Expansão do PIB na casa dos dois dígitos, obras faraônicas, medidas para controlar a inflação e estímulo a determinados setores da indústria. Este pode ser um retrato resumido da economia brasileira durante a ditadura militar, em especial no período conhecido como “milagre econômico”. Como se sabe, as consequências dessa política econômica, dependente do capital externo para se financiar, transformariam os anos 1980 na chamada “década perdida”. Passados 50 anos do golpe militar, no entanto, a despeito de tantas mudanças no cenário mundial, com a globalização e a revolução digital, persistem algumas semelhanças econômicas entre aquele período e o atual. É uma volta ao passado? 

 

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O ministro da Fazenda do governo Médici, Delfim Netto, e seu sucessor, Mário Henrique Simonsen,

defenderam o arrocho salarial, o que gerou protestos do movimento sindical (na foto, manifestação

realizada na Praça da Sé em 1º de maio 1968)

 

Para o professor do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de São Paulo Alexandre de Freitas Barbosa, a economia da ditadura militar pode ser dividida em três etapas. A primeira, que vai da derrubada do presidente João Goulart, em 31 de março de 1964, até 1967, é caracterizada pela tentativa de controle da inflação e pela criação do Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG). A segunda, de 1968 a 1973, é marcada pelo “milagre”, com forte crescimento do PIB. Por fim, a partir de 1973, os militares tentam driblar os efeitos da crise do petróleo e sai do papel a segunda versão do Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), com grandes obras de infraestrutura. 

 

“Isso permitiu que o Brasil tivesse uma indústria mais diversificada que outros países latinos”, afirma Barbosa, que, no entanto, critica a concentração de renda gerada naquela época. Há quem veja alguma similaridade entre o PND e o Programa de Aceleração Econômica (PAC), dos governos Lula e Dilma. Contudo, é a política das “campeãs nacionais” que mais aproxima os dois períodos. Sob o comando dos militares, os estímulos setoriais passavam pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (que mais tarde incorporou o Social), o grande financiador da expansão do parque industrial, e por incentivos fiscais, como os que promoveram a criação da Zona Franca de Manaus. 

 

Para o professor Marcel Grillo Balassiano, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas, desde o estouro da recente crise internacional a receita tem sido a mesma: apoio ao fortalecimento e internacionalização de um grupo seleto de empresas. “De 2009 para cá, o Tesouro Nacional já se endividou em R$ 300 bilhões para abastecer o caixa do BNDES”, diz Balassiano. Além disso, a presidenta Dilma Rousseff pretende prorrogar os incentivos da Zona Franca por mais 50 anos. Há economistas e acadêmicos que também veem semelhanças da atual política de controle de preços de combustíveis e energia elétrica com as intervenções na coleta de preços do período militar. 

 

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“Não havia manipulação de preços”, diz o economista Delfim Netto, um dos poderosos ministros da Fazenda nos anos de chumbo – ao lado de Mário Henrique Simonsen, que o sucedeu. “Era tudo dentro da lei.” A política salarial da época considerava metade da inflação projetada e os ganhos de produtividade. Essa projeção, em geral, ficava abaixo da realidade, e os ganhos de produtividade nunca foram incorporados. “Fazer o crescimento apoiando a iniciativa privada, com ganhos de produtividade que não eram repassados aos salários, era uma forma de garantir apoio da elite industrial ao governo militar”, diz Vinicius Müller, professor de história econômica do Insper. 

 

A avaliação da equipe econômica da ditadura era de que os salários já haviam subido muito no período pré-golpe. “A essência dessa política era o arrocho salarial”, diz o economista Walter Barelli, diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) de 1966 a 1990. “Foi algo que acompanhou o golpe até o fim”, diz Barelli. Para comparar a inflação real com a do governo, o Dieese iniciou sua própria apuração. 

 

Em 1973, o aumento oficial de preços era de 12% e o medido pela equipe do Dieese, de 26%. Na época, o governo foi acusado de manipulação de preços. Essa discussão ganhou força em 1975, com a campanha dos sindicatos para a reposição das perdas de dois anos antes. É nesse momento em que a organização dos trabalhadores volta a ganhar força e alguns líderes começam a se destacar, como Lula, que participaria da fundação do PT em 1980. Cinquenta anos depois, os governos petistas têm Delfim como um grande conselheiro econômico.

 

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