Toda segunda-feira, às 8h45, uma dúzia de altos executivos da Lehman Brothers se reúne no 31º andar da sede da empresa em Manhattan e consulta um oráculo. Trata-se da reunião semanal sobre os mercados de capital, na qual investidores conversam sobre a situação do mundo onde eles aplicam bilhões. O CEO Dick Fuld preside a reunião, mas normalmente não é ele quem dá o pontapé inicial nas conversas. Essa função cabe a uma novata em Wall Street, de quem poucas pessoas no mundo dos negócios já ouviram falar. O nome dela é Jami Miscik. Seu cargo – diretora global de risco de soberania – pode parecer misterioso, mas a função dela é muito clara. Ela é uma superanalista que faz previsões a partir de dados obscuros sobre a crise de ontem no Oriente Médio ou os problemas de hoje na Tailândia ou a eleição do ano que vem na Rússia. No último outono, quando os testes nucleares da Coréia do Norte abalaram os mercados globais, o pessoal da Lehman estava mais calmo do que a maioria dos investidores. Miscik já havia antecipado a situação e explicado como tudo se resolveria de forma pacífica. Em dezembro último, quando a retórica ameaçadora do presidente reeleito Hugo Chávez, da Venezuela, foi publicamente descartada como bravata, Miscik avisou numa reunião de segunda-feira: “Ele fala sério.” Ela também previu a escalada de seu programa de nacionalização das indústrias. “Ele fará coisas maiores, mais ousadas e mais rapidamente do que podem suspeitar até mesmo seus aliados mais próximos”, disse. Ela estava certa. Ultimamente, Miscik tem falado sobre a possível queda do presidente Pervez Musharraf, do Paquistão, e sobre uma confluência de problemas no Oriente Médio. “Vejo elevados níveis de preocupação neste outono”, afirma.

Isto foi dito com a confiança de um guru. Mas esperem um pouco. A seriedade dada pelo pessoal de Wall Street às suas previsões precisa levar em consideração o que aconteceu em seu emprego anterior, envolvendo fiascos colossais que afetaram o curso da história. Pouco antes de juntar-se à Lehman, em 2005, Miscik administrava a diretoria de inteligência da Agência Central de Inteligência, respondendo diretamente ao diretor da CIA, George Tenet. Os analistas que trabalhavam com ela foram fundamentais em 2002 no erro de julgamento sobre Saddam Hussein possuir armas de destruição em massa – uma conclusão que levou o Congresso a autorizar a guerra contra o Iraque. Um ano antes, a agência de Miscik já havia deixado a América na mão, captando sinais que indicavam o atentado de 11 de setembro, mas falhando em fornecer informações suficientes para motivar as autoridades a tomar providências. A história sobre como Miscik sobreviveu aos fiascos da agência, enfrentou a administração políticamente agressiva de Bush (no bestseller The one percent doctrine, de Ron Suskind, ela é descrita em uma das cenas como “tremendo de raiva” com a interferência da Casa Branca) e conseguiu alcançar um nível platina de credibilidade em Wall Street é uma história de intriga e redenção. Até hoje ela permanece como uma mulher misteriosa para seus colegas. O presidente da Lehman, Joe Gregory, afirma ter resistido à tentação de questioná-la sobre seu passado na CIA. “Sei que não é adequado perguntar: ‘Como eram as coisas por lá?’ Essa é uma pergunta idiota, embora eu tenha muita curiosidade em saber.”

