30/08/2018 - 8:00
Há mais de 30 anos acompanho a evolução das ações afirmativas no Brasil. Inicialmente lenta, que eu me recordo apenas três empresas ousavam falar no assunto na época meados dos anos de 1980: Levi Strauss, Motorola e a Fersol, empresa de fertilizantes aqui da vizinha da capital paulista, Jundiaí.
Aliás, coincidentemente, Jundiaí foi um dos primeiros municípios a empregar uma série de medidas visando reduzir as desigualdades entre negros e brancos no serviço público por meio de políticas públicas de igualdade, as chamadas ações afirmativas.
Desde então, nesses mais de 35 anos muitas coisas mudaram e graças ao Fórum São Paulo Diverso, projeto que idealizei e coordenei na qualidade de secretário de Promoção da Igualdade Racial na Cidade de São Paulo, que contou com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento Econômico (BID). Desde a edição do primeiro encontro, demos um salto excepcional nesta área nos últimos quatro anos, desde a edição do primeiro encontro.
Me orgulho de ser um dos precursores desse tema e encontrar a pauta de discussões de igualdade racial e de gênero não apenas empresas multinacionais estrangeiras, mas também em muitas empresas brasileiras que vão desde as varejistas como Magazine Luísa até as empresas super poderosas do mercado financeiro, como o grupo Itaú-Unibanco.
Abaixo, confira parte de uma entrevista realizada por mim para a 1ª edição do Fórum Brasil Diverso que se realizará no próximo dia 8 de novembro, em São Paulo, com a Claudia Politanski, vice-presidente do Itaú Unibanco, que é um exemplo vivo de como as coisas mudaram nessa área e em curto espaço de tempo. Claudia é membro do Comitê Executivo do Itaú Unibanco, onde também ocupa a posição de vice-presidente, liderando as áreas Jurídica, Ouvidoria, Pessoal, Relações Governamentais e Institucionais e Comunicação Corporativa. Além disso, acumula as funções de secretária do Conselho de Administração e do Comitê Executivo do Itaú Unibanco e de vice-presidente da Febraban, prova cabal de que competência não escolhe gênero, raça ou cor para florar.
Como o Itaú começou a trabalhar o tema diversidade?
A questão da diversidade é relativamente nova aqui no Itaú Unibanco, eu te diria que começamos a discutir esse assunto de uma forma mais tímida há uns cinco anos e de uma forma mais estruturada já há uns dois. Eu me sensibilizei para o tema mais ou menos nessa época, cinco anos atrás eu e poucas pessoas começamos a debatê-lo e eu te confesso que não era óbvia a discussão; víamos avanços acontecendo, discussões acontecendo na Europa, nos Estados Unidos, mas sabe quando você tem um pouco de dificuldade de entender em que medida aquela agenda faz sentido para uma empresa brasileira, para um banco aqui no Brasil? E na hora em que eu me sensibilizei pelo assunto e comecei a estudar, sabe aquela coisa que bate? Era tão óbvio, era tão patente ali. Como é que a gente não tinha percebido isso?
Às vezes, as coisas óbvias são as mais difíceis de serem percebidas.
Exatamente, a importância da diversidade é óbvia, é patente, é fundamental no relacionamento com os clientes, o Itaú está no País inteiro. Nós temos 60 milhões de clientes, e como podemos nos relacionar com eles se a gente tem ali um grupo muito pouco diverso? Essa foi uma percepção, sabe, quando cai a ficha e você percebe e fala: nossa, nós somos pouco diversos pra caramba. E aí por mais que a gente pense a diversidade na forma mais abrangente, é só olhar por grupos para perceber o quanto éramos pouco diversos sob todos os aspectos.
E qual foi o passo seguinte?
Quanto mais eu estudava, mais entendia e como responsável pela área de pessoas, uma das minhas funções fundamentais é de assegurar que o banco seja atrativo, que os melhores talentos, as grandes cabeças queiram vir trabalhar aqui. Como é que conseguiremos fazer isso se estamos restritos a um universo pequeno de targets, mesmo que a gente não percebesse essa obviedade? E comecei a perceber o quanto enviesado é o nosso olhar e o processo seletivo. Enfim, aí eu posso ficar aqui falando horas sobre os benefícios da diversidade, mas quanto mais eu estudava, quanto mais eu me educava mais eu percebia o quão importante era o assunto e o quão difícil e desafiador ele era.
