Oito anos atrás, quando o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva venceu José Serra na disputa presidencial de 2002, os dois principais homens da economia na era FHC trocaram um rápido telefonema. Gustavo Franco, que havia sido presidente do Banco Central, discou para Pedro Malan, o chefe da Fazenda. “Ganhamos a eleição”, disse Franco, em tom de provocação. Naquele momento, já se imaginava que Antônio Palocci seria o futuro ministro da Fazenda. E o que Gustavo Franco quis transmitir a Pedro Malan era muito simples: ao contrário da percepção de muitos analistas, Lula representava a continuidade da política econômica; Serra era a ruptura. 

 

113.jpg

 

Em grande medida, foi a decisão de preservar o rumo da economia que fez com que o risco-Brasil desabasse de 2,7 mil para menos de 200 pontos, a moeda brasileira se valorizasse, a inflação fosse controlada e o País retomasse o crescimento. 

 

Hoje, às vésperas de um novo segundo turno, e em desvantagem nas pesquisas eleitorais, Serra se viu obrigado a explicitar suas intenções. Defendeu uma “mudança ampla” na economia. 

 

O que talvez não seja o discurso mais apropriado para vencer a eleição, num país que cresce 7,5% neste ano, com inflação perto da meta de 4,5% do Banco Central e geração de 246 mil empregos a cada mês. 

 

“Quando o candidato diz que vai mudar a política econômica, é importante dizer o que vai mudar, porque o mundo está esperando que ele diga”, alfinetou o presidente Lula. “Você não pode agir com irresponsabilidade, sem saber os efeitos de uma declaração que, certamente, não agradou nem à assessoria dele.”

 

114.jpg

Nos tempos do real: a cordialidade era apenas aparente. No governo FHC, Serra foi um critico contumaz da

política econômica do ministro Pedro Malan. A tal ponto que os técnicos da economia enxergaram

continuidade na vitória de Lula – e não na de Serra, em 2002

 

De fato, a declaração de Serra não caiu bem entre seus colaboradores, que rapidamente disseminaram a informação de que o tucano não daria nenhuma “porrada” no câmbio. O que se teme, numa eventual gestão Serra, é a adoção de uma política de câmbio excessivamente desvalorizado, como faz a Argentina, para estimular as exportações e proteger a indústria nacional. 

 

É um receio justificado porque o candidato, ao prometer mudanças na economia, criticou o fato de os produtos importados representarem 20% do que se consome no Brasil – eram 12% em 2003. 

 

A questão cambial, no entanto, é muito mais complexa. Embora o governo Lula esteja adotando medidas pontuais para combater a queda do dólar, o real forte tem gerado vários benefícios para a economia brasileira. 

 

Contribuiu para a inflação baixa, deu musculatura para que as empresas nacionais adquirissem concorrentes no Exterior, modernizou a indústria, atraiu investimentos externos e melhorou os balanços das grandes companhias, reduzindo suas dívidas. Além disso, a queda do dólar não é um problema brasileiro – reflete, sobretudo, a perda de competitividade da economia americana.

 

Nesse contexto, o Brasil se tornou o destino preferencial das grandes multinacionais. De acordo com Cleber Morais, presidente da Avaya, uma das maiores no setor de tecnologia da informação, é praticamente proibido não investir no Brasil. Nas reuniões dos boards internacionais, essa tem sido uma orientação bastante ouvida por executivos que comandam as filiais brasileiras. 

 

É por isso que as declarações de Serra, sobre mudança ampla na economia, podem ser prejudiciais – e só não causam maiores danos, porque o candidato tucano ainda é tido como azarão na corrida presidencial. 

 

115.jpg

 

De todo modo, um CEO ouvido por DINHEIRO declarou que um grande investimento aprovado para o Brasil ficará em compasso de espera, até o resultado do próximo dia 31. Esse mesmo empresário enxerga em Dilma Rousseff uma perspectiva mais segura, com a manutenção de nomes como Henrique Meirelles e Guido Mantega na equipe de governo. E os ajustes nas políticas fiscal e monetária seriam apenas pontuais.

 

No início da corrida presidencial, José Serra chegou a ser percebido por agentes do mercado financeiro como uma garantia de maior responsabilidade fiscal. Mas essa imagem foi pelos ares quando o tucano começou a desfilar uma série de propostas, como o 13º para o Bolsa Família, o reajuste do mínimo para R$ 600 e o aumento de 10% para os aposentados. Ao todo, essas medidas custariam mais de R$ 46 bilhões. 

 

Serra diz que é possível, eliminando desperdícios e fechando o ralo da corrupção. Mas a equação não é tão simples. E contra Serra pesa ainda um outro fator negativo: a imagem de que ele seria excessivamente centralizador, “ocupando” ao mesmo tempo a presidência da República, o ministério da Fazenda e a chefia do Banco Central.