16/03/2005 - 7:00
“Perdemos por ano R$ 600 milhões com fraudes nas redes”
“Se eu fosse headhunter, não hesitaria em contratar a Dilma, já”
DINHEIRO ? Como o sr. explica a recuperação da empresa ? a volta ao lucro, mesmo que menor neste ano ? depois de todas as dificuldades?
EDUARDO BERNINI ? É bom lembrar que mesmo nos momentos mais críticos das dificuldades financeiras, as operações da Eletropaulo, falo do atendimento aos clientes, não sofreram degradação. O que tivemos foi um problema financeiro.
DINHEIRO ? Qual foi a importância BNDES na recuperação da empresa, especialmente após a reestruturação da dívida, que caiu de cerca de US$ 1,2 bilhão para quase metade disso?
BERNINI ? O BNDES foi fundamental para a recuperação das perspectivas da empresa. A entrada da BNDESPar no controle acionário passou uma visão mais positiva para o mercado e resultou na redução do risco e na melhora das estimativas caso precisemos voltar a captar no mercado.
DINHEIRO ? Mas em 2003, por exemplo, o BNDES teve prejuízo por conta da operação fechada com a AES, a outra controladora…
BERNINI ? Isso vai mudar. Estamos voltando à normalidade, o consumo continuará crescendo e a nossa rentabilidade também.
DINHEIRO ? O que explica essa recuperação?
BERNINI ? Também demos prioridade à performance operacional, à reorganização da empresa e à redução desses custos fixos buscando maior eficiência e produtividade, com ganho de escala.
DINHEIRO ? A empresa tem problema com fraudes?
BERNINI ? Todo ano perdemos R$ 600 milhões com fraudes. Por isso intensificamos os programas de combate a esse problema e conseguimos reduzir as perdas a 12% da receita.
DINHEIRO ? O que explica a redução no lucro líquido da Eletropaulo (que caiu dos R$ 86 milhões de 2003 para R$ 5,6 milhões em 2004), justamente no ano em que a economia cresceu mais de 5%?
BERNINI ? A valorização do real nos prejudicou. É bom lembrar que parte dos nossos ativos é denominada em dólares e que a queda da moeda norte-americana acaba tendo um efeito inverso nas nossas contas. Além disso tivemos aumento nos custos com a compra de energia, que subiram quase 10%.
DINHEIRO ? Mas é uma queda muito significativa, de mais de 90%. Alguns investidores cogitam reduzir a exposição em papéis da empresa…
BERNINI ? Isso não me preocupa. Vejo essa avaliação com tranqüilidade. O Ebitda (que é a geração de caixa que baliza a capacidade de investimento), por exemplo, cresceu 20% e o nosso resultado operacional, 27%.
DINHEIRO ? A queda no lucro pode afetar as estimativas de investimento?
BERNINI ? Não. Já temos previstos R$ 537 milhões para este ano, dos quais R$ 428 milhões serão realizados na distribuidora (a AES Eletropaulo).
DINHEIRO ? E o restante?
BERNINI ? Temos mais R$ 65,5 milhões que serão investidos na AES Sul.
As geradoras, AES Tietê e Uruguaiana, terão R$ 35,9 milhões e R$ 7,5
milhões, respectivamente.
DINHEIRO ? De onde virá o dinheiro para os investimentos?
BERNINI ? O dinheiro vai sair do caixa da empresa. É claro que com a volta da normalidade abre-se caminho para uma operação como esta. Mas por enquanto não temos nada programado.
DINHEIRO ? Quais serão as prioridades, para onde irão os investimentos?
BERNINI ? Inicialmente não são para novos negócios e aquisições. Os objetivos são melhorar a qualidade do serviço e investir em expansão.
DINHEIRO ? Vocês estão aguardando um repasse de R$ 770 milhões do BNDES por conta do programa de apoio às distribuidoras. Onde será usado esse dinheiro?
BERNINI ? Vamos usar esse dinheiro, como fizemos com os outros desembolsos, para quitar dívidas.
DINHEIRO ? Ou seja, esses recursos serão destinados aos bancos privados com os quais vocês negociaram no ano passado?
BERNINI ? Sim. São 25 bancos no total.
DINHEIRO ? Recentemente, voltaram a surgir críticas quanto ao uso de recursos do BNDES
para socorrer empresas como a Eletropaulo.
Vocês não foram privilegiados?
BERNINI ? O BNDES é tão acionista da empresa
quanto a AES e justamente por isso prefiro não
comentar esse assunto.
DINHEIRO ? Os níveis de consumo já voltaram aos patamares de antes do racionamento de 2001?
