01/05/2014 - 19:00
A partir de outubro, carros made in Brazil da marca alemã BMW começarão a circular pelas ruas e estradas do País. A montadora colocará em operação sua primeira linha de montagem nacional, no município catarinense de Araquari, redefinindo o cenário do mercado nacional de automóveis de luxo. A meta da BMW é turbinar suas vendas para 40 mil unidades por ano até 2020 – mais do que o dobro dos 17 mil em 2013. Trata-se, proporcionalmente ao tamanho do mercado, da mais ambiciosa estratégia de crescimento da companhia no mundo. À frente desse desafio está o executivo paulista Arturo Piñero, que contou à DINHEIRO como pretende alavancar a participação da BMW no mercado nacional, especialmente após o lançamento de um modelo elétrico, o i3, ao mesmo tempo que avalia a situação do mercado brasileiro. “Há uma crise de confiança na economia do País, uma desconfiança contagiosa”, afirma Piñero.
DINHEIRO – Como o sr. avalia a recente queda das vendas de veículos no País?
ARTURO PIÑERO – O mercado total vem enfrentando dificuldades neste ano, mas os problemas não atingiram os automóveis premium até agora. O mercado de luxo cresceu no primeiro trimestre, assim como as vendas da BMW. Nos primeiros três meses, em relação ao mesmo período do ano passado, o aumento foi de 90%.
DINHEIRO – Mas esse crescimento não é resultado da isenção do adicional de 30 pontos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) que beneficiou a BMW após o anúncio de construção da fábrica?
PIÑERO – Temos de analisar esse crescimento sob diferentes perspectivas. Quando o governo lançou o Inovar-Auto, as empresas ficaram sem direito a cotas de importação sem o imposto extra até abril do ano passado. Estávamos vendendo os carros com o IPI muito maior, o que nos prejudicou. Então, a comparação é sobre uma base muito fraca. Mesmo assim, há um reaquecimento do mercado premium.
DINHEIRO – Então, a partir dos resultados de abril é que será possível perceber o comportamento do mercado premium no País?
PIÑERO – De abril para a frente estaremos comparando, digamos, maçãs com maçãs, avaliando as vendas de períodos com as mesmas cotas do Inovar-Auto. Nossa previsão é de que o mercado premium deva crescer entre 15% e 20% neste ano, apesar da queda de cerca de 5% que estamos esperando para abril. O que aconteceu no mês foi um acúmulo de más notícias, o que afetou muito a confiança dos consumidores. Isso faz com que a maioria adie a decisão de compra.
DINHEIRO – O pessimismo se justifica?
PIÑERO – As pessoas têm de perceber que o Brasil não está tão ruim economicamente como se fala. Os fundamentos econômicos são bons. Somos uma economia de pleno emprego. Há mais pessoas na roda do consumo. Nas classes A e B, que é o nosso público, já há 30 milhões de pessoas, e está crescendo. Então, o que há é uma crise de confiança na economia do País, uma desconfiança contagiosa. Acredito que a situação econômica tem problemas, mas não creio que seja tão grave. O governo precisa fazer certos ajustes para que o pessimismo se dissipe. A economia é cíclica e as empresas precisam se adaptar para viver em épocas de baixa e de alta. Eu vim dos Estados Unidos e passei uma das piores crises da história do automóvel lá. Naquela época, o mercado americano vivia sob forte tensão. Algumas empresas ícones do país, como GM e Chrysler, estavam sob risco de fechar.
DINHEIRO – Como sair dessa situação?
PIÑERO – É possível sair de um cenário desses com trabalho, seriedade, bons produtos e acreditar que a tempestade vai passar. Essa combinação gera confiança no seu consumidor. A BMW sempre esteve preparada para enfrentar momentos difíceis. Em épocas de crise, a companhia costuma investir em novos produtos e nas linhas de produção. E é justamente o que estamos fazendo aqui no Brasil. Vamos iniciar a operação de uma fábrica, em Santa Catarina, nossa primeira no País, e estamos trazendo novos modelos. Para se ter uma ideia, acabamos de lançar o primeiro carro turbo do mundo com motor flex, uma especialidade do Brasil. Esse modelo é o 320i. Estamos nos preparando para aproveitar o potencial que o mercado brasileiro ainda possui. Não fazemos um investimento de € 200 milhões apenas para um ano. Fazemos investimento olhando para daqui a 20 anos.
DINHEIRO – O que precisa acontecer para o Brasil recuperar o otimismo?
PIÑERO – Existem ajustes na economia que o governo precisa fazer e que ainda não foram feitos. Certas políticas e propostas, que foram abandonadas, precisam ser retomadas, como a independência do Banco Central, por exemplo. O BC não deveria ser um instrumento político. Além disso, o chamado custo Brasil, que é amplamente discutido, é um dos fatores que elevam os preços dos carros no mercado. Temos de repassar ao preço a logística, a burocracia, a tributação e a matéria-prima. Tudo isso eleva e muito a nossa conta. Nos EUA, por exemplo, esses fatores custam a metade daqui. Não existe uma solução no curto prazo, mas o governo precisa ter coragem para desenvolver medidas que acabem com esses gargalos e tornem o País mais competitivo. O governo deve ter mais visão no longo prazo.
DINHEIRO – Quais são as perspectivas de vendas?
