DOIS FATOS FICARAM EVIDENTES no resultado do primeiro turno das eleições municipais. Primeiro, a boa situação econômica do País foi o melhor cabo eleitoral dos atuais prefeitos, rendeu votos para os candidatos do governo e garantiu a permanência da oposição nos seus cargos. Segundo, o presidente Lula não transfere votos na proporção em que se imaginava. Com obras financiadas pelo governo federal, aumento da arrecadação e das transferências de verbas federais, que passaram de R$ 75,1 bilhões em 2004 para R$ 111,5 bilhões em 2007, os atuais prefeitos concorreram em situação privilegiada. No domingo 5, nos municípios onde houve reeleição, o eleitor tratou o assunto mais como uma questão plebiscitária. Dos 79 maiores colégios eleitorais do Brasil, 50 definiram seus prefeitos no primeiro turno. Destes, 36 disputavam a reeleição e venceram. O resultado mostrou que a principal decisão era se a atual administração era satisfatória ou não. O caso mais emblemático ocorreu em São Paulo. Apesar de começar a campanha em terceiro lugar nas pesquisas de opinião, o prefeito Gilberto Kassab obteve 52.094 votos a mais do que a ex-prefeita Marta Suplicy e, de acordo com as pesquisas, deverá ser reeleito no segundo turno.

Kassab chegou à liderança mesmo depois que o presidente Lula percorreu São Paulo em carreata e subiu no palanque de Marta Suplicy. ?Eu sou presidente de todos os brasileiros, mas eu tenho lado, e em São Paulo estou do lado de Marta Suplicy para prefeita?, afirmou Lula. Não foi suficiente. Os bons indicadores econômicos, como redução de desemprego, aumento da renda e do consumo ? o melhor quadro dos últimos anos, pelo menos olhando pelo retrovisor ?, entraram na conta de Kassab e não na da preferida do presidente.

O mesmo ocorreu em Fortaleza. Neste caso, Lula virou as costas para a petista Luizianne Lins. Ela repetiu o feito de 2004 e se reelegeu prefeita de Fortaleza já no primeiro turno, à revelia do presidente. ?Para o prefeito que concorre no exercício do mandato é muito mais fácil mostrar os resultados?, avalia o cientista político Cristiano Noronha, diretor da Arko Advice. Embora a arrecadação tributária própria dos municípios seja a maior de todos os tempos, subiu de R$ 32,7 bilhões para R$ 45,6 bilhões entre 2004 e 2007, ela ainda é insignificante diante das obrigações que as prefeituras têm assumido, de acordo com a Confederação Nacional dos Municípios. Ou seja, a maior parte dos orçamentos municipais é repassada pelo governo federal. Há ainda os recursos do PAC. Um mês antes de vencer o prazo impedindo os repasses federais, por causa das eleições, Luizianne assinou com o governo federal cinco contratos para investimento em saneamento, num total de R$ 376 milhões. ?Nossa cidade tem tudo para ser a grande capital turística do Brasil?, disse ela à DINHEIRO, logo depois de ser reeleita.

O mesmo ocorreu em Salvador. Além de liberar recursos para o metrô, o PAC prevê investimentos de R$ 339,3 milhões numa via expressa que vai ligar o porto de Salvador à BR- 324. Essas ações podem reeleger o atual prefeito João Henrique, do PMDB, que disputará o segundo turno com o candidato do presidente Walter Pinheiro, do PT. É com recursos da União que João Henrique pretende ampliar a cobertura do Programa Saúde na Família, sua principal promessa de campanha. ?O eleitor tende ao conservadorismo e só não reelege o prefeito se não estiver satisfeito?, diz o cientista político da FGV Fernando Weltman. ?O crescimento econômico favorece, porque as prefeituras passam a ter mais recursos que beneficiam os que estão no poder.?

Curitiba é um exemplo disso. O tucano Beto Richa se reelegeu prefeito da capital paranaense com 77% dos votos. Com projetos alçados em orçamento federal, Richa ostenta obras de R$ 935 milhões, das quais 70% foram para bairros com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Durante sua gestão, o investimento ficou 10% acima da média nacional. ?Melhoramos os gastos públicos e sempre pensamos nas famílias humildes, nos bairros carentes?, diz o prefeito. O presidente Lula também viu o PT perder espaço nos 100 municípios que mais recebem Bolsa Família. Neles, apenas 16 tiveram candidatos do partido e somente quatro se elegeram, contrariando todas as expectativas de que o programa renderia votos ao PT. O Bolsa Família, assim como todos os demais projetos do governo federal, foi ecumênico. Não distinguiu o governo da oposição.

 

As armas de Serra

Vitorioso nas eleições, ele terá R$ 27 bilhões para investir em obras até 2010

HUGO CILO

A corrida pelo Palácio do Planalto começou na semana passada com as eleições municipais, que tiveram como principal vencedor José Serra. O governador de São Paulo se consolidou como candidato natural do PSDB, ao enfraquecer dois rivais do próprio partido: Geraldo Alckmin, que perdeu a disputa em São Paulo, e Aécio Neves, cujos aliados perderam espaço em Minas Gerais. ?Aqui, não há coronelismo?, disse Serra, num recado claro a Aécio, que tentou impor em Belo Horizonte o nome de Márcio Lacerda. Sem oponentes, Serra começará agora a colocar em marcha sua campanha rumo a 2010. Para isso, ele terá um orçamento de R$ 116 bilhões no próximo ano, que será 20% superior aos atuais R$ 96 bilhões. Com o cofre cheio, os investimentos serão turbinados em 49% no próximo ano. Passarão de 9,2 bilhões para R$ 13,7 bilhões ? número que se repetirá em 2010. Parte deste montante, algo em torno de R$ 1,5 bilhão, irá para o trecho sul do Rodoanel, um dos principais cartões de visita de Serra e que deverá ser entregue já no final de 2009, uma antecipação de quase seis meses. A evolução das receitas é fruto, principalmente, da combinação entre forte crescimento da atividade econômica e do aumento da captação de empréstimos no mercado internacional (assinados antes da crise) ? que passaram de R$ 1,9 bilhão neste ano para quase R$ 3,4 bilhões no próximo exercício fiscal.

Além da fartura financeira, algumas iniciativas, como os leilões de 1,7 mil quilômetros de rodovias e a consolidação da venda da Nossa Caixa para o Banco do Brasil, garantirão ainda mais conforto a Serra. Apenas as concessões de cinco lotes de estradas estaduais podem render mais de R$ 3,5 bilhões aos cofres estaduais, dinheiro que servirá para recuperar outras vias, principalmente no interior. No caso da venda da Nossa Caixa, os valores ainda são desconhecidos, mas estima-se no mercado uma transação superior a R$ 5 bilhões. Parte do dinheiro, ele pretende aplicar na segurança pública, cujos indicadores vêm melhorando em São Paulo ? entre 2007 e 2008, a redução no número de homicídios foi de 20%.