13/02/2008 - 8:00
Todos os dias, um exército de 26 mil trabalhadores coloca em funcionamento uma gigantesca máquina com braços que atingem 360 cidades de 18 Estados brasileiros. Sua pontualidade precisa se equiparar à de um relógio suíço. A qualidade de seus serviços deve ser impecável. E os atributos de seus produtos têm que agradar a um público imenso e diversificado. De seus equipamentos não saem automóveis, medicamentos ou parafusos, mas, sim, refeições. A máquina chama-se GRSA, a maior fornecedora de serviços de alimentação para empresas do País. A cada dia, a companhia serve um milhão de refeições completas, o equivalente à população de uma cidade como Campinas. Suas lanchonetes, cafés e pontos de alimentação rápida, espalhados por aeroportos, hospitais, terminais rodoviários, atendem outros dois milhões de pessoas por mês. É essa empresa que vive um momento peculiar. Ao mesmo tempo que registra recordes em seus resultados, passa por uma profunda reestruturação societária. O grupo britânico Compass, dono de um faturamento de US$ 20 bilhões e de 50% da GRSA, acaba de fechar a compra da outra metade do negócio que pertencia ao gigante francês Accor. O valor da transação: R$ 305 milhões.
A aquisição pode significar para a GRSA o fim de uma espécie de camisa-de-força. ?Agora 100% do capital da GRSA está nas mãos de um grupo com a mesma atividade-fim, ao contrário do que ocorria com o Accor, que se dedica a outras áreas?, disse Paulo Pires, presidente da GRSA, à DINHEIRO, minutos depois do anúncio, enquanto aproveitava os últimos momentos de um rápido descanso em Santiago do Chile. Na prática, a mudança acionária abrirá, para a GRSA, uma temporada de compras de empresas locais do setor de alimentação corporativa. Mais: negócios da Compass existentes em outros 64 países desembarcarão no Brasil. É o caso da área chamada de facilities, ou seja, serviços diversos, que incluem desde jardinagem e recepção até telefonia e manutenção técnica. ?Ainda este ano, vamos procurar companhias com essas especialidades para possíveis aquisições?, adianta Pires.
A Compass assume uma operação caracterizada por números superlativos. O faturamento da GRSA soma R$ 1,32 bilhão, gerado por duas grandes fontes de receita. Uma delas são os restaurantes corporativos, aqueles que atendem os funcionários em horário de almoço. Outra é a administração de praças de alimentação em locais de grande afluência de público, como aeroportos, hospitais, escolas e terminais rodoviários. É o pessoal da GRSA que cuida dos pontos de alimentação do Aeroporto Internacional de Cumbica, em São Paulo, o maior da América Latina. Também encontra-se sob sua responsabilidade o Terminal Rodoviário do Tietê, em São Paulo, por onde circulam mais de 30 milhões de pessoas por ano. Tudo isso faz com que a GRSA tenha se tornado uma das maiores compradoras de alimentos do País ? são cerca de 20 mil toneladas por mês. O campeão é o arroz com 913 toneladas. A empresa é a maior franqueada da Casa do Pão de Queijo em volume de vendas, graças à comercialização de 150 mil unidades nas 15 lojas sob seu controle. Ninguém vende mais hambúrgueres e milk- shakes do Bob?s do que o restaurante da marca dirigido pela GRSA no Terminal do Tietê.
