30/10/2002 - 7:00
Um começou a vida como mecânico de automóveis. O outro tentou a sorte como torneiro mecânico na indústria metalúrgica. Ambos tiveram uma educação formal bastante restrita. O primeiro freqüentou apenas uma escola vocacional; o segundo, além
do primeiro grau, fez cursos técnicos no Senai. Mas ambos
eram bons de palanque e, nos
anos 70, suas trajetórias se cruzaram. O primeiro, o bigodudo Lech Walesa, liderou as greves dos operários de Gdansk, uma cidade portuária no norte da Polônia. Foi a primeira afronta ao poder comunista no Leste Europeu. Rapidamente, a palavra Solidarnosk ganhou o mundo. Walesa era o líder do Solidariedade, o mais influente sindicato polonês, com 10 milhões de membros. Exigia, antes de tudo, liberdade sindical ? uma plataforma tida, naqueles tempos, como direitista. No Brasil, em 1979, um outro sindicalista, Luiz Inácio Lula da Silva, comandou as primeiras greves gerais do ABC paulista durante o regime militar. Pedia melhores salários. Assim como Walesa, Lula foi encarcerado. E foi na prisão que os dois começaram a deixar de ser apenas líderes sindicais. Nasciam ali dois mitos.
Em 1981, em Roma, Walesa e Lula tiveram o primeiro e único encontro. Foi uma conversa rápida e fria. O polonês falou a Lula de seu desencanto com o comunismo. Lula, que um ano antes havia criado o PT, mostrou fé inabalável na utopia socialista. Depois disso, Brasil e Polônia levaram quase uma década até se redemocratizarem e, quando as eleições finalmente chegaram, Walesa conseguiu a proeza de ser o primeiro operário a chegar ao poder em toda a história. Foi um passeio. Nas eleições polonesas de 1990, ele obteve 75% dos votos. Lula, um ano antes, deixou escapar sua primeira chance, perdendo para Fernando Collor. Os perfis dos dois podem ser parecidos, as datas até que se cruzam, mas as semelhanças param por aí. Nada indica que a experiência do operário polonês possa lançar luzes sobre um governo petista, até porque sua gestão não teve qualquer inclinação socialista. Ao contrário. Por ironia do destino, a primeira grande vitória eleitoral de um trabalhador tinha como principal alvo o combate a um Estado que, supostamente, defendia o poder do proletariado. A grosso modo, o Walesa de 1990 estava muito mais para Collor do que para Lula.
Da noite para o dia, o operário Walesa, já com a faixa presidencial, tentou criar uma economia de mercado na Polônia. Cortou todos os subsídios industriais, implodiu tarifas de importação, privatizou bancos e criou instituições capitalistas. Tudo isso, sob a assessoria de Jeffrey Sachs, à época um promissor economista americano. Sachs pregava a teoria do big bang, segundo a qual tudo, nos países que formavam o bloco comunista, tinha de ser feito de uma só vez para que capitalismo aflorasse. O resultado foi desastroso. Em cinco anos, a produção regrediu drasticamente, o desemprego dobrou e Walesa deixou Varsóvia sob protestos. Hoje, olhando para o passado, Jeffrey Sachs vê as transformações de Walesa, que recebeu o Nobel da Paz em 1983, como um passo fundamental para o crescimento polonês que se deu nos anos seguintes. Graças às reformas liberais, diz Sachs, a Polônia obteve, em 1994, um perdão dos credores de US$ 15 bilhões de sua dívida ? metade do total. Depois disso, a média de crescimento do PIB foi próxima a 5% ao ano. Hoje, o país tem uma renda per capita de US$ 4,3 mil, superior à brasileira, e a inflação, que era de 70% ao ano quando Walesa assumiu, foi totalmente controlada. Ficou em 5% em 2001.
Mas a população polonesa não deu crédito algum a Lech Walesa, que jamais foi perdoado. Em 1995, ele perdeu as eleições para Alexsander Kwasniewski, um ex-comunista que até hoje governa o país. Na última tentativa de se reeleger, em 2000, obteve apenas 1% dos votos. Depois disso, voltou a Gdansk, onde vive com a mulher Danuta e seus oito filhos. Sua última oportunidade profissional foi um convite para atuar como conselheiro da NuTech Solutions, uma empresa de tecnologia da Carolina do Norte, pertencente a Matthew Michalewicz, um imigrante polonês nos Estados Unidos. Entre a Polônia de Walesa, em 1990, e o Brasil de Lula, em 2002, a semelhança que restou é o fato de que o mundo passou a olhar os dois países com muito mais curiosidade depois que um operário vestiu a faixa presidencial.