18/01/2002 - 8:00
“Foram governos como os dos militares e o de FHC que deixaram déficit”
“Depois dos atentados nos EUA, acabou o embasbacamento com o mercado”
DINHEIRO ? Há um ano, o sr. assumia as contas da prefeitura paulistana em uma situação pior do que imaginava. Deu para pôr a casa em ordem?
JOÃO SAYAD ? O governo municipal já está armado para fazer uma boa administração nos próximos três anos. Fizemos boas negociações com credores. O novo IPTU progressivo traz arrecadação adicional de R$ 400 milhões. A progressividade, que produziu um milhão de isentos, é um marco importante na política tributária, apesar da crítica radical que sofreu.
DINHEIRO ? O PT foi criticado também por mudar os critérios do gasto mínimo de 30% com educação.
SAYAD ? Cada época tem sua grande bobagem. A idiotice que nos orienta nos últimos 20 anos é a idolatria da concorrência, na qual vale tudo. Na vida política, confunde-se democracia com concorrência, e aí também vale soco abaixo do estômago. No caso da educação nunca se discutiu reduzir as verbas. Apenas a Lei Orgânica do Município foi adaptada à realidade. Não há motivo para excluir os inativos das despesas com educação e duvido que alguém consiga justificar que bolsa-escola não é gasto educacional.
DINHEIRO ? Na oposição entre governos gastadores e contadores, onde sua gestão se insere?
SAYAD ? Essa divisão é universal. Nos EUA, governos democratas têm inflação maior e desemprego menor. Com os republicanos é o contrário. No Brasil, a situação é mais perversa. Os governos de direita, como os da Revolução, deixam grandes déficits, fazem grandes bagunças e falam contra o déficit. O próprio governo FHC deixou grande déficit. Os de esquerda, coitadinhos, são acusados de perdulários e desorganizados, mas chamados para pôr as contas em ordem.
DINHEIRO ? É isso que o sr. está fazendo? Arrumando a casa para o próximo Celso Pitta?
SAYAD ? Não é esse o objetivo. Ter as contas públicas em ordem é condição sine qua non, mas nosso programa básico é implantar a renda mínima e as subprefeituras, construir 100 grandes escolas na periferia e reformar o transporte público. Vai ser um governo com um conjunto de realizações que o eleitorado entenderá.
DINHEIRO ? A situação de São Paulo então é confortável?
SAYAD ? Não. Éramos uma prefeitura pobre e sem-vergonha. Agora somos uma prefeitura pobre e honrada. Ainda temos um orçamento per capita menor que o do Rio, e um dos menores da América Latina. Veja: as grandes regiões urbanas concentram dois terços dos pobres do Brasil, são os grandes pólos de atração, mas a arrecadação tributária cresceu somente nos municípios com menos de 30 mil habitantes. Precisamos de grandes reformas viárias e urbanas, mas os recursos são paupérrimos. Com o dinheiro que temos não se consegue mudar a cara de São Paulo em três anos.
DINHEIRO ? Em 30 anos dá para mudar?
SAYAD ? Se pensarmos o Brasil grande, generosamente, sim. Não há escassez de nada. Se há desemprego é porque falta dinheiro. E dinheiro se produz. Falta capacidade de organização para lançar grandes programas públicos que façam transporte urbano, ferroviário, que implante um trem de grande velocidade entre São Paulo e Rio. O mito de que obras importantes podem ser feitas pelo setor privado está sendo enterrado. A obra pública precisa ir à frente do mercado. O que está atrás o setor privado faz. A ordenação da região que abrange São Paulo, Rio e Campinas, com 40 milhões de habitantes, deveria ser a prioridade número um do País. Mas eu disse isso outro dia e me chamaram de ?heterodoxo?. É como se investimento público fosse coisa de stalinista.
DINHEIRO ? Esse discurso não está agora em todos os
partidos e candidaturas, como uma resistência à atual
equipe econômica?
SAYAD ? Depois de 11 de setembro, por razões que a história desconhece, o discurso econômico mudou. Não é mais aquele embasbacamento com o mercado, e isso é positivo para o Brasil. Temos de encarar os problemas do País com mais realismo, bom senso e menos dogmatismo. Se todos os partidos estão falando a mesma coisa, aleluia.
DINHEIRO ? Como administrador público, o sr. se sente vítima de preconceito?
SAYAD ? No mundo em que só existe lucro, o setor público ficou patológico. É como uma festa onde há um quarto com as bolsas das mulheres ? o homem público é aquele sujeito que está no quarto e perguntam o que ele faz ali. Supostamente você é corrupto. Eu, por exemplo, já tive de explicar por que vou muitas vezes a Brasília, como se isso fosse agradável. Falta uma chuva de boa-fé.
DINHEIRO ? Nossa história não justifica essa desconfiança?
