14/05/2003 - 7:00
Todos os dias, dona Maria Tozzi Di Genio, 88 anos, entrega ao filho algum dinheiro trocado. Nada de mais, se o filho em questão não fosse um dos empresários mais bem-sucedidos do Brasil, João Carlos Di Genio, dono da rede de colégios Objetivo, da Universidade Paulista (Unip), de fazendas, redes de rádios e televisão. Um homem que vai investir pelo menos R$ 1 bilhão nos próximos cinco anos para que todos os seus negócios se transformem em um só. “Minha mãe é uma pessoa simples. Jamais poderia imaginar que eu construiria tudo isso”, explica o empresário em entrevista exclusiva à DINHEIRO. Dona Maria mora com ele e, apesar do apego à família, Di Genio nunca deixa de trabalhar até tarde. “Fico pelo menos até às 22 horas na escola. O azar dos concorrentes é que eu realmente gosto do negócio”, diz o empresário. Na verdade, azar mesmo foi ele ter desistido da medicina para se dedicar à educação.
Pesquisa na Amazônia. O Objetivo começou em 1965, na rua da Glória, no centro de São Paulo. Foi ali que Di Genio e seus três sócios, os médicos Drauzio Varella, Roger Patti e Tadasi Ito, improvisaram um curso de pré-vestibular de medicina para cerca de mil alunos. Dois anos depois, tinham cinco mil alunos. Varella então resolveu sair da sociedade. “Sei que foi a decisão mais acertada de minha vida. Eu sempre quis ser médico. O Di Genio realmente levava jeito para o negócio”, diz Varella, hoje um dos médicos mais famosos do País, autor do livro Carandiru e figura carimbada na televisão. Assim, a sociedade foi desfeita. “Eu pensava em ser endocrinologista, estava no último ano de faculdade. Quando desisti da carreira, sabia que não ia me contentar com um cursinho”, lembra Di Genio. Em 1970, ele abriu os primeiros colégios. Em 1972, foram as primeiras universidades. Trinta anos depois, são mais de 90 mil alunos em 28 campi da Unip ? a previsão inicial era ter 70 mil ? e mais 395 mil alunos na rede de colégios Objetivo, número que deve aumentar 8% este ano. O faturamento do grupo chega a R$ 2 bilhões. “Já ganhei mais dinheiro do que poderia gastar”, afirma Di Genio.
Nem por isso deixa um bom negócio escapar. Com um olho nas pesquisas e outro nas receitas, ele procura sempre aumentar seu império. Tudo gira em torno da principal mina de ouro, os colégios Objetivo. A Escola da Natureza é um bom exemplo. Trata-se de um barco-escola que percorre o Rio Negro e onde os alunos podem ter aulas de biologia diretamente na Amazônia. Além disso, funciona como um laboratório itinerante para estudos sobre plantas medicinais, feitas por pesquisadores da Unip e coordenadas pelo médico Drauzio Varella, diretor científico da universidade. Apesar de a Unip ser uma entidade sem fins lucrativos ? o que lhe dá a possibilidade de fazer acordos com entidades internacionais, como o Jardim Botânico de Nova York e o Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos ?, Di Genio não descarta a idéia de ter patentes de substâncias descobertas na Amazônia. É o professor dando lugar ao atento empreendedor.
Nos laboratórios tradicionais da Unip, a missão dos pesquisadores é outra. Eles colaboram com o próximo empreendimento de Di Genio: levar o Objetivo para a tevê digital. Dono de cinco geradoras de televisão e com 100 retransmissoras, o empresário espera transferir todo o conteúdo didático para a telinha. Em média 8% das receitas anuais do grupo vão para a pesquisa de novos materiais didáticos, como lousas digitais e equipamentos de realidade virtual. “Investir em tecnologia é a única forma de se manter na liderança. Fui o primeiro a usar apostilas, o pioneiro no uso de tevê e computador em sala de aula. Agora, tenho certeza que a tevê digital vai revolucionar o setor”, diz o empresário. Em quatro anos, ele espera que os alunos acessem todo o banco de dados do Objetivo pelo controle remoto da televisão, inclusive aulas. “Mas isso não os dispensa de ir à escola. Será um esquema misto, com aulas convencionais e à distância”, explica. Isso tudo também poderá ser acessado do exterior, onde ele espera ter novas unidades em breve, especialmente em países com grande número de imigrantes brasileiros. Hoje, já existe uma filial no Japão.
