A indicação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva do economista Gabriel Galípolo, de 42 anos, para o comando do Banco Central entre 2025 e 2028 não foi exatamente uma surpresa.

O mercado, a cadeia produtiva e até os políticos já esperavam o nome do “golden boy” e ex-braço-direito do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para ocupar a cadeira a ser deixada por Roberto Campos Neto no final do ano. A surpresa, por assim dizer, reside nas expectativas que recaem sob os ombros de Galípolo.

+Quem é Gabriel Galípolo, ‘menino de ouro’ indicado para substituir Campos Neto

• Por parte do governo, espera-se um afrouxamento da política monetária, condição tida como primordial para destravar o PIB.
• Do mercado financeiro, espera-se dele moderação e cautela, na esteira da atual gestão da autoridade monetária.
• A cadeia produtiva e a sociedade civil aguardam o barateamento do crédito.

Todas essas possibilidades coexistem e são possíveis, a depender do caminho que o executivo adotar. Mas parece distante a possibilidade de agradar interesses opostos.

E enquanto economistas e políticos se digladiam para impor a narrativa a ser seguida, talvez resida na filosofia a explicação mais saudável para a queda de braço: a dialética hegeliana. A ideia defendida pelo filósofo alemão Friedrich Hegel consiste em organizar pensamentos opostos não pelas diferenças, mas pelas similaridades.

Na prática, estrutura-se dois pensamentos: um deles vira a tese, e o outro a antítese. O resultado, por assim dizer, é a síntese, uma construção argumentativa que se apoia nos pontos de encontro das narrativas, ao invés da polarização delas.

Gabriel Galípolo ao lado de Fernando Haddad durante o anúncio de sua indicação na quarta-feira (28), no Palácio do Planalto (Crédito:Cristiano Mariz)

E para avaliar se esse entendimento filosófico se aplica em disputas na República brasileira, a resposta aparece ao olhar para trás. Os períodos de melhor andamento tanto do PIB quanto da política monetária aconteceram quando havia polos opostos coexistindo em uma mesma direção.

Talvez o exemplo mais notório envolva o presidente Lula e sua dobradinha com o banqueiro Henrique Meirelles. Um expoente do mercado financeiro, com reconhecimento internacional, aceitou fazer parte do primeiro mandato de um governo de esquerda, nascido no berço do sindicalismo, que assumiria depois de duas bem-sucedidas administrações do FHC, que arrumou a política monetária brasileira.

Sobre esse período, Meirelles contou à IstoÉ Dinheiro sua experiência. “Quando fui convidado para presidir o BC eu disse que aceitava, mas que precisaria de certas condições para trabalhar. Lula perguntou quais seriam e eu disse: a independência.”

Essa demanda ocorreu em um momento em que não se cogitava uma legislação que garantisse a autonomia, como a que existe atualmente. “Lula entendeu e concordou. Eu disse que tínhamos um acordo de total independência e que eu agiria de forma independente. Ele tinha a prerrogativa de me exonerar. Passei lá oito anos e não fui exonerado.”

Para um país que transborda polarização em praticamente todos os âmbitos políticos, um panorama semelhante — com independência e equilíbrio nas ações — seria a calmaria necessária para que o Brasil voltasse aos trilhos na estabilidade. E essa é a visão de Armínio Fraga, que antecedeu Meirelles no Banco Central e estava na rédea de sustentação do Plano Real. “Galípolo tem a confiança de Lula e isso pode ser algo positivo para a estabilidade e retomada estruturada da moeda e dos juros. É preciso avaliar que essa dinâmica pode ser usada em prol do Brasil”, afirmou.

Ex-presidente do BC, o banqueiro comandou a política monetária nas duas primeiras gestões de Lula. “Minha exigência foi a independência para decisões” (Crédito:Andre Lessa)

Chamado por Lula de “menino de ouro” e um dos responsáveis pelo projeto econômico da campanha eleitoral de 2022, Galípolo é graduado e mestrado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), onde foi professor. A faculdade de economia da PUC é associada a uma abordagem heterodoxa. Ou seja, mais tolerância para com gastos públicos e atuação estatal na economia. Por outro lado, há passagem pelo mercado financeiro. Entre 2017 e 2021, ele foi CEO do Banco Fator. Antes, foi membro do Conselho de Administração do banco e executivo da seguradora e da empresa de gestão de recursos do grupo.

No anúncio para o comando do BC, o ministro Fernando Haddad enalteceu o comprometimento de Galípolo com o bom andamento da política monetária, além de sua contribuição na construção da política econômica durante sua passagem pelo Ministério da Fazenda. Galípolo, por sua vez, disse ser, “na mesma proporção, uma honra e uma responsabilidade enorme aceitar tal incumbência”. Dias antes de ser indicado, ele havia falado que seu compromisso dentro do Banco Central era segurar a inflação, e que a carta de aumentar os juros também estava sobre a mesa.

Presidente do Bradesco afirmou que a versatilidade de Galípolo para interlocução fará dele um bom presidente (Crédito:Divulgação)

Galípolo foi chamado a Brasília no dia 28 de agosto para um encontro com o presidente Lula. Nos bastidores já havia o burburinho sobre o encontro ter sido o último passo para a indicação. Fontes próximas ao petista afirmaram à reportagem que o nome foi bem aceito por toda a cúpula do governo, inclusive a ala que pedia uma figura de maior influência política. “Lula tem em mente a mesma dobradinha de sucesso dos primeiros mandatos. Colocar alguém com relacionamento no mercado financeiro e que se interesse pelo bom andamento das políticas econômicas e monetárias”, disse a fonte palaciana.