PIÑERO – O segmento premium vem crescendo acima da média de mercado. E nossa previsão é de que as vendas dessa categoria continuem nessa trajetória pelos próximos cinco anos. Mesmo que ainda seja pequeno, se comparado com as vendas totais de veículos no Brasil, que chegam a 3,6 milhões de unidades, é um segmento que tem mais chances de crescer. Por isso, temos confiança no Brasil. Nossos estudos apontam que as vendas de carros de luxo no País devem alcançar 120 mil carros em 2020. Isso é duas vezes e meia o volume atual.
DINHEIRO – E como foi o mercado premium no ano passado?
PIÑERO – No ano passado, foram comercializados 50 mil automóveis premium no País. As vendas das nossas marcas, a BMW e a Mini, somaram mais de 17 mil carros. Neste ano, esperamos chegar a 20 mil automóveis.
DINHEIRO – Qual a estratégia da marca para atingir esse volume de vendas?
PIÑERO – Nós temos uma cota estabelecida pelo Inovar-Auto de 4,8 mil carros. É igual à de todos os importadores. Mas, por já termos um projeto de fabricação local de nossos carros, essa quantia aumenta mais um pouco. Podemos importar até 50% do volume que teremos capacidade de produzir. No caso, são 16 mil veículos. Somando essas duas cotas, podemos trazer até 21 mil carros sem o IPI adicional.
DINHEIRO – Então, a BMW não deverá pagar esse imposto adicional neste ano?
PIÑERO – Nos carros que não vamos produzir no Brasil, teremos de pagar esse IPI maior. Mas, pela regra, vamos recuperar esse valor depois que iniciarmos a operação de nossa fábrica em Santa Catarina. Aliás, o projeto está dentro do cronograma. Nosso primeiro carro sairá da linha de produção em outubro. Vamos fabricar cinco modelos nessa unidade. O primeiro será o sedã de luxo Série 3, depois o hatch Série 1. Na sequência virão o crossover X1 e os jipinhos X3 e o Mini Countryman.
DINHEIRO – Já estão definidos os fornecedores?
PIÑERO – Estamos trabalhando junto aos parceiros para definir com quais vamos operar. O importante é que 80% de nossos fornecedores no mundo já são empresas consolidadas no Brasil. Então, esse processo será muito mais fácil para nós. No momento certo, vamos divulgar os nomes de cada um.
DINHEIRO –A BMW já trabalhava com a projeção de 120 mil carros por ano até 2020 quando anunciou a fábrica?
PIÑERO – Sim. Para competir aqui, já sabíamos que era preciso produzir localmente. Hoje, o Brasil é considerado um mercado médio para a BMW e está no mesmo nível de volume de países como Holanda, Bélgica e Canadá. Mas é um mercado que no longo prazo poderá ser um dos dez melhores para a BMW no mundo. O potencial aqui é enorme. Em cinco anos, o País já estará entre os dez maiores dentro da BMW. Vamos trabalhar para isso.
DINHEIRO – A fábrica brasileira será a base de exportação para a América Latina?
PIÑERO – Não. Hoje o Brasil não nos oferece condições para isso. É uma pena, mas o País não nos dá condições de competir com outras fábricas da BMW. O foco será local. De nossa área de 1,5 milhão de metros quadrados ,em Araquari, construímos em apenas um terço. Não vamos exportar para a região, mas teremos condições para isso no futuro, com capacidade de produção de 100 mil carros por ano.
DINHEIRO – Quais as novidades que a BMW irá levar para o Salão do Automóvel em São Paulo em outubro?
PIÑERO – O mais importante é o lançamento do i3 no Brasil, que é o primeiro carro elétrico da marca no País. O modelo foi lançado no ano passado no mundo e agora chega ao Brasil. Esperamos começar a comercialização desse modelo até o fim deste ano. Para que essa estratégia dê certo, estamos trabalhando junto aos governos, tanto federal quanto estaduais e municipais, para que o modelo seja realmente uma alternativa à mobilidade. É claro que para desenvolver esse conceito precisamos de uma infraestrutura, principalmente de abastecimento, tema que estamos tratando paralelamente com os parceiros e os governos. A nossa estratégia é muito clara. Estamos lançando esse carro somente em algumas praças, não será um lançamento para todo o País. E, nessas cidades, teremos parceiros estratégicos, que não apenas oferecerão infraestrutura para o abastecimento como também facilidades em estacionamentos.
DINHEIRO – Onde o carro elétrico será vendido?
PIÑERO – O que posso dizer é que São Paulo é uma dessas cidades. Estamos em negociação com os governos para conseguir isenções tributárias para esses veículos, como também outros incentivos para o uso desses carros. Esses veículos recebem um tratamento diferenciado em todo o mundo. Na maioria dos países, os elétricos podem, por exemplo, trafegar em faixas exclusivas e têm espaços garantidos em estacionamentos. Existe uma série de medidas e subsídios que devem ser criados se quisermos promover uma alternativa real aos combustíveis fósseis. O governo precisa criar incentivo para que os fabricantes de automóveis possam trazer as tecnologias verdes para o Brasil. O governo brasileiro apostou muito no etanol, mas há muito o que se fazer na área elétrica, principalmente no suporte para a entrada de outro tipo de combustível.