30/08/2006 - 7:00
Para elas, trocar pneu é o de menos. Enfrentar a poeira, derrapar na lama, entrar em curvas bruscas, passar aos solavancos por buracos e dormir dias seguidos no meio do sertão são alguns dos desafios que encaram as mulheres que participam de ralis. O esporte, tradicionalmente dominado pelos homens, ganha espaço no universo feminino. No último Mitsubishi Motorsport, rali patrocinado pela montadora japonesa e realizado há duas semanas em Itaipava (RJ), elas representavam 40% dos cerca de mil participantes. ?Há 12 anos, quando foi criado o campeonato, as mulheres não passavam de 15% dos competidores?, diz Corinna Souza Ramos, diretora do evento. Na estrada, dá-se a revolução sexual que invadiu o mundo nos anos 1960.
Decididas a competir de igual para igual com os homens, elas não admitem ser tratadas com diferença. ?Já se ofereceram para nos ajudar com problemas mecânicos, mas não aceitamos?, conta a empresária Maristela Mirapalheta. Ela sabe que a oferta masculina pode não ser postura preconceituosa, quase sempre é cavalheirismo ? mas ainda assim é dispensável. ?Não queremos benefícios?, diz Maristela. Sua parceira, a estudante Gislaine Garcia, de 19 anos, adepta dos ralis desde os 12, confessa que as dificuldades são outras. ?Depois de tirar o capacete, a preocupação é não sair despenteada na foto.? A vaidade resiste, por mais árido que seja o cenário. Tanto que a dupla se permitiu o luxo de, em pleno Rali dos Sertões, com dez dias de duração, realizado no início deste ano, dar banho de creme nos cabelos e fazer hidratação nos pés. O cuidado não prejudicou o resultado na competição, com um honroso e celebrado 5º lugar.
As competidoras abdicam de muita coisa para se tornarem realmente boas no que fazem ? e, nesse aspecto, também comportam-se como os homens. Para a dupla pioneira Lil Chiesa e Elaine Machado, de Brasília, a prioridade é o rali, o que pressupõe economia o tempo todo. ?Preferimos usar nosso dinheiro para participar das provas?, diz Lil. ?As compras ficam para depois.? Em 2005, Lil e Elaine participaram de 44 provas, e em cada uma investiram pelo menos R$ 3 mil entre inscrição, hospedagem e manutenção da sua Pajero. Há também, atenção, quem abra mão do marido. ?Ele não queria que eu participasse sozinha nem me acompanhar?, diz a empresária Jordana Andrade. Divorciada, ela estreou no Rali do Batom de Goiânia, 100% feminino. A ocasião reanimou a amizade de Jordana com as estudantes Ana Luiza Fleury e Ana Paula Lima, que hoje formam uma equipe. ?Pelo menos recuperei as amigas?, diz a empresária.
Aos trancos e barrancos, os casamentos dos amantes do barro resistem à barreira dos sacrifícios imposta pelas corridas. Helena Soares e Luís Rosate, casados há quase dois anos, criaram uma condição mútua: as brigas durante o rali morrem ali mesmo, no carro. O conflito a bordo é comum nessa atividade formada por duplas, com um piloto e um navegador, que auxilia a travessia. Antes da largada são distribuídas planilhas com as instruções da prova, explicando a direção a seguir, a velocidade a manter e a distância a percorrer em cada trecho. Tudo matematicamente calculado. É função do navegador dizer ao piloto quando e o que fazer. ?É uma ilusão ele achar que está no comando só porque tem as mãos no volante?, diz Helena, a navegadora da dupla. ?Sou eu quem manda, não o deixo fazer nada sozinho.? E não se fala mais nisso.