SAYAD ? Não acho. Corrupção é história da UDN, que continua viva em todos os partidos. Nosso problema não é corrupção, mas dogmatismo. Não foi a corrupção que quebrou o País. Sou contra a anticorrupção. Sou contra votar no fulano porque é honesto, mesmo que traga desemprego.
DINHEIRO ? O sr. é amigo de José
Serra. Qual sua opinião sobre a candidatura dele?
SAYAD ? Minha posição é delicada. Sou amigo dele, amigo da Roseana e também do Lula. Prefiro não falar sobre isso.
DINHEIRO ? Mas em relação ao
debate entre desenvolvimentistas
e monetaristas…
SAYAD ? Sou desenvolvimentista.
DINHEIRO ? O sr. continua crítico da Lei de
Responsabilidade Fiscal?
SAYAD ? O que ela tem de novo não é bom, e o que tem de bom não é novo. Certas coisas são impossíveis de serem feitas. Há um artigo que proíbe supor no orçamento que a economia vá crescer. Ora, o próprio governo federal, quando definiu o novo salário mínimo, contou com o crescimento da base tributária. Se a LRF for levada ao pé da letra, o Brasil terá em cem anos um PIB 40 vezes maior, mas um governo gastando o mesmo que gasta hoje. Sou crítico.
DINHEIRO ? A dívida pública e o déficit externo brasileiros deixam uma bomba-relógio para o próximo governo?
SAYAD ? Continuo sendo otimista. É possível reduzir a
taxa de juros e ter a taxa cambial elevada até R$ 3, sem que
haja efeito inflacionário. Esses são os ingredientes básicos para retomar o crescimento.
DINHEIRO ? Se o BC fosse independente Armínio Fraga baixaria os juros?
SAYAD ? Independente de quem? De 1994 a 1999, emitiram US$ 300 bilhões não autorizados pelo Tesouro Nacional. Um ex-secretário de FHC disse que é o Tesouro que tem de ser independente do BC, pois foi chamado a pagar um juro de até 40% ao ano. Temos o presidente da República, o mercado financeiro, os sindicatos e os pobres. O BC quer ser independente de todos eles e usar a boa teoria econômica para fazer a taxa? Não existe isso no mundo. O Brasil está cheio de idéias frívolas como essa.
DINHEIRO ? É possível aumentar ao mesmo tempo as exportações e o consumo doméstico?
SAYAD ? O que segura o crescimento é a falta de exportações. Se elas crescerem, podemos fazer crescer o resto do País. Se a exportação cresce 5% e o Brasil cresce 10%, o câmbio vai lá para cima. Mas talvez seja preciso isso para incentivar a indústria e a produção nacional, em detrimento dos produtos importados.
DINHEIRO ? Em Brasília, quem fala em aumentar as exportações é tratado com ironia, como se o governo não tivesse meios de interferir nisso…
SAYAD ? Se você falar com os industriais eles não farão
ironia. Qualquer industrial vai dizer o que é preciso fazer para aumentar as exportações. Aliás, há um olhar equivocado
sobre a indústria brasileira. Nos últimos 20 anos, os rentistas dominaram o pensamento econômico. Para eles a indústria é porcaria, taxa de juros alta é boa e é preciso acabar com a
indústria nacional. Essa gente nunca foi à Mooca, não sabe o que é instalar uma fundição e nunca ouviu falar da Romisetta. Nos últimos anos, eles ganharam. Quem perdeu fomos nós, chamados de heterodoxos, desenvolvimentistas.
DINHEIRO ? Não espanta que o sociólogo paulista Fernando Henrique tenha presidido sobre isso?
SAYAD ? Minha dúvida não é em relação a ele, mas sim sobre como uma destruição tão grande da indústria brasileira foi feita sem reação política. Isso começou no governo Fernando Collor. Pisou-se no calo de todo mundo sob aplausos.
DINHEIRO ? Por que a política industrial não avança?
SAYAD ? Porque se imagina que fazer política industrial é
repetir os anos 70. Mas isso não é verdade. Política industrial
pode sair das câmaras setoriais ou de investimentos públicos, como nos EUA. Política industrial não é só tarifa. É gasto público e negociação comercial. Nós tivemos recentemente uma política do tipo da Velhinha de Taubaté, mais liberal que a Organização
Mundial do Comércio (OMC). Entramos na OMC baixando tarifa sem pedir compensação.
DINHEIRO ? A recessão global vai nos afetar?
SAYAD ? O Brasil cresce quando os outros crescem, mas também temos ganhos quando o mundo vai mal. Quando vai bem, o paraíso é em Miami, Paris, Londres, e a elite brasileira tem como grande plano ganhar dinheiro e sair correndo. Quando o mundo é menos hospitaleiro, como na Segunda Guerra, ou durante a crise dos 30, a gente acorda para discutir nossos problemas com dose maior de realidade brasileira e quer construir o modelo, sem copiar. A crise pode ser boa.