Daniel Kahneman ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 2002 por seu trabalho pioneiro na integração de insights da psicologia cognitiva na ciência econômica. Seu trabalho, em grande parte desenvolvido em colaboração com Amos Tversky (que teria certamente compartilhado o prêmio, não fosse seu falecimento em 1996), lançou as bases para o campo da economia comportamental, que explora como fatores psicológicos afetam as decisões econômicas dos indivíduos e instituições. Sua morte na semana passada suscitou diversas homenagens. Segue a minha.

Há três grandes grupos de contribuições de Kahneman (e Tversky).
• A primeira diz respeito à ‘Prospect Theory’ (PT) que descreve como as pessoas decidem entre alternativas que envolvem risco.
A segunda é relacionada à heurísticas e vieses que as pessoas usam ao tomar decisões num contexto de incerteza.
• A terceira é chamada ‘mental accounting’ (MA) que se refere à tendência das pessoas de alocar e gastar dinheiro de maneira diferente com base em categorias subjetivas, mesmo quando isso não é economicamente racional.

A PT desafia os pressupostos subjacentes à teoria de portfólio elaborada por Harry Markowitz, especialmente no tocante ao comportamento humano perante o risco. Enquanto Markowitz assume racionalidade e que as pessoas buscam maximizar a utilidade esperada dos retornos, a PT mostra que as decisões das pessoas são influenciadas por percepções subjetivas de ganho e perda e aversão ao risco.

Assim, por exemplo, um investidor pode exibir aversão ao risco ao evitar investimentos arriscados quando sua posição atual é percebida como satisfatória ou segura. O mesmo investidor pode buscar investimentos arriscados se tiver sofrido perdas significativas e perceber que precisa de ganhos substanciais para retornar ao seu ponto de referência. Esse comportamento contradiz a suposição de uma aversão ao risco constante na teoria de Markowitz. Outra diferença chave é a aversão à perda, um princípio central da PT, que afirma que as perdas são sentidas mais intensamente do que os ganhos são apreciados. A teoria de Markowitz não leva em conta essa assimetria.

A PT também introduziu o conceito de ‘framing’, demonstrando que a maneira como as opções são apresentadas pode alterar significativamente a escolha do investidor, um conceito ausente na teoria de portfólio de Markowitz. Se as opções de investimento forem enquadradas em termos de probabilidades de ganhos, os investidores podem se tornar mais avessos ao risco. Em contraste, se forem enquadradas em termos de evitar perdas, os investidores podem se tornar mais propensos a assumir riscos. Esse comportamento contradiz a visão de Markowitz de que os investidores fazem escolhas baseadas unicamente na esperança matemática de retorno e volatilidade.

Kahneman também identificou várias heurísticas, ou atalhos mentais, que as pessoas usam para facilitar a tomada de decisão em situações complexas ou incertas.
• A heurística da disponibilidade ocorre quando as pessoas estimam a probabilidade de um evento com base em quão facilmente exemplos vêm à mente
.
• A heurística da ancoragem descreve a tendência das pessoas de se basearem em uma informação inicial ao tomar decisões, mesmo que essa informação seja irrelevante. Este processo pode levar a estimativas distorcidas e erros sistemáticos de julgamento.

Por fim, a contabilidade mental (MA) descreve como as pessoas dividem seu dinheiro em contas mentais separadas, baseadas em critérios subjetivos. Um exemplo clássico é a forma como as pessoas tratam dinheiro “encontrado” ou “inesperado”, como um bônus ou um prêmio de loteria, de maneira diferente do dinheiro que ganham através do trabalho regular.

A MA revela que as pessoas não tratam todo o dinheiro igualmente, afetando suas decisões financeiras de maneiras que podem não ser financeiramente ótimas, mas têm lógica dentro do contexto de suas próprias regras e categorias mentais.

Em suma, Kahneman desafiou a compreensão prevalecente da decisão humana como fundamentalmente racional e mostrou como as decisões são frequentemente influenciadas por considerações psicológicas complexas.

*VITORIA SADDI é estrategista da SM Futures. Dirigiu a mesa de derivativos do JP Morgan e foi economista-chefe do Roubini Global Economics, Citibank, Salomon Brothers e Queluz Asset, em Londres, Nova York e São Paulo. É PhD em economia pela University of Southern California.