Sete eleições e 30 anos separam o Brasil de hoje daquele que foi às urnas para eleger o primeiro presidente após o fim da ditadura militar que comandou o País por mais de duas décadas, destaca matéria do jornal O Estado de S. Paulo. A eleição de 1989 costuma vir à memória por diferentes motivos: seja por ser o primeiro pleito presidencial de duas gerações de brasileiros, por ter lançado as bases para as campanhas eleitorais subsequentes ou pelo número recorde de 22 candidatos.

O pleito ainda ficou marcado por ter inaugurado a profissionalização do marketing político no País, ancorado na televisão, modelo que foi posto em xeque no ano passado com a eleição de Jair Bolsonaro, que não contou com tempo de TV e nem se escorou no marketing eleitoral – sua campanha foi concentrada nas redes sociais.

Alguns dos nomes que tentaram ser presidente naquele ano ainda estão presentes no cenário político atual, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o hoje senador Fernando Collor (PRN, atualmente no PROS) e o governador goiano Ronaldo Caiado (PSD, hoje no DEM). Não foram as únicas figuras de destaque: Ulysses Guimarães (PMDB), presidente da Câmara dos Deputados durante a promulgação da Constituição de 1988, o ex-governador paulista Paulo Maluf (PDS), o então senador Mário Covas (PSDB) e Leonel Brizola (PDT), ex-governador do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, também queriam a cadeira presidencial.

A disputa ainda contava com personagens que entraram para o anedotário da política nacional, como Enéas Carneiro (Prona), e com uma quase candidatura do apresentador Silvio Santos, pelo nanico PMB.

No fim, Fernando Collor, o ex-governador de Alagoas que se apresentou como o “caçador de marajás”, ganhou as eleições por um pequeno partido – em 1992, ele renunciaria em meio a um processo de impeachment. A que ele atribui a vitória? “Havia um espaço vazio na política que poderia ser preenchido exatamente com essa mensagem de mudança”, disse. No segundo turno, em 17 de dezembro de 1989, foram 35 milhões de votos para Collor, contra 31 milhões de Lula. O apoio de Brizola ao petista não foi suficiente para garantir a vitória do ex-metalúrgico.

O contexto para boa parte da sociedade brasileira era de descontentamento: depois da mobilização frustrada pelas Diretas Já, Tancredo Neves foi eleito indiretamente e morreu antes de tomar posse. Havia um clima de decepção. A hiperinflação do governo de José Sarney, que assumiu o País no lugar de Tancredo, fazia as pessoas sentirem no bolso os problemas da gestão.

“Era frustração atrás de frustração”, recorda a historiadora Heloisa Starling, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ela cita também o discurso do combate à corrupção como decisivo. “O Collor usou muito esse apelo anticorrupção, era o caçador de marajás, dos altos salários do funcionalismo público. É algo moral, o mesmo sentido da corrupção que é usado na atualidade: bastava acabar com os marajás que se acabava com a corrupção no Brasil, como hoje, com o discurso de que basta prender as pessoas que acaba com a corrupção.”

A campanha de Collor também se diferenciou das outras pelo uso eficiente da televisão e até hoje é lembrada como um caso bem-sucedido do marketing político numa disputa.

“Foi a primeira vez que tivemos a presença quase industrial do marketing político nas campanhas presidenciais. Houve propaganda maciça, organizada, repetindo técnicas e modos de exposição do marketing político dos EUA”, afirmou o filósofo e professor da Unicamp Roberto Romano, que destaca o fato de nomes importantes na época terem tido uma votação pequena.

Na avaliação do sociólogo Marcos Coimbra, fundador do instituto de pesquisa Vox Populi e um dos coordenadores da campanha de Collor, aquela campanha inaugurou um conjunto de formas de se disputar eleição que seria incorporado à cultura política. “Uma dessas mudanças foi a adesão em grande escala desse pacote de técnicas e procedimentos típicos da propaganda de mercado. Na campanha do Collor, especialmente na pré-campanha, houve uma utilização intensa de pesquisas”, disse.

