Ele não chegou pilotando sua Ferrari azul, como era esperado. Foi de Lancia Thesys, que o chofer estacionou na Via Nizza 250, sede da Fiat em Turim, às 15h45 da última terça-feira, 1º. O motorista abriu a porta e o novo comandante da maior corporação da Itália, vestindo terno cinza escuro, gravata azul marinho e lenço branco de seda na lapela, desceu do carro para enfrentar seu primeiro dia de trabalho. Naquele momento, Luca Cordero di Montezemolo, 57 anos, um bolonhês de cabelos grisalhos e olhos azuis, deixava de ser ?apenas? o CEO da Ferrari para assumir o lugar de Umberto Agnelli, capo da Fiat Spa, que morreu uma semana antes vitimado por um câncer. Montezemolo não parecia tenso. Ao contrário. Homem de confiança dos Agnelli, havia tempos ele freqüentava a sede da Fiat para falar sobre a performance da Ferrari. Sob seu comando, a marca quintuplicou o faturamento (em 12 anos) e ganhou cinco títulos mundiais na F-1. A família Agnelli logo concluiu que não havia melhor nome para substituir Umberto. Montezemolo é uma espécie de deus na Itália. Foi aprovado por 98% dos conselheiros. Um marketing perfeito. ?A escolha tem impacto positivo em todas as marcas do grupo?, disse à DINHEIRO Gian Primo Quagliano, presidente do Centro Studi Promotor, consultoria que analisa a indústria automobilística na Europa. Resta saber se o vitorioso piloto da marca mais cobiçada do mundo será capaz agora de colocar a problemática Fiat nos trilhos.

 

?Não podia recusar um pedido vindo dessa família?, disse Montezemolo pouco depois de chegar a Via Nizza. De trajetória brilhante no grupo ? começou ao lado do Comendador Enzo, em 1973 ?, esse advogado formado em Roma e com mestrado em Direito Internacional em Nova York, tem passagens bem-sucedidas por diversas empresas do conglomerado dos Agnelli, como a presidência da Itedi, que é dona do jornal La Stampa,
e a vice-presidência da Juventus, time de futebol de Turim. Ou mesmo trabalhos brilhantes fora do grupo, caso da Cinzano e da organização da Copa do Mundo
da Itália, em 1990. ?Um homem afortunado?, definiu
Maria Sole Agnelli, irmã de Gianni e Umberto. ?Minha
vida está entrelaçada com os Agnelli?, admitiu Luca. Talvez até mais do que pareça, segundo maldizem
alguns italianos. Seu segundo nome, Cordero, em espanhol, quer dizer ?cordeiro?. Ou ?agnello?, em
italiano. Coincidência que rende comentários sobre
a suposta paternidade de Gianni Agnelli.

Já no primeiro dia, o capo mostrou que é craque, apagando um incêndio da véspera. Giuseppe Morchio, número dois da companhia, havia pedido demissão por ter sido preterido na sucessão. Era uma baixa e tanto. Morchio foi o arquiteto do plano de revitalização que vinha tirando a Fiat do lodo: enorme redução de custos, venda de ativos, dispensa de 12 mil empregados e fechamento de doze fábricas. Morchio cortou pela metade o prejuízo em 2003 (US$ 2,4 bilhões) ante 2002. Prometia equilíbrio para este ano e lucro em 2006.

 

Seu desligamento foi suficiente para os credores se desesperarem. No auge da crise, em 2002, a família tomou emprestado US$ 3,6 bilhões de seis bancos italianos, além de efetuar um aporte adicional de próprio bolso de US$ 300 milhões. E Morchio era o homem que melhor se relacionava com os banqueiros. Resultado: as ações da Fiat, já na segunda 31, caíram 0,76%. Rápido, Montezemolo apressou-se em garantir aos credores que o plano não seria alterado: ?Levaremos adiante a reestruturação. E o novo superintendente será nomeado amanhã?. De fato. Na terça, presidindo pela primeira vez o Conselho de Administração, o executivo, após pedir
um minuto de silêncio em respeito à morte de Umberto, abriu a reunião anunciando o advogado Sergio Marchionne, que atuava na empresa de certificações suíça SGS, como novo administrador da Fiat SpA. Esse ítalo-canadense, de 52 anos, traz a reputação de salvar empresas, embora jamais tenha atuado na área automotiva. Já John Elkann, sobrinho-neto de Umberto e herdeiro da família, de 28 anos, foi nomeado vice-presidente, uma prova que a família Agnelli continua ativa. A recompensa veio de pronto na Bolsa de Milão: 4% de valorização das ações ainda no pregão de terça.

Ao acalmar os ânimos do mercado, Luca já mostrou a que veio. Fez a primeira pole-position. A corrida, no entanto, não será fácil. Caso a dívida não seja saldada até 2005, o montante será revertido em ações. No momento em que o mercado de automóveis está estagnado, o pagamento do empréstimo, sem que se afete o balanço patrimonial, parece uma tarefa díficil. Caso não tenha êxito, a transferência das ações retiraria dos Agnelli o controle da companhia. E o temor nem é só esse: os bancos abrirão caminho para que a GM, dona de 20% das ações da Fiat Auto (marcas Fiat, Lancia e Alfa Romeo), adquira os outros 80%. ?Não estou nada preocupado?, garantiu Enrico Salza, presidente do Banco Sanpaolo, um dos credores. De acordo com analistas, a Fiat, nas mãos de Montezemolo, tem tudo para sair do atoleiro. A parte financeira parece controlada. ?A discussão, há dois anos, era se a Fiat sobreviveria. Hoje, se discute sobre quando ela vai ter equilíbrio operacional. Estima-se que isso aconteça já em 2005?, afirma o consultor Gian Primo Quagliano. ?O problema é a falta de carros para a classe alta. É nesse segmento que estão as maiores margens de lucro.? De classe alta, Luca di Montezemolo entende.

O GRUPO QUE MONTEZEMOLO VAI PILOTAR
O PIOR JÁ PASSOU:
Luca Di Montezemolo vai encontrar uma empresa
que deve US$ 3,58 bilhões, contra US$ 4,46 bilhões em 2002

FIAT
Área de atuação Automóveis
Faturamento US$ 23 bilhões
Fábricas 27

CASE
Área de atuação Máquinas
Faturamento US$ 11 bilhões
Fábricas 39

 

IVECO
Área de atuação Caminhões
Faturamento US$ 9,9 bilhões
Fábricas 4

MAGNETI MARELLI
Área de atuação Autopeças
Faturamento US$ 3,8 bilhões
Fábricas 16

TEKSID
Área de atuação Fundição
Faturamento US$ 1,1 bilhão
Fábricas 12

FERRARI
Área de atuação Automóveis
Faturamento US$ 1,5 bilhão
Fábricas 2

COMAU
Área de atuação Máquinas
Faturamento US$ 2,7 bilhões
Fábricas 43