IRAQUE “Nós fizemos a leitura errada”, diz Jami, sobre o levantamento do potencial bélico de Saddam Hussein que justificou a invasão do país

Ao longo de algumas entrevistas com a FORTUNE, Miscik (pronuncia-se MISS-ik) e alguns colegas descreveram como foi sua improvável jornada de Washington até Wall Street, onde a Lehman a emprega no mundo financeiro, não apenas por seu intelecto, mas também por sua patente como ex-espiã. Na Black Diamond Executive Conference deste ano, em Beaver Creek, no Colorado, a reunião anual da empresa para cerca de 100 clientes importantes, ela foi apresentada como principal conferencista, junto com Alan Greenspan e Colin Powell. A Lehman também envia Miscik para reuniões com clientes que ficam maravilhados com seus conhecimentos geopolíticos. “Se algo acontece no mundo, é para ela que ligamos primeiro”, garante Stuart Spodek, que dirige a área de operações com juros na empresa de administração de ativos BlackRock. Kathy Cassidy, tesoureira da General Electric, afirma que, quando Miscik visita a GE, “ela nem sequer traz anotações ou consulta tabelas! Todos que nos visitam trazem tabelas. Aparentemente, ela parece não precisar delas.”

Miscik, 49 anos, não é apenas um fenômeno cerebral. O tipo de análise de risco que ela faz tornou-se crítica no processo decisório em Wall Street à medida que a concorrência se torna mais complexa, os mercados em desenvolvimento tornam-se mais atraentes e as ameaças (do terrorismo à gripe aviária) ficam mais globalizadas. Na Lehman, seus relatórios sobre 34 países são considerados a última palavra em antecipação de problemas. “Suas informações, a meu ver, são infinitamente melhores do que aquelas disponíveis em qualquer outro lugar que eu conheça”, diz Gregory. O CEO Fuld credita às análises de Miscik a confiança que a Lehman precisava para recomeçar seus negócios na Rússia, de onde a empresa saiu depois da crise em 1998 no país. “Não há dúvidas. Ela tem sido um valioso recurso para nos levar ao local certo naquela região”, afirma Fuld. “Desde o momento em que a conheci, eu soube que precisávamos dela como integrante de nossa equipe.”

VENEZUELA Quando o mercado analisou como bravata a retórica estatizante de Hugo Chávez, Jami avisou à Lehman: “Ele fala sério.”

Em seu modesto escritório na sede da Lehman, a mulher que outrora comandou mais de mil analistas da CIA tem alguns objetos à mostra, porém um deles se destaca pela mensagem do tipo “vai encarar?”: uma xícara ilustrada com uma foto dela empunhando uma enorme arma. Essa arma é automática? “Não sei dizer”, responde Miscik. Quando perguntamos se deveríamos acreditar que uma ex-espiã não teria essa curiosidade, ela solta uma risada. Como característica de seus 22 anos como a mulher de mais rápida ascensão na história da CIA, Miscik demonstra evidente discrição. Seu escritório não apresenta qualquer sinal de sua vida pessoal, exceto pela foto, num porta-retratos, de uma menina de sete anos. “Minha afilhada”, explica ela. Miscik passa a imagem de uma sentinela dedicada, livre de distrações e totalmente responsável, alguém a quem pode ser dada uma segunda chance. Poderia ela ser responsabilizada pela conclusão do relatório sobre armas de destruição em massa no Iraque? “Certamente. Nós fizemos a leitura errada”, declara Miscik, acrescentando que ela não teve tempo de se martirizar em seguida ao atentado. “Estávamos tão ocupados, sentíamos a pressão enorme para estar a par de tudo. O clima era de ‘faça-o!’.” A CIA falhou em relação ao atentado de 11 de setembro? “Sim, porque o fato aconteceu”, reconhece Miscik. Ela se recorda de no verão de 2001 ter se sentido impotente para evitar o inevitável. “Nossas fontes silenciaram. Isso nos assustou”, afirma. “Você vê a coisa chegando. Você está trabalhando nela. Você tem as peças do quebra-cabeça. Então, onde estão as outras peças? Não sabíamos a data nem o lugar. Nós poderíamos ter fornecido mais avisos? Talvez.”

Em sua atual função, Miscik está de olho em tudo, de golpes de Estado, crises cambiais, a desastres como o 11 de Setembro. Contudo, além de ficar atenta às ameaças, ela também busca oportunidades. “No governo, riscos geopolíticos são ruins”, explica. “Na Lehman, as pessoas assumem riscos. Elas querem entender a situação e assumir o risco inteligente, pois esse tipo de risco é oportunidade.” Ela vai além. “Sabe de que eu gosto a respeito disso? Gosto de arregaçar as mangas e fazer eu mesma as análises.” Sugeri que muitos na Lehman a vêem como uma espécie de Nancy Drew, a personagem de livro de histórias. “Isso é ótimo. Quando era pequena, eu lia as histórias sobre ela”, responde Miscik, na versão executiva da imperturbável menina detetive.