Agropecuária. Até as fazendas do empresário deverão se integrar aos negócios da educação. Uma delas, situada em Uberaba, poderá ser o próximo pólo de pesquisa da Unip. Nessa propriedade encontra-se a vaca mais cara do mundo, Olímpica da Mata Velha, da raça nelore, avaliada em R$ 1,6 milhão. Di Genio tem direto a 50% dos lucros obtidos com os cerca de trinta embriões produzidos pelo animal anualmente. “As fazendas são herança do meu pai. Com o desenvolvimento da biotecnologia, elas passam a ser úteis à universidade. Ao mesmo tempo, as pesquisas ajudam a melhorar a produção”, afirma. Se alguém ainda duvida que ele conseguirá fazer tudo isso, os amigos avisam: “Di Genio é o homem mais obstinado que eu conheço. Ele tem paciência e persistência suficientes para conseguir tudo o que quer”, diz Varella.
Império em expansão Os negócios de Di Genio e o mercado da educação | ||
R$ 1 bilhão é o faturamento estimado do Colégio Objetivo | 487 mil alunos espalhados por Colégios Objetivo em todo o País e por 28 campi, da Universidade Paulista, no Estado de São Paulo, em Manaus, Brasília e Goiânia. | |
R$ 675 milhões de receita bruta com a Unip | Mídia São 5 geradoras de televisão e 100 estações retransmissoras, além de duas rádios em São Paulo | |
81 mil empregos diretos ? 34 mil professores e 47 mil funcionários trabalham no Grupo Objetivo |
R$ 90 bilhões é quanto a educação movimenta no Brasil, de acordo com a consultoria Ideal Invest | ||
Agropecuária 6 fazendas de criação de gado nelore. A vaca mais cara do mundo faz parte do plantel. Olímpica da Mata Velha (acima) está avaliada em R$ 1,6 milhão | Ensino básico: São 43,9 milhões de estudantes. Na rede privada estão 10% | Faculdades: |
66% 2 em cada 3 universitários estudam em escolas privadas |
“A CONCORRÊNCIA É DESLEAL” |
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Pelo menos dois terços dos alunos pagam por seus estudos. O problema: esse mercado se divide entre duas facções. De um lado, as universidades. De outro, centros universitários e instituições filantrópicas de ensino superior. As primeiras são obrigadas a fazer pesquisa, oferecer pós-graduação e têm maior número de professores em tempo integral. Seus concorrentes estão dispensados dessas obrigações e, por isso, oferecem mensalidades mais baratas. Para o empresário João Carlos Di Genio, trata-se de concorrência desleal. A briga deverá ser resolvida pelo Ministério da Educação.
DINHEIRO ? Como os centros universitários atrapalham os negócios das universidades?
Di Genio ? Os custos dessas instituições são, no mínimo, 40% menores do que os de uma universidade. Desde 1997, há um crescimento descontrolado desse tipo de entidade. Além de não fazerem pesquisas, item fundamental para o desenvolvimento do País, muitas nem oferecem um ensino de qualidade. Isso cria um ciclo nocivo para a educação brasileira.
DINHEIRO ? O empresário Ronald Levinson, dono do centro universitário UniverCidade, ataca a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Qual a sua opinião?
Di Genio ? O senhor Levinson, embora tenha falido a poupança Delfin, continua entendendo muito de finanças. Ele tem a vantagem de abrir cursos como bem entende e não tem ônus por isso. Ainda assim desprestigia os cientistas brasileiros, afronta o Ministério da Ciência e Tecnologia e as agências de fomento, como a Fapesp e a Capes.
DINHEIRO ? Como fazer para concorrer com ele?
Di Genio ? Se for para concorrer com gente assim, daqui a pouco a Unip terá de virar centro universitário, entidade filantrópica e ainda pedir dinheiro ao BNDES, como fez a São Paulo Apóstolo, mantenedora da UniverCidade, em 2000.
DINHEIRO ? O que o senhor propõe?
Di Genio ? O primeiro ponto é regulamentar o setor. Todos os centros com excelência de ensino devem ficar. A autonomia de criar cursos e aumentar vagas só deve ser dada a quem dá retorno ao País. Esse retorno é pesquisa. Segundo, os privilégios têm de acabar.
DINHEIRO ? Que privilégios?
Di Genio ? Empréstimos do BNDES, por exemplo, que deveriam ajudar a criar empregos e incentivar as pequenas empresas. Diante dos problemas da Previdência, também não há por quê ter faculdades filantrópicas. Se elas pagassem a cota patronal, essa verba poderia ser revertida em créditos educativos. Até 2010, teremos 8 milhões de universitários. Pelo menos, 60% deles estarão na rede privada e precisando de financiamento para estudar.
DINHEIRO ? O governo Lula já apresentou propostas para o setor?
Di Genio ? O Plano de Governo, apresentado durante as eleições, já mostrava a preocupação com o crescimento descontrolado do ensino superior. É um ótimo começo.