Edson Rossi

De certa forma, o assunto passou abaixo da linha de radares da mídia. Paradoxalmente, a novidade é ao mesmo tempo a última tendência e uma volta na história – basta lembrarmos que aquilo que conhecemos como internet nasceu como arma de defesa ao longo dos anos 1960 e só se transformou numa rede comercial e mais democrática na metade da década de 1990, após o inglês Tim Berners-Lee (com ajuda do belga Robert Cailliau) criarem a www. Pois a preocupação com a defesa dos países, princípio que fez surgir a rede mundial de computadores há quase 60 anos, está por trás da decisão tomada pelos parlamentares europeus na quinta-feira (17). Eles aprovaram o start do projeto de comunicação espacial chamado de Iris2 (numa tradução livre, Infraestrutura para Resiliência, Interconexão e Segurança por Satélites). Ele demandará investimentos de 6 bilhões de euros e tem um objetivo claro: reduzir a dependência da União Europeia (UE) de fornecedores estrangeiros ao bloco, em especial russos e chineses. As agências governamentais da UE entrarão com 40% do dinheiro e espera-se que a iniciativa privada participe com os demais 60%. O prazo é curto para um projeto com esse nível de ambição, o de estar pronto em 2027.

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União Europeia fecha acordo sobre sistema de internet via satélite

Os europeus começaram a discutir o Iris2 em fevereiro deste ano. Ainda antes de começar a guerra na Ucrânia, mas com a invasão russa já no horizonte. Logo após o início da invasão, a Rússia bloqueou a conexão de internet terrestre da Ucrânia. Até o bilionário Elon Musk, de Tesla e Twitter, entrou em cena para oferecer como alternativa seu sistema de satélites, o Starlink, e amenizar a estratégia russa. Como não existe almoço grátis, a empresa de Musk enviou documento ao Pentágono (o Departamento de Defesa dos Estados Unidos) para que ele pagasse a conta. A americana CNN revelou que os custos seriam de US$ 120 milhões no resto do ano e poderia chegar a US$ 400 milhões nos próximos 12 meses. É nesse tipo de situação que o Iris2 entrará como uma estratégia de autonomia para os europeus. “Iris2 garantirá a soberania e menos dependências de infraestrutura de países terceiros e o fornecimento de serviços de comunicação críticos onde as redes terrestres estão ausentes ou interrompidas, como observado, por exemplo, na Ucrânia”, diz o comunicado da UE.

Apesar de o objetivo principal do projeto ser eliminar ou minimizar a dependência externa dos europeus, mantendo os serviços de internet ativos em situações de crise — sejam de ataques hackers de grupos ou bancados por países a acidentes naturais – a rede de satélites  também vai permitir a conexão em áreas de sombra estratégicas à Europa, como a região do Ártico. “Pela primeira vez, a União Europeia terá sua própria constelação de telecomunicações, em particular em órbitas baixas, a nova fronteira para satélites de telecomunicações”, disse o eurodeputado francês Christophe Grudler em reportagem à agência alemã de notícias DW. Independentemente de o projeto privilegiar segurança ou cobertura, como efeito imediato, assim que em uso, ele irá multiplicar a velocidade da conexão para todos os países.

Na era da comunicação e do uso intensivo de dados, os europeus adotaram o caminho correto. Uma discussão que nem de perto parece passar pela agenda brasileira, do atual e moribundo governo ao time de transição do próximo.