Um tiroteio ocorrido no porto de Calumet pode ter desenvolvido nela a frieza sob fogo cruzado. O pai de Miscik, filho de imigrantes lituanos, era inspetor de alfândega dos EUA e adorava levar Jami, sua filha única, para o trabalho dele, no cais ao sul de Chicago. “Ele me deixava brincar em meio a grandes navios”, relembra. “Certa vez aconteceu um tiroteio. Tinha algo a ver com contrabando, creio. Eu tinha oito anos. Ele me levou até o escritório e disse: ‘Ligue para sua mãe. Peça a ela que venha lhe buscar’.” Jami fez o que ele pediu, e seu pai voltou ao cais para apanhar os criminosos.

Seu pai, um ávido velejador, mudouse para Redondo Beach, na Califórnia, para ficar próximo ao mar, mas morreu do coração dois anos depois, quando Jami tinha 12 anos. Sua mãe estava determinada a dar à filha a confiança necessária para se virar sozinha no mundo. “Ela decidiu que eu deveria realizar 1.200 atividades”, conta. “Fiz curso de etiqueta. Fiz curso de canto. Ajudei idosos em casas de repouso. Na escola, fui vice-presidente do corpo estudantil, participei da fanfarra, do anuário e do jornal da escola. Quando fui para a faculdade já me sentia exaurida.”

PAQUISTÃO Para a ex-chefe de inteligência da CIA, o presidente Pervez Musharraf tem poucas chances de se manter no poder

Ela cursou a Universidade Pepperdine em Malibu, formando-se em economia e ciências políticas, e doutorando- se na Escola de Estudos Internacionais da Universidade de Denver, a mesma de Condoleezza Rice. Ela ficou fascinada com Washington, mas foi rejeitada em sua primeira tentativa de conseguir um estágio na CIA. Quando um trabalho num banco também deu em nada, ela decidiu fazer uma nova tentativa. Simplesmente abriu a lista telefônica de Denver e procurou por “CIA”. Depois de nove meses de verificação de antecedentes e testes de psicologia, ela foi contratada como analista de economia. “Não imaginei ficar lá muito tempo”, conta ela, “porém, o trabalho é muito cativante”.

Enquanto a direção de operações da CIA, hoje chamada de National Clandestine Service (Serviço Clandestino Nacional), emprega aquele tipo de agente que aparece nos filmes de James Bond, as unidades de inteligência são compostas por pensadores como Miscik, que criam relatórios analíticos para os altos executivos, incluindo o presidente. O emprego é uma maravilha para os nerds. Os analistas muitas vezes baseiam- se em imagens de satélites de pouca nitidez e de informações freqüentemente contraditórias de fontes partidárias. “É como tentar montar um quebra-cabeça de 1.000 peças tendo apenas 200 delas”, exemplifica Miscik. “E para complementar, não te deixam ver a tampa da caixa para ter uma idéia do que se está montando.”

Começando com a crise da dívida externa do Terceiro Mundo no começo dos anos 80, quando ela se viu ligando para executivos de bancos nos quais havia considerado trabalhar, Miscik chamou atenção por ter um sexto sentido sobre questões geopolíticas. “Lembro de ouvir falar de uma jovem muito inovadora e criativa”, diz John McLaughlin, com 32 anos de serviços na CIA, que foi diretor- assistente de Tenet. Miscik tocava um complexo programa para prever instabilidade política em 40 países com base em 25 indicadores. Os indicadores – como protestos nas ruas, atitude dos militares em relação a lideranças, custos de transporte público – ajudaramna a correlacionar a deterioração econômica e a instabilidade política com a precisão de um economista.