Mercado Financeiro

E isso o fez ser bem recebido.

O presidente do Conselho de Administração do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, enalteceu as qualidades técnicas de Galípolo, que demonstra ser um homem de visão. “São esses os atributos que o levaram a ser indicado e nossa expectativa é que exerça uma gestão vitoriosa na missão principal de manter a inflação sob controle, mas com uma visão ampliada das circunstâncias”, disse. Segundo ele, o BC tem papel fundamental na formação da estabilidade dos mercados. “Com seu temperamento sereno, Galípolo exercerá papel decisivo para um Banco Central tempestivo e responsável.”

Na mesma linha, o presidente do Bradesco, Marcelo Noronha, disse que a indicação do nome confirma as melhores expectativas do mercado. “Galípolo já demonstrou competência técnica e capacidade de interlocução com os mais diferentes segmentos econômicos, o que será fundamental para fortalecer o instituto do Banco Central autônomo.”

O presidente do Itaú, Milton Maluhy, reforçou que a indicação dá sequência “ao elevado nível técnico e mundialmente relevante que tem marcado a gestão do BC ao longo dos anos”.

Na avaliação do presidente do Santander Brasil, Mário Leão, Galípolo tem “todos os predicados para dar continuidade ao trabalho que o BC tem feito”. Leão disse que, na liderança, Galípolo terá pela frente o desafio de conciliar a “busca incessante pela estabilidade monetária e necessidade premente de desenvolvimento econômico do Brasil”.

Durante evento para ampliar investimentos em estradas em 22 de agosto, Lula ressaltou o papel do BC na retomada da economia (Crédito:Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Ponto de atenção

Ainda que existam expectativas positivas, há quem veja a indicação com temor. Embora a independência do presidente seja garantida por lei, uma eventual pressão do governo para redução de juros pode ter um efeito bastante nocivo para a economia, que ainda tenta se estabilizar após o período pandêmico e as crises sistêmicas que o Brasil enfrentou na última década.

Uma das pessoas com essa visão mais crítica é o ex-diretor para Assuntos Internacionais do Banco Central, Alexandre Schwartsman. No entendimento do economista, as chances de a economia “desandar” é baixa, já que as decisões do Comitê de Política Monetária (Copom) são feitas por um colegiado e há no BC um grupo de diretores que dão suporte. “Mas é complicado. Um cara que depende do staff para tomar decisão vai ter problema. Tem que ter condições de liderar, de conduzir o board”, disse.

Outro ex-diretor da autoridade monetária que demonstrou preocupação com o andamento da gestão de Galípolo é Tony Volpon, que atualmente é professor da Georgetown University. Para o economista, ainda que Galípolo tenha passado um ano fazendo uma imersão dentro do BC, a pouca idade e a identificação com o governo pode ser um problema. “Galípolo vai ter que comprovar, independentemente de ser o ‘menino de ouro’ do governo, que vai atuar de forma técnica, com independência e compromisso com o sistema de metas.”

Essa identificação com o lado governista da força, no fim das contas, também aconteceu com Roberto Campos Neto, que foi atrelado ao ex-presidente Jair Bolsonaro pela linha de atuação e por ter usado uma camisa da seleção brasileira de futebol. Sobre o assunto, ele chegou a desejar para o próximo presidente do banco que “não seja julgado pela cor da camisa que veste”.

Presidente do Conselho de Administração do Bradesco diz que Galípolo avalia situações levando em conta uma visão ampliada das circunstâncias econômicas (Crédito:Divulgação)

Horizonte

Dar continuidade ao projeto de expansão do mercado financeiro e ser um pilar internacional de inovação e transparência também aparece no topo das expectativas de quem entende o Banco Central como um catalisador importante da inovação digital para o mercado financeiro. Foi de lá que saíram o Pix e o Drex (moeda digital), a descentralização bancária, a redução dos juros abusivos no cheque especial e no rotativo do cartão. Projetos que viraram exemplo no mundo.

Além da continuidade do trabalho das gestões passadas, em alguns aspectos o futuro reserva o inesperado. A partir do ano que vem haverá uma nova mudança no cálculo da meta da inflação. A decisão foi feita via decreto pelo governo federal em junho. Segundo o decreto, o acompanhamento da inflação vai acontecer mês a mês. Ou seja, a cada 30 dias será observado se nos últimos 12 meses a inflação acumulada ficou perto do objetivo. A meta vai ser considerada descumprida se o resultado escapar da faixa de tolerância por seis meses seguidos.

Hoje o modelo é rígido, conforme o ano-calendário, de janeiro a dezembro. O Banco Central tem que entregar a inflação determinada nesse período. Segundo o governo, com a mudança para a meta contínua, o Copom tem mais espaço para identificar a real causa da inflação, inclusive uma situação inesperada, como a crise no Rio Grande do Sul. E aí definir um tempo razoável para atingir o resultado. Especialistas do mercado, no entanto, entendem que o cálculo anterior, por ser mais duro, tende a garantir que não escape das mãos do BC o controle da moeda. Para o ano que vem, pelas métricas atuais, a meta da inflação está em 3%, com variação de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo.

Neste ano, em julho, a inflação já se aproximou dos 4,5% do teto, levantando questões sobre a possibilidade de aumento dos juros para conter os preços. Mas antes que qualquer uma dessas coisas se confirme, Galípolo precisará passar pela sabatina do Senado, um local que, tradicionalmente, não é muito conhecido por trazer à tona a boa dialética hegeliana, ­ — e que, neste caso, terá o poder de aprovar (ou não) sua indicação.