09/01/2023 - 10:22
Dois séculos separam os sete dias entre os brasileiros que profanaram a rampa no domingo (8) dos que a subiram para a posse de Lula no domingo anterior (1), foto abaixo. Estes criminosos brasileiros que tentaram um golpe de Estado e destruíram os Três Poderes enxergam no brasileiro pobre, no brasileiro negro, no brasileiro de povos nativos, no brasileiro gay, no brasileiro PCD um inimigo a ser exterminado. Mesmo que parte desses bandidos seja pobre, negra, gay, mulher… A maioria é ou pensa que é o estereótipo do homem-branco-babaca. Esse caldeirão multifacetado tem, além da ausência total de alteridade, apenas outra coisa em comum: o ódio aos brasileiros. De resto, trata-se de um bando heterogêneo que mistura gente que quer parar caminhão no peito, outros que buscam contato com ETs via celular, uma maioria para quem as urnas foram fraudadas e, sem exceção, todos eles acreditam no Messias como um santo impoluto – nada de 51 imóveis comprados em cash pelo clã ou outras excentricidades desafiadoras da lei. Nesse balaio de terroristas há de tudo: especialmente covardes (os que financiaram o golpe e ficaram no sofá e nas redes sociais) e os idiotas que foram tomar chuva em quartel e agora começam a ser presos.
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O fracassado golpe parece ter sido planejado na Disneylândia pelo Mickey, o Pato Donald e o Pateta. Não fosse o dinheiro de quem o financia, ele não passaria de um plano imaginário de tomada de poder. Mas houve um combustível essencial para sua tentativa de execução. Um agravante decisivo e dos mais horrendos: a inação das forças de segurança. Policiais militares, policiais rodoviários, militares das Forças Armadas neste exato momento se transformam em gente sem crédito. Não há uma aposta em Brasília de que eles estejam interessados em defender a Constituição e o Estado. O que assistimos é a uma prevaricação coletiva. E sabendo que parte relevante do Judiciário e do Ministério Público perdeu a vergonha de se manifestar abertamente a favor de Bolsonaro e contra Lula, usando até redes sociais para isso, resta pouca certeza de que os verdadeiros orquestradores e financiadores do golpe fracassado serão condenados. Por sorte, muita sorte, o Brasil teve no momento eleitoral mais decisivo e agora um cara como Alexandre de Moraes à frente. Nem é bom imaginar, a título de exercício retórico, o que seriam as eleições ou este começo de 2023 tendo outro ministro qualquer do STF no mesmo papel. O agora afastado por Moraes governador de Brasília (Ibaneis Rocha, MDB) tem culpa evidente. Seja pelo que fez, seja pelo que deixou de fazer. Seu exonerado secretário de Segurança (o até dezembro inexpressivo ministro da Justiça Anderson Torres), de férias pelos Estados Unidos, agora tá com medinho de ser preso.
A pergunta que a história terá de responder, num prazo curto, é por que as Forças Armadas não embarcaram na jornada. Por respeito à Constituição (hahaha) é que não foi – fico pensando em cinco barracas do MTST na frente de um quartel qualquer ou seus integrantes subindo uma rampa sem autorização e imagino que já estariam sob fogo & porrada. A decisão de os militares embarcarem ou não no golpismo pode estar fora do país. E vieram em recados rápidos e públicos dos dois principais líderes ocidentais. O presidente americano Joe Biden usou o Twitter. “Condeno o ataque à democracia e à transferência pacífica do poder no Brasil. As instituições democráticas do Brasil têm todo o nosso apoio e a vontade do povo brasileiro não deve ser prejudicada. Estou ansioso para continuar a trabalhar com @LulaOficial”, escreveu perto das 21h de Brasília. Emmanuel Macron, da França, foi ainda mais curto e direto: “A vontade do povo brasileiro e as instituições democráticas devem ser respeitadas! O presidente @LulaOficial pode contar com o apoio incondicional da França”, postou duas horas antes de Biden. No meio diplomático a palavra ‘incondicional’ tem um peso que extrapola o senso comum e é capaz de fazer ticos-e-tecos militares pensarem duas vezes.
No ambiente interno, políticos de todos os matizes criticaram os ataques. Até mesmo patrono de Jair Bolsonaro, o chefe do PL, Valdemar Costa Neto. Apesar de dizer que os ataques não representam nem seu partido nem o ex-presidente. Outro bolsonarista, o governador Tarcísio de Freitas, de São Paulo, foi mais ameno. “Para que o Brasil possa caminhar o debate deve ser o de ideias e a oposição deve ser responsável, apontando direções. Manifestações perdem a legitimidade e a razão a partir do momento em que há violência, depredação ou cerceamento de direitos. Não admitiremos isso em SP”, escreveu. Chamar tentativa de golpe de manifestação é burrice ou má-fé.
Esse golpe fracassado tem, no entanto, duas origens evidentes e sobre as quais ainda pouco faladas até aqui. Ela nasce quando metade da população brasileira que vota defende o “não te estupraria porque você não merece”. Para mim, essa é a frase definitiva e quintessência da ética, da técnica e da estética de Jair Messias Bolsonaro. Tudo o que fez, faz e fará tem esse gene. E quem o apoia, me desculpe, faz a mesma escolha. O segundo nascedouro da serpente foi a tuitada de abril de 2018 do então comandante do Exército general Eduardo Villas Boas, que nas vésperas do julgamento do habeas corpus de Lula pelo STF mandou recado aos ministros da corte maior. A casa se acovardou e captou a mensagem. Villas Boas, agora, está quietinho. Não tuita nada desde 21 de dezembro. Prender 300 idiotas golpistas vai ser fácil. Querer chegar na origem disso tudo ficará para outro país.