19/09/2007 - 7:00
“Os efeitos podem ser devastadores para o varejo. Muitos dependem de nós”
“Uma montadora fez recall anunciando risco de incêndio nos carros. Não houve retalização”
DINHEIRO ? Como a empresa classifica a suspensão da licença de importação dos produtos?
ALEJANDRO RIVAS – Achamos que é uma medida desproporcional, porque nós já apresentamos esclarecimentos sobre o recall, que é um procedimento normal. Cumprimos com toda a legislação. Não entendemos por que aconteceu isso.
DINHEIRO ? A reação em outros países se assemelha à brasileira?
RIVAS ? Não. Não se assemelha a nenhum caso.
DINHEIRO ? O Idec classificou a medida governamental como ?bastante positiva?…
RIVAS ? Quando as pessoas não têm a oportunidade de falar é muito injusto. Tentamos em muitas ocasiões falar com essa senhora (Marilene Lazzarini, presidente do Idec) e ela não quis nos atender.
DINHEIRO ? O que o governo alegou para suspender a licença?
RIVAS ? Posso dizer o que saiu na imprensa, porque o governo não nos enviou nenhuma notificação oficial. A imprensa fala que o objetivo é impedir que os brinquedos que estão na lista do recall ingressem no País. Acho que isso não tem muita justificativa, pois fomos os primeiros a retirar todos os produtos do recall das prateleiras e a informar às autoridades e ao consumidor. Imagine se a companhia continuaria tentando comercializar esses produtos. Claro que não.
DINHEIRO ? Como a matriz reagiu?
RIVAS ? Obviamente, a matriz está surpresa, porque nós distribuímos e vendemos produtos em mais de 100 países no mundo inteiro, e essa é uma medida sem precedentes. Uma companhia que faz um recall preventivo, sem ter registrado nenhum acidente no Brasil ou em qualquer lugar. Tomamos uma medida que está na legislação. Os governos pedem que as companhias façam recalls. Aqui, fomos castigados com a paralisação das nossas atividades. Isso equivale a fechar uma montadora líder porque um cinto de segurança de um modelo que tem poucas vendas tem um pequeno problema de qualidade.
DINHEIRO ? A imprensa noticia que a restrição está em vigor desde 17 de agosto, mas que a Mattel e o governo a mantiveram em segredo. Por quê? RIVAS ? Eu não diria ?segredo?. Nós falamos com o ministério (do Desenvolvimento) e imediatamente nos inteiramos e tentamos falar com eles. Finalmente, conseguimos uma reunião. Desafortunadamente, não foi com o ministro. Esclarecemos os pontos e eles pediram ainda mais informações, que lhes foram enviadas.
DINHEIRO ? Como têm sido as conversas com o Idec, o Inmetro e demais órgãos que têm jurisdição sobre o assunto?
RIVAS ? Novamente, insisto que em várias ocasiões tentamos falar com a senhora do Idec e ela, infelizmente para a Mattel, não está disponível.
DINHEIRO ? De quantos produtos estamos falando e de que forma a suspensão vai impactar o abastecimento e as vendas da empresa?
RIVAS ? Tenho fé que esta situação será rapidamente solucionada, porque realmente não achamos que existam motivos para uma resolução tão drástica. Mas caso isso não aconteça, os efeitos serão devastadores para a Mattel e para o varejo. Muitos varejistas dependem de nós. Distribuímos nossos produtos em 18 mil pontos de venda.
Muitos deles são varejistas de pequeno porte e empresas familiares que dependem muito da Mattel. O consumidor também será afetado, porque determinados produtos possivelmente vão aumentar de preço, em resposta à procura maior do que a oferta. Infelizmente, também é muito triste para o País, porque enquanto somos tratados com esse rigor, o Brasil abre a porta para o mercado informal e a pirataria. Metade do mercado já é informal e isso é muito prejudicial. Os piratas trabalham sem nenhum controle e com produtos que podem ser de alta periculosidade e toxicidade.
DINHEIRO ? Que medidas a empresa está tomando, para que as vendas do Dia das Crianças e Natal não sejam muito prejudicadas?
RIVAS ? Já faturamos boa parte das encomendas do Dia das Crianças. Mas ainda faltam muitos produtos que estão presos no porto. E novamente falo: esperamos que prevaleça o bom senso e que rapidamente a nossa licença seja autorizada de novo.
DINHEIRO ? O que o governo cobra da empresa para levantar a suspensão?
RIVAS ? Basicamente, esclarecimentos, que nós entregamos. Mas antes de qualquer coisa achamos que é uma medida desproporcional. Os produtos do recall são 0,7% do total dos produtos da Mattel. Isso é uma proporção muito pequena e nós cumprimos com todos os requerimentos para assegurar a segurança do consumidor.
DINHEIRO ? Vocês vêem nessa medida um ato político?
RIVAS ? Queremos acreditar que não e pensar que temos o mesmo tratamento dispensado às outras companhias.