CAFÉ RITAZZA (à esq.) em Cumbica, Pão de Queijo no Terminal Tietê (à dir.) e restaurante e lanchonete na IBM: públicos variados
EXPANSÃO DE 2002 A 2007, O FATURAMENTO DA GRSA DOBROU PARA R$ 1,3 BILHÃO
A máquina ganhou novo fôlego a partir de 2002, quando Pires assumiu o comando da companhia. Desde então, o faturamento praticamente dobrou, com um salto de R$ 664 milhões para R$ 1,32 bilhão. Pires realizou uma cirurgia radical na forma como a companhia trabalhava. A primeira providência foi encerrar a fase de crescimento através da aquisição de pequenas empresas do setor. ?Isso exigia um grande esforço na integração da estrutura e cultura de outra organização?, afirma Pires. Diante da mudança de controle acionário no fornecedor, os clientes debandavam em massa. O índice de retenção encontrava-se em 80%, baixo para o setor. Desde então, apenas uma companhia (de R$ 70 milhões de faturamento) foi adquirida. A prioridade deslocou-se para o crescimento orgânico. Em 2007, 98% dos clientes permaneceram no portfólio da companhia. Houve outra forte motivação: de 2002 a novembro de 2007, a GRSA não repassou o aumento dos preços dos alimentos para os contratos. Só no final do ano passado, com a alta da inflação, a empresa reajustou os valores em 8%, contra uma inflação do item alimentação de 13,9%, segundo a Fipe.
A empresa conseguiu manter a base dos contratos sem sacrificar sua margem de lucro, algo em torno de 5%. Mas, para isso, passou a tesoura nos custos. As compras, antes realizadas em cada restaurante, foram assumidas pela matriz, com exceção de alguns artigos altamente perecíveis, como pães. A centralização trouxe à GRSA um poder de barganha até então inédito, além de permitir um controle mais próximo em relação à qualidade e ao desperdício. Os contratos de fornecimento passaram a ter validade de um ano. Isso possibilitou a redução do número de fornecedores de 5,6 mil para 3,8 mil. Resultado: entre 2003 e 2005, os custos caíram 12%. ?Uma pesquisa do Datafolha mostrou que ninguém no País, nem os supermercados ou atacadistas, compra melhor do que nossa empresa, seja no custo, seja no aproveitamento dos alimentos?, afirma Pires.
ou planejamento e tecnologia. Só em tecnologia da informação foram investidos R$ 22 milhões. ?É uma plataforma equivalente à de um banco médio?, diz Pires. Uma equipe de 60 profissionais planeja as necessidades de cada restaurante. Há gente especializada em vários tipos de matérias-primas, capaz de acompanhar as tendências de cada safra e avaliar preços e alternativas para itens muito caros. Em 2007, por exemplo, o feijão se tornou o grande vilão da inflação. ?Nossos especialistas perceberam que o feijão-preto subiu menos do que o carioquinha?, comenta Pires. ?Então fizemos a substituição.? A área administrativa também sofreu um enxugamento de custos. As 12 filiais, com faturamento médio de R$ 60 milhões, deram lugar a oito centrais, com vendas de R$ 100 milhões. A diretoria também passou por processo semelhante. Era formada por 12 ocupantes em 2002. Hoje são nove. ?Nenhum dos diretores daquela época permaneceu?, conta Pires.
A nova GRSA nasceu em março de 2002, quando Pires foi convidado para assumir o comando da companhia. Formado em economia, com pós-graduação em administração de empresas, Pires construiu uma carreira de mais de 20 anos na Nestlé. Depois, arriscou- se como empresário. Em 1990, fundou uma empresa de serviços de alimentação, vendida sete anos depois para o grupo Accor. Mergulhou num período sabático em sua fazenda no interior de São Paulo. Agüentou quatro anos. ?No final, eu e minha mulher viajávamos mais para São Paulo do que ficávamos lá?, conta. Por isso, o convite da GRSA veio em boa hora. Seu contrato previa um período de dois anos. Está lá até hoje. ?Mas, no fim de 2009, me aposento de vez?, garante. O executivo Gilberto Vasconcelos foi contratado no final do ano passado. ?Ele tem grandes chances de assumir a presidência?, afirma Pires, que voltará ao mundo rural. Desta vez, para se dedicar ao plantio de eucalipto e cana-de-açúcar e, assim, viver no campo. É pelo menos o que ele promete.