Após um tempo no National Security Council, onde aconselhava membros da equipe do presidente Clinton na Casa Branca, ela foi chamada por Tenet para ser sua assistente executiva, um cargo equivalente ao de chefe de gabinete. Ele apreciava o fato de ela falar as coisas diretamente. “Se algo a incomodava, logo você ficava sabendo”, conta Tenet, que muitas vezes sabia o que ela estava pensando mesmo antes que dissesse uma única palavra. “Eu chamava isso de ‘olhar lituano’. Ela erguia uma sobrancelha e ia direto ao ponto.” Henry Kissinger, membro do conselho de assessoria da CIA na época em que Miscik estava em ascensão, também se recorda de como ela se destacava. “Com a maioria dos analistas, você se pergunta se eles não estariam patinando em suas próprias preferências políticas ou dizendo a você aquilo que você espera ouvir. Isso não ocorria com Jami.”

No verão de 2001, Miscik já era a número 2 na unidade de inteligência, na qual as tensões cresciam. “Estávamos totalmente convencidos de que algo estava prestes a acontecer. Poderia ser aqui ou contra os interesses dos EUA no exterior”, relembra. Em julho, Tenet pediu uma reunião urgente com a Condi Rice, na época conselheira de Segurança Nacional, e alertou-a contra a iminência de um ataque. No dia 6 de agosto, o grupo de Miscik publicou um trabalho intitulado Bin Laden decidido a atacar os EUA, que citava “atividades suspeitas neste país consistentes, com preparações para seqüestros de avião e outros tipos de ataque”. O presidente e seus principais executivos, conta ela, “ouviam, porém estudavam (a situação), em vez de agir. Não havia como dizer a eles, ‘escutem, vocês têm apenas quatro semanas’ “.

Depois do 11 de Setembro, não houve tempo para angústia ou sentimento de culpa, explica Miscik, “a pressão pelo que tivemos que fazer não nos deixou essa possibilidade”. A missão, segundo ela a entendeu, era acabar com a Al- Qaeda e evitar um novo ataque. Em setembro de 2002, após Miscik ter assumido o posto de chefe da unidade de inteligência, o presidente Bush parecia determinado a capturar um inimigo diferente, Saddam Hussein. Quando o Senado solicitou aos órgãos de inteligência uma avaliação escrita da probabilidade de haver armas de destruição em massa no Iraque, a agência teve apenas três semanas para produzir tal análise. O relatório resultante, Estimativa de Inteligência Nacional, com 90 páginas, declarou: “Acreditamos que o Iraque tem prosseguido com seus programas de armas de destruição em massa… Bagdá tem armas químicas e biológicas.”

Já no verão seguinte, após a invasão dos EUA, já estava claro que Saddam não dispunha de tais armas. Miscik agiu rapidamente, designando uma dúzia dos melhores analistas da comunidade de inteligência – nenhum dos quais envolvido nas análises do Iraque – para passar seis meses examinando os erros da CIA. A culpa recaiu não na pressão exercida pela Casa Branca, e sim nos próprios problemas da agência. “Encontramos quatro ou cinco fatores”, diz ela, enumerando: falta de boas fontes no campo, dependência de relatórios antigos preparados por inspetores de armas da ONU que há muito já se foram, bravatas de Saddam sobre um poder que ele não tinha. Um quarto erro, o uso pela CIA de suposições herdadas, é o que mais preocupa Miscik por tratarse de uma armadilha comum em qualquer tarefa analítica. “Um analista sê nior treina um analista júnior e passa a ele seus pontos de vista. Ele, por sua vez, os passa ao próximo analista. É importante examinar, de forma rigorosa, suposições herdadas e evitar a todo custo as concepções do grupo.”