DINHEIRO ? Ricardo Morishita, o presidente do Departamento de Defesa dos Direitos do Consumidor (DPDC), alega que depois do recolhimento de produtos no ano passado a Mattel dispensou a necessidade de novos recalls e os episódios recentes dariam base para uma ação judicial contra a empresa por má-fé. Como respondem a essa argüição?
RIVAS ? Com a informação que tínhamos naquele momento, achávamos que não precisaríamos de outro recall. Lembre que o escritório da Mattel no Brasil e em muitos países é só um escritório comercial. Dependemos das informações dos fornecedores. Naquele contexto, a resposta foi correta. Não houve nenhuma má-fé.
DINHEIRO ? O que a empresa está fazendo para superar essa crise e como ela pretende blindar sua imagem?
RIVAS ? No curto prazo, a imagem será trabalhada, principalmente porque muitas informações saíram de forma precipitada e geraram desinformação. Desde o princípio temos sido muito transparentes, muito honestos e claros com as autoridades, os agentes reguladores, a comunidade, a imprensa e o consumidor. Acho que no longo prazo isso vai ser reconhecido como ato de honestidade e respeito à sociedade e ao consumidor.
DINHEIRO ? No recall anterior, a empresa anunciou a adoção de um novo padrão de segurança…
RIVAS ? Aconteceram dois recalls. Um deles era referente a ímãs e não se tratava de erro de produção. Foi uma elevação de padrão de segurança, depois de pesquisas feitas entre várias companhias, inclusive a Mattel. Eles viram que existia o risco de uma criança engolir dois ou mais ímãs. Com base nisso, a Mattel, preventivamente, elevou seus padrões de segurança acima dos padrões existentes. E fez o primeiro recall, para eliminar qualquer possibilidade de risco para o consumidor.
DINHEIRO ? E o segundo recall?
RIVAS ? Foi feito depois que detectamos excesso de chumbo em alguns produtos fabricados por terceirizados que não cumpriram com os padrões de qualidade e com os procedimentos definidos pela Mattel. No Brasil, os produtos com excesso de chumbo são 7.056 unidades, que equivalem a 0,01% das vendas. Imagine fechar uma companhia totalmente porque 0,01% tem risco muito baixo de gerar algum perigo para o consumidor. Esta semana, uma montadora muito prestigiosa (a alemã Mercedes-Benz) fez um recall, anunciando a possibilidade de incêndio em algumas partes do veículo. O recall não repercutiu com relevância na imprensa nem houve alguma retaliação por parte do governo. E o risco pode ser muito maior do que o dos produtos com um pequeno excesso de chumbo.
DINHEIRO ? A empresa pensa em sair do Brasil por conta dessas dificuldades que tem enfrentado?
RIVAS ? Estamos totalmente comprometidos com o Brasil, com nossos empregados e nossos parceiros, que são os fornecedores e clientes. Há outra coisa importante: o consumidor adora nossas marcas e continua nos procurando. De forma alguma sairemos do Brasil.
DINHEIRO ? Há a alternativa de passar a produzir aqui?
RIVAS ? Avaliamos muito isso, mas, infelizmente, as condições do País e os requerimentos que precisamos atender para fornecer ao mundo inteiro não tornam o Brasil o melhor lugar para produzir de uma forma eficiente e com os melhores custos.
DINHEIRO ? A imagem dos fornecedores chineses ficou muito maculada, não só por causa desses episódios da Mattel, mas de produtos de outros setores. A empresa está revendo os parâmetros nos contratos com esses fornecedores?
RIVAS ? Tomamos algumas decisões muito drásticas. Por exemplo, rescindimos todos os contratos daqueles terceirizados que não cumpriram com as especificações técnicas da Mattel e utilizaram tintas não-autorizadas.
Adotamos procedimentos muito rigorosos na compra, homologação e provas das tintas. O processo de produção também está sendo auditado com freqüência muito maior e todos os lotes de produção estão sendo testados antes de embarcar para os diferentes países. São as normas mais rigorosas do mercado de brinquedos.
DINHEIRO ? As autoridades brasileiras passarão a vistoriar cada lote que chega, uma vistoria que era realizada uma vez ao ano. O tempo que esses produtos ficarão presos nos portos vão atrapalhar os negócios da Mattel? RIVAS ? Estamos trabalhando com o Inmetro para viabilizar aqueles procedimentos que asseguram a segurança dos consumidores e o que pedimos a eles é que sejam procedimentos que permitam um tempo razoável para viabilizar os negócios.
DINHEIRO ? Qual o saldo desse episódio para a empresa?
RIVAS ? É uma mistura de sentimentos. Temos uma frustração, porque fizemos a coisa certa. Priorizamos o consumidor, a sua segurança. Seguimos à risca a legislação. Informamos e trabalhamos com os órgãos reguladores. Estamos ressarcindo o consumidor, informando. Infelizmente, isso foi mal entendido e as medidas estão sendo muito exageradas. A mensagem muito triste para a comunidade internacional, para as empresas estrangeiras, é que se elas fazem uma coisa certa são castigadas. Como pessoa, fico triste.