BERNINI ? Sim, voltaram. Isso quer dizer que
a capacidade que estava instalada e que ficou
ociosa voltou a ser utilizada.
DINHEIRO ? O novo modelo do setor elétrico foi muito criticado pelas empresas, especialmente com relação ao preço fixado no último leilão de energia velha. O sr. concorda que isso pode desestimular novos investimentos?
BERNINI ? A nossa geração, da Tietê e da Uruguaiana, já estava contratada
antes dos leilões. São contratos de longo prazo, de 15 a 28 anos, e por isso
não fomos tão afetados. Mas acho que o preço refletiu a atual situação, que
é de oferta excedente de energia.
DINHEIRO ? Ou seja, o preço foi justo.
BERNINI ? Nos novos leilões, de energia nova, serão refletidos os custos naturais de expansão e será fixado um preço que remunere o investimento.
DINHEIRO ? Mas as reclamações procedem, o preço realmente vai desestimular investimentos?
BERNINI ? Essa reclamação é prematura. A razão da insatisfação é a falta de sintonia entre os preços. As estatais tinham condições de vender a energia com custo mais baixo e, neste caso, as privadas têm razão para o desapontamento. O ideal seria não haver dois preços diferentes.
DINHEIRO ? Na sua opinião, o novo modelo vai funcionar?
BERNINI ? A busca por perfeição é contínua. Esse modelo não é ótimo, mas é bom. Em todo o caso, o mais importante é ter uma regra, que está vigorando.
DINHEIRO ? O modelo dá estabilidade?
BERNINI ? Mais do que estabilidade, precisamos de normalidade. Claro que melhorias sempre poderão ser feitas. Se os leilões acorrerem dentro da freqüência necessária, teremos essa normalidade.
DINHEIRO ? Alguns analistas não descartam risco de apagão já em 2007…
BERNINI ? O fato de apenas uma das áreas que serão licitadas (no leilão de energia nova) ter licença ambiental é minha grande preocupação. É preciso mais agilidade para garantir os prazos.
DINHEIRO ? Mas o País teve vários apagões nos últimos meses…
BERNINI ? Essa é um polêmica estéril. Desligamentos ocorrem porque as redes são passíveis de falhas. Nosso trabalho é prevenir e diminuir esse o risco.
DINHEIRO ? Isso não pode ser reflexo de falta de investimentos?
BERNINI ? Todos os dias temos desligamentos, mas eles são pequenos, de um ou dois minutos. O que chamou a atenção é que houve um desligamento de grande porte. E por isso insisto: com a volta da normalidade, a tendência é que esses problemas diminuam.
DINHEIRO ? Então houve falta de investimentos?
BERNINI ? O setor como um todo, entre 2001 e 2002, sofreu um efeito bastante perverso, que foi a queda no consumo e seus efeitos sobre as receitas. Diferente de outros setores, o de energia não pode reduzir utilização da capacidade instalada. No nosso caso, o único componente variável é a receita. O custo não muda, é fixo. E isso é mundial. É a natureza da indústria de energia elétrica. Continuamos tendo a mesma capacidade independentemente da demanda.
DINHEIRO ? O racionamento aconteceu porque faltaram investimentos?
BERNINI ? Pode ser. Mas o fato é que a nossa receita caiu e mesmo assim tivemos de manter as mesmas operações. Com isso, nos vimos obrigados a tomar crédito de curto prazo, mais caro. Ninguém disponibilizaria crédito de longo prazo para uma indústria com essas características.
DINHEIRO ? Esse foi o motivo da crise do setor?
BERNINI ? Essa situação provocou uma inadimplência setorial que gerou uma montanha de concentração de dívidas no curto prazo. As reestruturação buscou descentralizar essa dívida porque chegou-se a conclusão de que o problema não era o estoque da dívida, mas a concentração.
DINHEIRO ? A ministra Dilma Rousseff tem sido alvo de muitas críticas por conta do novo modelo de energia elétrica. O que o sr. acha da ministra?
BERNINI ? Se eu fosse um headhunter contrataria a Dilma para CEO de qualquer empresa, em qualquer área. Ela tem personalidade, sabe delegar e hoje já sabe ouvir. Ela era uma pessoa de difícil diálogo no começo, mas isso mudou. Acho que o único deslize da ministra foi falar que o País não sofreria com novos apagões.
DINHEIRO ? Por quê?
BERNINI ? Como eu já disse, falhas acontecem. Sempre vão acontecer por melhor que seja a infra-estrutura do sistema. Veja o que acontece na Europa e nos EUA. Ela jamais poderia ter dito isso.