Com a mesma firmeza que admitia seus erros, ela defendia sua posição quando acreditava estar com a razão. Durante aquele período complicado, assessores sênior de Bush, decididos a justificar a guerra do Iraque, pressionaram a CIA para encontrar evidência de cumplicidade entre o Iraque e a Al- Qaeda, relembra Miscik. A agência tinha concluído e escrito repetidamente que não havia qualquer conexão significativa. Contudo, persistia o questionamento. Por fim, Miscik orientou seus analistas: “Parem de escrever.” Seu momento mais difícil veio em 10 de janeiro de 2003, quando recebeu a mensagem de que Stephen Hadley, na época conselheiro assistente de Segurança Nacional, havia ligado do escritório de Lewis “Scooter” Libby, então chefe de gabinete do vice-presidente. Hadley e Libby queriam ver Miscik no escritório de Libby. “Eu estava brava e não fico assim com freqüência”, ela lembra. Entrou a toda no escritório de Tenet e disse a ele: “Não vamos mudar este papel. Esta é nossa opinião. O que está aqui vale. Se tiver que mudar uma palavra neste documento eu me demito.” Tenet ligou para Hadley. “Ela não irá”, informou. “Não vamos reescrever esta merda de relatório.” (O livro de Tenet, At the Center of the Storm, dá uma versão mais amena do linguajar dele.)

Na semana seguinte, Miscik, substituindo Tenet, se preparava para entregar o relatório diário de inteligência das oito da manhã ao presidente quando foi informada de que Bush queria vê-la em particular. No Salão Oval, recorda-se Miscik, “ele disse: ‘Então, fiquei sabendo que alguns rapazes foram longe demais. Se isso aconteceu, você precisa me falar'”. Ela respondeu a Bush: “Não é nada que nós não possamos cuidar.” O reconhecimento da pressão sobre ela e seus analistas, afirma Miscik, era o bastante para aliviar sua preocupação. “Fiquei feliz pelo fato de ele ter reconhecido que havia um problema”, diz ela.

Na reunião anual que a Lehman Brothers promove para seus 100 principais clientes, Jami Miscik foi a principal palestrante, ao lado de Alan Greenspan (à esq.) e Colin Powell

A pressão nunca foi aliviada. As tensões com a administração atingiram o pico em novembro de 2004. O escritório do vice-presidente Dick Cheney solicitou a Miscik que removesse a classificação de confidencial de parte do relatório da CIA sobre a ligação entre a guerra com o Iraque e a guerra mais ampla contra o terrorismo. Ela acredita que revelar uma parte do relatório daria ao público a impressão errada, contando apenas uma parte da história, e negou o pedido. Segundo ela, alguns dias depois, um assessor de Porter Goss, que havia substituído Tenet como chefe da CIA, deu o recado. “Responder ‘não’ ao vice-presidente é dar a resposta errada”, afirmou o assessor de Goss a Miscik. Ela respondeu a ele: “Na verdade, somos pagos para dizer ‘não’ ao vicepresidente de vez em quando.” Goss apoiou a decisão dela de manter a informação como confidencial. Algumas semanas depois, pouco antes do Natal, o diretor executivo da CIA, Kyle “Dusty” Foggo, informou a Miscik que ela estava sendo substituída como diretora assistente de inteligência. Um porta-voz de Goss hoje afirma: “Não há qualquer ligação entre os dois episódios.”

Ela perdeu o emprego mas salvou sua reputação – ao contrário de outros – no cenário político em torno da guerra. Até Bush alterar sua sentença, Libby enfrentou 30 meses de prisão por perjúrio e obstrução da Justiça. Foggo foi indiciado por fraude e outras acusações relacionadas a um caso de suborno do congressista Randy Cunningham. Tenet vem sendo amplamente criticado por sua deferência ao presidente. Miscik, contudo, conseguiu ganhar o respeito até mesmo daqueles que apóiam o Iraque. O neoconservador Doug Feith, que foi subsecretário de Defesa de 2001 a 2005, afirma que ficava frustrado pela qualidade e, do ponto de vista dele, pela tendência contrária à guerra das informações que a CIA apresentava sobre o Iraque. Sobre Miscik, ele afirma: “Entre todo o pessoal da CIA, ela era a mais impressionante e profissional.”

