21/02/2014 - 21:00
Na primeira metade dos anos 2000, quando ainda se vivia o período de exuberância irracional na economia mundial e não havia sinais da crise que levaria o mundo desenvolvido a uma recessão no fim da década, a União Europeia buscava ampliar seus territórios com a livre circulação de pessoas e mercadorias. O bloco, criado originalmente sob os auspícios da Alemanha e da França para reduzir os riscos de uma nova guerra no continente, viu no comércio um instrumento para manter os interesses em comum.
Dez anos depois do último grande movimento de expansão do bloco europeu em direção ao Leste, com a incorporação de uma dezena de países à UE, os conflitos na Ucrânia mostram como a economia ainda pode evitar – ou estimular – uma revolução. Localizada estrategicamente entre a Europa e a Rússia, a Ucrânia se viu no centro de uma miniguerra fria. Nos últimos anos, o país vinha seguindo o exemplo de outras ex-repúblicas soviéticas e negociava uma aproximação maior com os europeus. Em novembro, o presidente Viktor Yanukovytch cedeu às pressões de seu colega russo Vladimir Putin e trocou o acordo com a UE por um com a Rússia.
Além de um socorro financeiro, com a compra de US$ 15 bilhões em títulos da dívida ucraniana, Putin ofereceu vender gás mais barato aos ucranianos. Além disso, Rússia e Ucrânia são os maiores parceiros comerciais um do outro. A opção de Yanukovytch não agradou a todos. Boa parte da população, especialmente os jovens, pensava que a aproximação com a Europa traria a modernização do país. A escolha do vizinho do Leste pode trazer vantagens econômicas imediatas, é certo. Mas jogou o país numa convulsão social que deixou, até a quinta-feira 20, pelo menos 40 mortos e centenas de feridos. Do Leste Europeu para a América Latina, muda o continente e a língua, mas permanece a tendência dos governantes para as más escolhas.
As ruas das cidades da Venezuela, à frente a capital Caracas, também foram sacudidas, nas últimas semanas, por protestos entre oposicionistas e apoiadores do presidente Nicolás Maduro, sucessor do presidente Hugo Chávez, morto em março do ano passado. Sem ter um décimo do carisma de seu antecessor e mentor para controlar as multidões, mas com o mesmo gosto por políticas populistas, Maduro continuou a levar a Venezuela para a ruína econômica. Uma tarefa hercúlea, já que não é fácil provocar a bancarrota de um país que detém uma das maiores reservas de petróleo do mundo.
Quando o então coronel Chávez chegou ao poder, em 1999, o petróleo venezuelano era vendido a US$ 6 o barril e a produção da estatal PDVSA era de 3,1 milhões de barris por dia. No ano passado, o barril era vendido a mais de US$ 90, mas a produção havia caído para 2,5 milhões de unidades diárias. Fruto da falta de investimento na empresa, que é obrigada a bancar todos os programas sociais do governo e a empregar milhares de aliados chavistas. Assim, não sobra muito para investir na produção. O longo período de revolução bolivariana resultou numa economia ainda mais frágil do que antes, num país que não tem sequer uma indústria alimentícia básica, capaz de produzir o suficiente para abastecer sua população.
O que se viu nas últimas semanas são prateleiras cada vez mais vazias. O Brasil, que já exportou US$ 5 bilhões para o vizinho, vê esse volume diminuir pela dificuldade das empresas venezuelanas em conseguir dólares para cumprir seus compromissos. Nas ruas de Caracas, manifestações cada vez mais violentas já resultaram em mortes. Em vez de usar o “ouro negro” para desenvolver a economia do país, como fizeram países do norte da Europa e até do Oriente Médio, a era Chávez-Maduro vai entrar para a história como uma subversão do provérbio chinês: um momento em que governos pegaram uma oportunidade e a transformaram numa crise.