aracruz trata essas questões. Nós estamos no Índice de Sustentabilidade Dow Jones (da Bolsa de Nova York), fomos uma das fundadoras do instituto mundial de desenvolvimento sustentável. Nosso histórico, porém, não impede que lutemos pelos nossos direitos. Eles vão lá, dizem o que querem e não têm o compromisso em provar nada. A verdade precisa prevalecer. Não é só a Aracruz que vem passando por esses problemas. A Vale (do Rio Doce) também sofre invasões. Basta que uma empresa cresça e apareça para ser vista como alvo ideológico, o que acaba atrasando não só o desenvolvimento da empresa como também do setor, do País.

Dinheiro ? Como o sr. encara as denúncias de ambientalistas sobre as florestas de eucalipto estarem produzindo o que eles chamam de ?deserto verde??
AGUIAR
? Está mais do que provado que não existe esse deserto verde. Nós temos um projeto chamado microbacia no qual toda a água da chuva que é evaporada, que vai para o solo ou que escorre para os riachos é medida. Esse balanço demonstra que o eucalipto toma tanta água quanto a mata nativa. Outro mito é de que o eucalipto empobrece o solo. Quando começou a plantar eucalipto, a produtividade da Aracruz era em torno de 15 m³ por hectare ao ano. Hoje está em 50 m³ por hectare. Este resultado não é só por conta de investimentos em pesquisa. Se o solo não ajudasse, a árvore não cresceria em maior velocidade.

Dinheiro ? Além das invasões, a Aracruz também tem sofrido com a desvalorização cambial. O sr. já havia declarado que o dólar baixo não era uma preocupação, mas a empresa acaba de aderir ao hedge (proteção através de arbitragens no mercado financeiro). Mudou de idéia?
AGUIAR
? Quando eu disse que não estava preocupado, o dólar estava a R$ 2,35, uma boa cotação pois força as empresas a aumentarem a produtividade. Mas a R$ 2,10, os custos crescem muito. Tivemos de nos adaptar ao novo cenário.

Dinheiro ? Depois da Veracel, qual será o próximo projeto da Aracruz?
AGUIAR
? Vamos duplicar a Veracel.

Dinheiro ? Mas ela mal foi inaugurada?
AGUIAR
? Mas para crescer é preciso começar cedo, por isso já iniciamos o planejamento. Estamos também trabalhando na otimização das fábricas no Espírito Santo, um projeto de US$ 200 milhões que aumentará a produção em 200 mil toneladas. Além disso, estamos investindo R$ 60 milhões para a ampliação do porto. Vamos terminar o ano com 3 milhões de toneladas. Até 2015, a idéia é chegar a 6 milhões.

Dinheiro ? Houve, recentemente, no setor de siderurgia movimentos importantes na direção de sua consolidação. Essa tendência vai chegar na indústria de papel e celulose?
AGUIAR
? A gente já tem visto nos Estados Unidos e na Europa bastante movimentação em torno da consolidação do setor de papel. No Brasil, a Riocell foi comprada pela Aracruz e a Ripasa, por Votorantim e Suzano. Sobraram as grandes. Daqui para frente, movimentos como estes devem demorar mais em função da característica das empresas brasileiras, ainda pertencentes a grupos familiares. Há um entendimento de que essa é a direção, mas existe um timing para que isso aconteça. As empresas brasileiras são grandes para o País, mas vulneráveis em termos globais. Mais cedo ou mais tarde, teremos de nos fortalecer.