Desafiador em todos os sentidos…
Sim, pensamos a diversidade na sua forma mais abrangente. Questões de gênero, raça, pessoas com deficiência, questões de idade, religião, modelos mentais, estilo de liderança, tudo, no final das contas. Tudo que é diferente traz uma visão complementar e permite que novas ideias sejam geradas, facilita ali o processo em que se pensa na diversidade de uma forma mais ampla. Mas até por conta de experiências de empresas nos Estados Unidos e na Europa, percebemos que não adiantava querer tratar a diversidade assim, sem que você olhe para cada grupo e identifique: o que está acontecendo aqui? Por que eu tenho mais da metade da população de mulheres e eu não tenho mulheres nos cargos de liderança na mesma proporção? Por que em um País de maioria negra que tem já anos de uma política de ações afirmativas e cotas em universidades, por que eu não tenho esses negros aqui conosco? Por que é que quando olhamos as pessoas com deficiência, ainda que cumpramos a cota legal, por que é que quando a gente olha o desempenho dessas pessoas, a formação, ela é pior do que a do restante dos demais colaboradores?
Passamos a aprofundar olhando cada grupo de interesse e percebendo o desafio que tínhamos para cada um deles. E foi assim, uma jornada que começou cinco anos atrás quando eu me atentei para o assunto. Confesso que me chamou atenção primeiro a questão das mulheres; quando eu fui olhar os nossos números me assustei até porque, de certa forma, eu era a desculpa, ou seja, se eu consegui por que as outras mulheres não conseguem? Eu mesma pensava dessa forma e na medida em que você vai se educando percebe que não é tão simples assim. Aliás, de simples esse assunto não tem nada.
Existem programas voltados para a entrada de pessoas no banco, programas por exemplo com foco em negros?
Sim, por exemplo, o programa do menor aprendiz, que é aquela garotada que está no colegial, que tem ali a oportunidade de ter o primeiro contato com o mundo empresarial. De uns anos para cá, a gente conseguiu fazer um programa estruturado na nossa rede de agências que dá para esse aprendiz tarefas específicas e oportunidades de formação que no fundo os credenciam para poder dar o próximo passo e muitas vezes a gente até ajuda com as bolsas que temos de acordo com a nossa convenção coletiva para que depois eles possam ir para as universidades. Então eles passam a integrar o programa de estágio que é o próximo passo. Além do programa de estágio, temos outros projetos, como o programa de trainee, mas a grande massa entra a partir de programas de menores aprendizes e dos programas de estágios. O programa de estágio é a grande porta de entrada, a gente tem ali milhares de estagiários sendo contratados na nossa rede de agências.
E a questão racial, como tem sido analisada neste contexto todo?
Eu vou te contar um episódio para você ver quanto essa questão é uma agenda desafiadora. Ao operar um programa de estágio esperamos ter um público diverso e aí eu percebi que não tinha negros e perguntei: como não tem negros se estamos indo recrutar em universidades que tem negros nem que seja por conta das cotas? Ninguém me dava uma explicação; chegou uma hora que eu decidi: quero 30 estagiários negros. Conversando com estagiários que estavam conosco eu perguntava: tem negros na sua turma? Tem e por que que esses negros não estão aqui? Enfim, eu reafirmei: quero 30 estagiários negros. Aí eles apareceram e eu fui conversar com eles e descobri que eles sequer imaginavam que eram desejados aqui. Muitos sequer imaginaram que poderiam vir trabalhar em um banco, outros relataram experiências de preconceito de terem passado por fases no processo seletivo e de terem sido preteridos no final. E a leitura deles provavelmente está correta pelo fato de serem negros. Eu ouvi coisas incríveis, pois a experiência que eles trouxeram, principalmente de superação, é fantástica.
Quais são as vantagens de se trabalhar a diversidade, além da questão humanitária que eu acho que é lindo, a gente cria um País mais justo, mas tem também um ganho de produtividade?
Eu não tenho a menor dúvida. Ideias diferentes produzem uma discussão mais rica e discussões mais ricas levam a decisões mais ponderadas e provavelmente mais acertadas. Só por aí já vale, mas tem um tanto assim de as pessoas sentindo que esse é um ambiente acolhedor, no qual elas podem ser elas mesmas, podem se sentir à vontade que aparência física aqui não importa, que o sexo não importa, que a origem não importa, que a orientação sexual e identidade visual não importa. Isso faz com que elas possam se sentir em casa e dar o melhor de si em um ambiente aberto. Não existe ambiente livre de preconceito, não sou ingênua de imaginar, mas um ambiente que pelo menos repudia o preconceito e faz com que as pessoas possam se relacionar de uma forma mais aberta, mais tranquila, mais transparente; você tem naturalmente aumento de produtividade, maior engajamento, as pessoas são mais felizes, elas se comprometem mais com a causa da empresa. Isso, no fundo, fala com suas próprias causas, com seus próprios propósitos e aí elas estão dispostas a dar muito mais e acho que produzem muito mais.