Virou rotina. Quando a temporada de chuvas começa – todos nós sabemos quando é –, São Paulo fica debaixo d’água e o Rio de Janeiro conta seus mortos. Antes mesmo de a água abaixar, brotam especialistas em urbanismo munidos de um extenso leque de críticas à ocupação desordenada, e a imprensa, no exercício pleno de sua função, questiona a incapacidade do poder público de prever o que é previsível. 

A novela prossegue. Não demora muito para surgir da boca de políticos uma enxurrada de desculpas esfarrapadas, geralmente tão absurdas quanto o tamanho do caos. E esse ciclo, há décadas, se repete todos os anos. 

 

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O problema é que, desta vez, a rotina ultrapassou a fronteira do suportável. Entre a terça-feira 11, e a quinta-feira 13, as chuvas na região serrana do Rio deixaram quase 500 mortos. 

 

Barracos em favelas foram engolidos pela lama com a mesma velocidade com que mansões, em poucos minutos, viraram entulho nas regiões ricas de Petrópolis, Nova Friburgo e Teresópolis. Quem agora vai dizer que a culpa é sempre do favelado? O argumento não se sustenta mais.

 

Em visita às áreas destruídas, a presidente Dilma Rousseff e o governador Sérgio Cabral anunciaram na quinta-feira um empréstimo de R$ 1 bilhão do Banco Mundial para o programa habitacional Morar Seguro, que prevê a construção de casas apropriadas para a topografia do terreno e o desenvolvimento de infraestrutura de combate aos efeitos dos temporais. 

 

Um dia antes, Dilma havia liberado R$ 780 milhões para os municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo atingidos pelas chuvas. Um gesto louvável, porém tardio. O Estado do Rio recebeu no ano passado apenas 0,6% dos recursos de prevenção do governo federal, enquanto a Bahia, Estado do ex-ministro Geddel Vieira Lima, ficou com 50% do orçamento federal. 

 

A verba de R$ 1 milhão do Rio foi quase duas mil vezes menor – sim, duas mil – do que a verba anunciada nesta semana para consertar o problema. Mesmo assim, a cifra irrisória de 2010 ajudou a minimizar os estragos das últimas semanas na capital, em Volta Redonda e em Rio Claro. 

 

Sem fazer muito esforço matemático, fica evidente que o custo de restaurar a destruição é infinitamente maior do que o de evitar a tragédia – e que, aparentemente, dá mais votos socorrer vítimas do que prevenir acidentes.

 

O caos não se resume ao Rio de Janeiro, mas é um problema em escala nacional. Dos R$ 425 milhões previstos para o Programa de Prevenção e Preparação para Desastres em 2010, o Ministério da Integração Nacional só aplicou R$ 167,5 milhões, 39% do total. 

 

Não se trata apenas de apontar culpados depois que as tragédias acontecem. Há exatamente um ano, a terra sacodiu no Haiti. A pequena ilha caribenha, já surrada pela miséria, ficou completamente destruída após o pior terremoto da história do país. 

 

As ruas da capital, Porto Príncipe, relembravam cenas de filmes pós-apocalípticos hollywoodianos. Em toda parte, cadáveres. Sem água potável e comida, os sobreviventes morriam aos poucos, filmados pelas câmeras das emissoras internacionais. Balanço final: um milhão de desabrigados e 316 mil mortos. 

 

Alguém criticou o governo haitiano? Não. A diferença entre o Rio e o Haiti – além, evidentemente, das proporções da catástrofe – é que terremotos ainda são imprevisíveis.  

 

No caso do Rio de Janeiro, as críticas não são exageradas nem estão fora de contexto. É verdade que existem, sim, catástrofes e catástrofes – algumas não podem ser comparadas às outras. Mas é preciso aprender que meteorologia não serve apenas para saber se vai dar praia no fim de semana.