21/09/2022 - 10:46
A imagem, cruel, dizia muito sobre o isolamento do Brasil no governo de Jair Bolsonaro: durante uma recepção do G20, em Roma, no ano passado, enquanto os líderes mundiais conversavam amigavelmente, o presidente, sozinho falava com os garçons perto do bufê.
Um país de dimensões continentais e até então respeitado, o Brasil perdeu parte de seu prestigio no mundo durante os quatro anos do mandato do presidente de extrema direita, coincidem analistas consultados pela AFP.
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Eles invocam sua abordagem ideológica das relações internacionais, seus incontáveis desvios das práticas diplomáticas, seus deslizes e seus insultos.
Domingo, numa Londres em luto para o funeral da rainha Elizabeth, um Bolsonaro em campanha pela reeleição discursou a uma multidão de simpatizantes da sacada da residência do embaixador brasileiro.
“O país passou a viver um relativo isolamento internacional e uma importante crise reputacional”, diz Fernanda Magnotta, coordenadora de relações internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), em São Paulo. “Poucos querem ‘sair na foto’ com nossas lideranças”, completa.
“A principal razão para isso foi a centralização decisória em torno do Planalto, incluindo o presidente, seus filhos e assessores mais próximos, que compõem a ala mais ideológica do governo”, explica Magnotta.
O presidente Bolsonaro, que viajou muito pouco, distanciou-se da comunidade internacional em suas posturas sobre o meio ambiente e os direitos humanos, e se confrontou com a China e o mundo árabe, com a promessa finalmente inconclusa de transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv a Jerusalém.
Ele se aproximou de países com governos autoritários e autoisolados: Hungria, Polônia e, sobretudo, a Rússia, onde fez uma visita polêmica uma semana antes da invasão da Ucrânia, justificada por Brasília pela necessidade de garantir o abastecimento de fertilizantes.
A diplomacia do Brasil não era mais vista como “um meio de avanço econômico, mas como um meio para forjar alianças de extrema direita para ganhos políticos internos”, explica Rodrigo Goyena Soares, professor de história da Universidade de São Paulo (USP).
A China, maior parceiro comercial do país, se sentiu ofendida por declarações agressivas de Brasília.
Em novembro de 2020, por exemplo, a embaixada apresentou uma queixa por causa de tuítes de Eduardo Bolsonaro, deputado federal por São Paulo e filho do presidente, nos quais acusou Pequim de querer fazer espionagem por meio da tecnologia 5G.
O acordo UE-Mercosul não foi ratificado “por animosidades mútuas”, diz Fernanda Magnotta.
E o Brasil “perdeu protagonismo do ponto de vista da integração regional da América do Sul”. Bolsonaro estava notoriamente irritado com a Argentina, cujo povo – disse o presidente brasileiro no fim de 2019 – “escolheu mal” ao eleger o presidente de centro esquerda, Alberto Fernández, um amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu principal adversário político.
– “Nunca visto”-
Os gigantescos incêndios na Amazônia em 2019 racharam as relações do Brasil com a Europa ao ponto de não retorno com a França, governada por Emmanuel Macron, cuja esposa, Brigitte, foi insultada por sua aparência física.
No mês passado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, sugeriu que o Brasil poderia “ligar o f….” para a França se esta não tratasse bem o país.
“É inaudito na diplomacia brasileira, e inclusive na diplomacia como tal”, ressalta Goyena Soares.
Bolsonaro tinha apostado tudo nos Estados Unidos do republicano Donald Trump.
“O alinhamento do Brasil com os Estados Unidos de Trump não tinha precedentes”, destaca Felipe Loureiro, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, mas foi, sobretudo, “um alinhamento com o trumpismo”.
A relação bilateral esfriou desde a chegada do democrata Joe Biden à Casa Branca. Bolsonaro foi um dos últimos líderes a reconhecer sua vitória, aderindo em um primeiro momento à alegação de Trump de uma suposta fraude eleitoral.
Foi “outra grave violação da tradição diplomática brasileira de não ingerência”, destaca Loureiro.
– China “maoísta” –
A nomeação, em 2019, de Ernesto Araújo para comandar o Itamaraty, um diplomata considerado por muitos como um fanático, chocou o ministério das Relações Exteriores.
Admirador de Trump, ferrenhamente antiglobalista, cético das mudanças climáticas e inimigo da China “maoísta”, Araújo, que se manteve no cargo até março de 2021, deu uma guinada na diplomacia brasileira.
No Itamaraty, Bolsonaro “colocou capitães em postos de generais”, diz Goyena Soares. Se não fosse a oposição do Senado, teria nomeado seu filho, Eduardo, totalmente inexperiente, embaixador nos Estados Unidos.
Hoje, “Eduardo tem muito mais peso” do que nosso chefe da diplomacia, Carlos França, “muito apagado”, avalia o analista.
O ex-presidente Lula (2003-2010) disse que, se for eleito, restauraria a imagem do Brasil como um ator global importante.
Frequentemente mais popular no exterior do que no Brasil, Lula deverá “propor um diálogo com todos os países, a retomada da cooperação Sul-Sul com a América Latina e a África”, que Bolsonaro ignorou, diz Magnotta.
Além disso, pretende relançar a integração regional e a participação de Brasília em organismos multilaterais e esforços climáticos.
O líder da esquerda também deverá “renegociar os termos da aliança com os Estados Unidos”, acredita Goyena Soares, bem como definir uma política real em relação à China e “operar uma aproximação com a UE através do meio ambiente”.