Contudo, para Miscik, conseguir outro emprego na capital do país não era uma opção. “Em Washington, não importa quanto você caminhe, você sempre será conhecida como ‘a ex’ “, comentou Kissinger com ela. Miscik não tinha a menor intenção de ser ex qualquer coisa. “Eu queria provar para mim mesma que poderia fazer algo totalmente diferente”, afirma. “A opção era Nova York ou voltar para a Califórnia. Nova York me pegou primeiro.” (Casada e divorciada na década de 80, ela tem um namorado em Los Angeles sobre quem normalmente é bastante reservada.) No começo, Miscik enfrentou alguns céticos na Lehman, que conheciam seu papel no caso das armas de destruição em massa. Entre suas referências, porém, estava Tenet, que contou aos executivos da Lehman que ela era “extremamente calma” sob pressão. Dave Goldfarb, que supervisiona investimento de risco para a Lehman, conta que a empresa já teve experiências mistas com outros recrutas de Washington. “Lembro-me de quando entrevistei Jami”, conta ele. “Eu disse a ela: ‘A coisa mais difícil é manter-se relevante. Você é capaz de obter as mesmas informações que obtinha na CIA?'” Uma vez contratada, com salário de seis dígitos, mais que o dobro do que recebia no governo, Miscik se deu conta de que “é preciso mostrar seu valor num curto espaço de tempo”.

Ela não tem mais acesso à inteligência de analistas e operativos da CIA. (“Isso seria avançar o sinal”, diz.) Então ela mantém uma rede de fontes que incluem contatos em Washington, executivos do governo e especialistas em organizações não-governamentais e grupos de estudos. Ela conversa também com jornalistas que cobrem governos locais – “o que antes era impossível fazer” – e pessoas de indústrias como mineração e madeireiras, porque tendem a permanecer em seus países de origem. Num dia típico, Miscik navega na internet cerca de duas horas, buscando jornais estrangeiros que variam do Bangkok Post ao Daily News da Turquia, além de websites como qantara.de (um “diálogo com o mundo islâmico” financiado pelo governo alemão), icps.kiev.ua (um grupo de estudos da Ucrânia) e sasnet.lu.se (uma coleção sueca de websites de núcleos de estudos sobre o sudeste da Ásia).

Será que os erros cometidos na agência fizeram dela uma analista melhor? “Certamente”, garante. “Passar por isso me deixou mais esperta.” Perguntada sobre sua opinião a respeito do risco global, ela afirma: “Quase tudo é considerado arriscado nos mercados de hoje.” Para os investidores, a sensação de segurança deve ser preocupante. “A idéia de que o risco geopolítico não move mercados é errada.” Quando ocorrer a próxima crise econômica estrangeira, afirma ela, a extensão dos danos dependerá da geopolítica. “Normalmente, a coisa se resume à vontade política de um governo fazer algo inteligente versus algo burro.”

Miscik prevê crescentes conflitos no Oriente Médio neste outono. No Iraque “veremos elevados níveis de insurgência à medida que os iraquianos querem certificar-se de que vamos embora”, diz ela. Miscik estava em Londres durante o último ataque terrorista na Inglaterra. “Infelizmente”, ela lamenta, “os ataques nos levam a pensar que a Al-Qaeda é flexível e adaptável. Ainda existe um planejamento central, mas ele depende cada vez mais de grupos terroristas locais e coloca esses grupos sob o guarda-chuva da Al-Qaeda”. Ela está surpresa pelo fato da al Qaeda não ter atacado o território americano desde o 11 de Setembro? “Não”, responde ela. “Eles são muito pacientes. Mais do que nós somos. A intenção, não tenham dúvida, permanece.”

Miscik não carrega mais o fardo de cuidar da segurança geral dos americanos, o que vem a ser um alívio para ela. Qualquer erro de cálculo terá um impacto apenas em dólares. Todavia, sua nova função vem numa época em que o capital corre pelo mundo com força e complexidade muitas vezes maiores que a capacidade de um único ser humano compreendê-las. Ela encontrou o tipo de risco totalmente diferente daquele que buscava.

Tradução: Gotcha Idiomas