06/05/2011 - 6:00
DINHEIRO ? No lançamento do Pronatec, a presidente Dilma admitiu a dificuldade enfrentada pelas empresas para encontrar mão de obra qualificada. O programa acabará com isso? Em quanto tempo?
FERNANDO HADDAD ? Ao longo da última década, nós mais que dobramos o número de técnicos formados no Brasil e triplicamos o número de graduados. Tenho dito que esse esforço vai produzir efeitos de curto prazo e as empresas vão sentir a diferença. Significa dizer que essa sensação de escassez de mão de obra seria muito pior se o esforço de expansão não tivesse sido feito. Se nos lembrarmos que, há 30 anos, os engenheiros formados não tinham mercado para trabalhar, o cenário hoje é muito melhor. Estamos num ponto em que as empresas ainda se ressentem da falta dessa mão de obra especializada, mas essa sensação vai melhorar.
DINHEIRO ? Mas a sensação entre muitos empresários é a oposta, de que haverá um déficit ainda maior.
HADDAD ? As nossas projeções indicam o contrário. A decisão de expandir as universidades federais foi tomada em 2005. De lá para cá, dobramos as vagas de ingresso, que eram em torno de 110 mil e são agora 220 mil. Pode-se dizer que esse número já deveria ter atenuado a sensação de déficit, mas é preciso cinco anos para formar um engenheiro. Por isso, digo que a sensação vai diminuir. Hoje muitos investimentos em educação estão maturando.
“Queremos condicionar o seguro-desemprego à frequência em cursos”
Fila de trabalhadores requerendo o seguro-desemprego em São Paulo
DINHEIRO ? De que modo essa deficiência na qualificação atrapalha o desenvolvimento do País?
HADDAD ? Em todos os sentidos, sobretudo quando se está num ciclo de crescimento. Quando a economia não cresce, como ocorreu nas décadas de 1980 e 1990, não se nota isso porque se está ?subcontratando?. É o caso do engenheiro que abre uma loja de sucos porque não tem mercado. Quando a economia passa a crescer, há um custo associado ao déficit de qualificação. Mas, a sensação de es-cassez de mão de obra qualificada vai diminuir porque hoje estamos formando muito mais do que no passado recente.
DINHEIRO ? Mas o quadro já pode ser considerado bom?
HADDAD ? Diria que há setores que ainda se ressentem muito da falta de qualificação. Mas, no curto prazo, vai melhorar. Sobretudo, porque o Pronatec foi lançado para uma área onde ainda não tínhamos um programa de grande porte, ou seja, em qualificação. Muitas vezes, o que falta é o profissional de nível médio com um preparo mais específico. Os números mostram. Desde 2005, tivemos seis milhões de matrículas no ensino superior e um milhão de matrículas no ensino técnico.
“Houve uma ampliação de 23% nas vagas gratuitas do Sistema S, pelo Senai e pelo Senac”
Aluna durante aula em escola do Senai
DINHEIRO ? Por que essa diferença tão grande entre os números de matrículas?
HADDAD ? Porque começamos a expandir a rede técnica apenas muito recentemente, começando pelo acordo com o Sistema S ( formado por entidades como o Sesc, Senac, Senai e Sesi, entre outras, com recursos extraídos do faturamento das empresas, com a finalidade de qualificar e promover o bem-estar social de seus funcionários), que já teve um impacto formidável na qualificação. Em 2010, tivemos uma ampliação de 23% das vagas gratuitas oferecidas no Sistema S, pelo Senai e pelo Senac. Pelo programa Brasil Profissionalizado, foi feita a reestruturação do ensino médio técnico estadual. De técnicos, já estamos formando mais de um milhão por ano, sem contar quem sai de cursos de qualificação.
DINHEIRO ? O governo espera elevar o atual um milhão de alunos no ensino técnico para quanto?
HADDAD ? Temos a meta de dobrar, que está no Plano de Desenvolvimento da Educação (PNE), até 2020. Mas eu imagino que possamos triplicar o número de matrículas, superando três milhões no fim da década.
DINHEIRO ? Como vai ser a participação do Sistema S e do setor privado, de um modo geral no Pronatec?
HADDAD ? O setor privado vai poder utilizar o financiamento estudantil para empresas que queiram qualificar seus funcionários nas escolas credenciadas pelo MEC. Neste ano, já teremos de cara R$ 300 milhões, mas o ministro Guido Mantega (Fazenda) já sinalizou que, como se trata de um financiamento, esses recursos podem subir. E os juros são muito vantajosos, de 3,4% ao ano, negativos em termos reais. Temos um acordo, ainda, com o Sistema S, que manda destinar, até 2014, dois terços da contribuição compulsória, que incide sobre a folha, para cursos gratuitos. Temos também a expansão da rede federal, que hoje conta com 354 unidades, sendo que 214 foram construídas no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente Dilma autorizou mais 200 até 2014. Isso porque o programa de Financiamento Estudantil (Fies) para ensino superior tem mais demanda do que oferta. Temos um orçamento de mais de R$ 2 bilhões em convênios firmados, desde 2009.