Coimbra conta que o fator decisivo para Collor, além do marketing, foi o fato de o alagoano ter iniciado a campanha oficial já na frente das pesquisas. “A legislação permitia algo fundamental para a transformação do Collor em uma figura nacional e que nunca mais existiu: ele usou, entre março e início de maio, os horários eleitorais de três partidos, o partido dele e mais de dois outros pequenos.” O sociólogo é taxativo ao apontar o principal mecanismo de ascensão do candidato: “Foi através da televisão que o fenômeno pôde acontecer”.

Utopia

Para a antropóloga e historiadora Lilia Moritz Schwarcz, a eleição de 1989 trazia a ideia de um “Brasil novo”. “Tem um legado importante por conta da utopia que ela inaugurava: a ideia de um Brasil novo, democrático e que se abria para uma nova República depois de promulgada a Constituição de 1988.” Segundo ela, a euforia pode ser percebida pelo número de candidatos e pela importância histórica deles. “Só não foram mais porque Jânio Quadros desistiu e outro dos concorrentes, Silvio Santos, teve a candidatura impugnada.”

Se o número de interessados em chegar ao Planalto era grande, também era alto o engajamento da sociedade. “Era a superação de uma ditadura militar. Após um processo constituinte, tínhamos debates em todos os níveis, até mesmo nas escolas. Foi o momento de maior participação da sociedade em uma eleição”, avaliou Roberto Freire, que tentou ser presidente em 1989 pela sigla comunista PCB e hoje lidera o Cidadania, antigo PPS.

Campanha inovadora

Trinta anos depois de uma das eleições mais disputadas da história do Brasil, Fernando Collor de Mello, eleito no segundo turno após vencer Luiz Inácio Lula da Silva, olha para trás e consegue enxergar semelhanças, ainda que poucas, com o momento político atual.

Na avaliação do hoje senador Collor, o que lhe atribuiu a vitória foi ter feito uma campanha inovadora ao usar a linguagem da televisão para transmitir uma mensagem de abertura comercial, de modernização, de diminuição do Estado e, sobretudo, de mudanças.

“Estávamos em um momento de profunda transformação mundial e havia um sentimento de mudança acoplado a isso”, afirma. “Eu vi que havia um espaço vazio que poderia ser preenchido exatamente com essa mensagem de mudança.”

Collor afirma que uma das semelhanças entre aquele pleito e o de 2018 é a maneira de como levar a mensagem à população. Em 89, a novidade foi o uso da televisão, enquanto as redes sociais marcaram a eleição que deu a vitória a Jair Bolsonaro.

“O fato de eu ter sabido me utilizar desse meio para comunicar ao eleitorado as minhas propostas e os projetos é que se identifica um pouco com a campanha de 2018, só que o meio de comunicação, o instrumento, ao invés de ser a televisão, foi a mídia social. Em 2018, por saber utilizar o potencial da mídia social, o novo presidente foi eleito”, afirma.

No entanto, o ex-presidente diz que “há mais diferenças do que eventuais semelhanças” entre a campanhas e “as personalidades” dele e a de Bolsonaro. Collor atribuiu erros durante a campanha “em função das paixões que estão desencadeadas” típicas de processos eleitorais.

O ex-presidente, que sofreria impeachment dois anos após assumir o mandato, também admitiu erros na relação com o Congresso. “O principal foi não ter me preocupado como eu deveria com a construção de uma base parlamentar de apoio ao meu governo e às medidas que eu estava enviando ao Congresso Nacional. Embora tenha tido apoio do Congresso para todas as medidas que encaminhei, não consegui construir essa base de apoio que concedesse a solidariedade do Congresso ao presidente da República em um momento de necessidade.”

Para Collor, o País saiu polarizado das eleições de 2018 e a postura de Bolsonaro “agrava” a divisão. “O papel dele (Bolsonaro) como chefe da nação brasileira é de reconciliar a sociedade brasileira, e não agravar a divisão que se estabeleceu a partir da eleição que o elegeu”, afirma. O ex-presidente prevê problemas para Bolsonaro pela maneira que ele lida com o Congresso. “Foge um pouco da lógica do que pode dar certo”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.