14/06/2013 - 6:10
Os acionistas da construtora e incorporadora paulista Gafisa, uma das poucas empresas brasileiras de capital pulverizado na bolsa, têm motivos de sobra para reclamar. Neste ano, as ações da companhia registraram uma desvalorização de 24%. Seus resultados no primeiro trimestre não foram nada animadores. A receita líquida caiu 20%, para R$ 669 milhões, e o prejuízo passou de R$ 33 milhões para R$ 55 milhões. Na semana retrasada, o anúncio da venda de 70% da Alphaville Urbanismo, sua unidade de loteamentos de alto padrão, para os fundos Blackstone Real Estate e Pátria Investimentos, por R$ 1,4 bilhão, tinha tudo para dar um alívio à construtora, uma vez que o negócio era visto com bons olhos pelos analistas de mercado.
Rumo ao golfe: Renato Albuquerque deixa a empresa, mas segue vivendo
no condomínio que idealizou
Em vez disso, as ações da empresa sofreram mais uma queda, de 6,8%, no dia da venda, 7 de junho, influenciada, em parte, pela perspectiva de rebaixamento da nota de risco do Brasil pela S&P. Há nesse grupo de investidores frustrados, no entanto, quem tenha motivos para rir. São os fundadores da Alphaville, o empresário brasileiro Renato Albuquerque e seu sócio, o advogado português Nuno Lopes Alves, que ainda detinham uma parcela de 20% na companhia e embolsaram R$ 367 milhões na transação. Detalhe: há sete anos, eles venderam 80% da Alphaville para a mesma Gafisa por R$ 383 milhões. Naquela época, os dois empresários concordaram em vender a empresa de loteamentos em duas etapas.
Na primeira, embolsaram R$ 20 milhões e mais um punhado de ações da construtora, totalizando os R$ 383 milhões. Na segunda etapa, que seria concluída em 2012, a Gafisa compraria o restante, pagando em ações ou dinheiro, a seu critério. Só que, nesse período, a Alphaville só valorizou. A Gafisa, por sua vez, tomou o caminho contrário, em razão dos problemas para digerir a aquisição da Tenda, em 2008, especializada no setor de baixa renda. Desde sua aquisição, a Alphaville se tornou o único ativo realmente atraente da Gafisa. No ano passado, ela foi responsável por mais de 40% dos negócios da construtora.
Seu lucro, de R$ 157 milhões em 2012, ajudou a reduzir o prejuízo de R$ 124 milhões da construtora. Em função desse desempenho, a Alphaville foi avaliada em R$ 2 bilhões na transação feita com o Blackstone e o Pátria. A Gafisa, por sua vez, tem valor de mercado de R$ 1,5 bilhão ? um típico caso em que a parte é maior do que o todo. Se o pagamento pela parcela restante da Alphaville fosse feito em papéis da construtora, Albuquerque e Alves, que já detinham 1% da empresa, passariam a ter quase 20%. Os dois se tornariam, com folga, os maiores acionistas individuais da construtora, superando o fundo Polo Capital, que detém cerca de 7% de participação.
Apenas três acionistas da Gafisa possuem mais de 5% do seu capital ? o Polo, o Goldman Sachs (5,21%) e o fundo de pensão Funcef (5,48%). Ao deixarem a Alphaville, Renato Albuquerque e Nuno Lopes Alves encerram uma trajetória que mistura sorte e visão de negócios, que os deixou milionários. Albuquerque é um dos idealizadores do loteamento Alphaville, em Barueri, na Grande São Paulo, lançado em 1974, que se tornou a maior referência em condomínios de alto padrão no Brasil. O projeto foi fruto de sua parceria de quase três décadas com o empresário Yojiro Takaoka, seu sócio na construtora Albuquerque Takaoka. A parceria só acabou com a morte de Takaoka, em 1994.
Com a perda do sócio, Albuquerque encerrou a construtora e se concentrou em loteamentos. Seu objetivo era levar o mesmo conceito de condomínio a outras cidades do Brasil. Para isso, fundou a Alphaville Urbanismo em sociedade com Alves, com quem havia tocado alguns empreendimentos nas cidades de Sintra e Lisboa, em Portugal. Lopes Alves já havia residido no Brasil na década de 1970, quando ainda era estudante. Em 1995, ele se mudou com a família para Alphaville, de onde nunca mais saiu, tendo criado seus três filhos. Juntos, Albuquerque e Alves levaram a marca de condomínios para mais de 40 cidades e transformaram a Alphaville em uma empresa bilionária e cobiçada pelo mercado.