DINHEIRO ? Qual é o orçamento desses projetos?
HADDAD ? Se considerarmos todos os programas ligados ao Pronatec, incluindo o que a União vai investir, o Sistema S e os recursos do Fies, dá mais de R$ 10 bilhões. São recursos novos, além dos R$ 60 bilhões de orçamento do Ministério da Educação.
DINHEIRO ? Como se definem os cursos que serão criados e onde?
HADDAD ? Infelizmente, teremos de começar onde houver capacidade de oferta. Temos poucas escolas técnicas no Brasil e, à luz das necessidades, deveríamos ter o dobro ou o triplo do atual. Mas o Pronatec vai favorecer a expansão da oferta porque o BNDES terá uma linha de financiamento para ampliação da rede física. Do lado da demanda, haverá as bolsas e o financiamento estudantil para as empresas. Então, temos uma combinação virtuosa de oferta e demanda. Nos próximos anos, teremos mais pessoal capacitado, tanto para a construção civil, que está com um gargalo enorme, quanto para outras áreas técnicas.
DINHEIRO ? Mesmo perto do pleno emprego, não houve queda nos gastos com seguro-desemprego. A qualificação melhora isso?
HADDAD ? Algo que estamos pensando é condicionar a concessão do seguro-desemprego à frequência em cursos profissionalizantes, sobretudo para os reincidentes. A lei autoriza a União a condicionar o pagamento do benefício ao comparecimento a um curso. Não vamos negar o benefício ao desempregado, mas ao fazer o curso de qualificação o trabalhador reduz a chance de voltar a depender desse dinheiro. Hoje o seguro-desemprego consome R$ 24 bilhões.
DINHEIRO ? Como o Brasil se compara com outros países na formação de
mão de obra?
HADDAD ? Isso depende para onde olhamos. Tanto do ponto de vista qualitativo como do quantitativo, a educação brasileira está sendo notada pelos organismos internacionais, como os da OCDE, do Banco Mundial, da Unesco. Por exemplo, o Banco Mundial destacou o aumento da escolaridade brasileira, que superou em proporção ao da China. O da OCDE coloca o Brasil entre os países que mais evoluíram em qualidade na década, embora partindo de um patamar ainda baixo. Há um certo consenso de que nós tiramos a educação brasileira da inércia. Nos últimos cinco anos, nós elevamos em um ponto porcentual o investimento em educação em relação ao PIB, de 4% para 5% do PIB.
DINHEIRO ? A meta é chegar a quanto?
HADDAD ? A ideia é chegar em 7% até o fim da década. O PNE está agora no Congresso Nacional, onde vamos discutir quando vamos chegar a 7%.
DINHEIRO ? O relatório do Banco Mundial diz que o Brasil investe tanto quanto outros países, só que com maus resultados…
HADDAD ? Vamos ponderar. Educação não se compra à vista nem em suaves prestações. Não adianta chegar a 5% do PIB. A questão é durante quanto tempo se investiu 5% do PIB e essa é a pergunta que o relatório não faz. É um fruto que se colhe numa geração. Só agora começamos a investir isso. Os outros países já investem esse percentual há décadas. E, no século passado, o Brasil investiu cerca de 2% do PIB. Não é em um ano que vamos pagar uma dívida de 100 anos.
DINHEIRO ? Os empresários se queixam muito da distância entre o currículo das universidades e a realidade da indústria.
O sr. concorda?
HADDAD ? O plano de expansão previa também a reestruturação curricular. Essa dimensão não foi tão valorizada pelas universidades quanto a expansão. Isso é correto afirmar. Mas há universidades que têm projetos pedagógicos diferenciados.
DINHEIRO ? A presidente Dilma anunciou 75 mil bolsas para formação no Exterior na área de exatas até 2014 e pediu que o setor privado financie mais 25 mil. Já tem empresas interessadas nesta parceria?
HADDAD ? Ainda não deu tempo, vamos começar a conversar com as empresas agora. Vamos dividir essas bolsas principalmente em duas categorias: bolsas de doutorado e uma graduação sanduíche, na qual o aluno faz um ano da graduação numa instituição parceira no exterior. Isso tem um impacto muito grande na volta, pela experiência que ele viveu, e os custos são relativamente baixos. Hoje temos cerca de 5,5 mil estudantes em intercâmbio no Exterior e queremos aumentar para 100 mil até 2014.