03/07/2002 - 7:00
A economia mundial foi atingida por uma hecatombe de proporções ainda não definidas, na semana passada. Uma fraude contábil, singela mas de dimensões bilionárias, colocou uma das maiores empresas de telefonia do mundo, a WorldCom, na ante-sala da UTI financeira. Em comunicado à SEC, o órgão regulador do mercado de capitais americano, na terça-feira 25, a companhia admitiu que os balanços de 2001 e do primeiro trimestre de 2002 sofreram uma falcatrua de US$ 3,9 bilhões ? uma dinheirama que deveria ser colocada na coluna de despesas, mas foi contabilizada descaradamente no capítulo de investimentos. Como num passe de mágica, um eventual prejuízo transformou-se em um estupendo lucro de US$ 1,5 bilhão em 2001. A WorldCom tentou dar sinais de reação. Prometeu republicar os balanços, defenestrou seu vice-presidente financeiro, Scott Sullivan, anunciou uma redução de custos de US$ 2 bilhões e o corte de 17 mil funcionários, o equivalente a 28% de seu quadro de pessoal. Tarde demais. Em questão de minutos na quarta 26, a onda de pânico gerada em Wall Street atingiu dimensões gigantescas e espalhou-se pelas bolsas de valores dos cinco continentes. O Brasil foi duramente atingido pelos estilhaços. A histeria financeira alimentou ainda mais o mau humor do mercado diante das incertezas políticas de um ano eleitoral. Pior: controlada pela WorldCom, a Embratel, a ex-estatal símbolo das telecomunicações do País, viu suas ações despencarem 25% em um único dia. Um dia depois, recuaram mais 11%. Quando os pregões encerraram-se em todo mundo, uma parte da riqueza do universo empresarial havia se evaporado. O Citigroup, um dos maiores credores da WorldCom, perdeu cerca de US$ 11 bilhões de seu valor de mercado. No Bank of America, o estrago foi de US$ 3,9 bilhões. Atolada em dívidas de US$ 30 bilhões e envolvida em histórias mal explicadas, como um empréstimo de quase US$ 375 milhões ao fundador Bernard Ebbers, a própria WorldCom viu seus papéis virarem pó. As ações que em 1999 haviam sido avaliadas em US$ 62 atingiram o fundo do poço cotadas a apenas US$ 0,80.
Escaldados pelo caso Enron, os investidores viram na fraude da WorldCom mais do que um caso isolado. Na cabeça de analistas e operadores, multiplicavam-se dúvidas e perguntas que ninguém ousava externar, como se elas pudessem contaminar de vez um ambiente fragilizado pela sucessão de escândalos em corporações americanas. As áreas de contabilidade se tornaram fábricas de balanços maquiados? Qual será a próxima vítima? Quantos escândalos a mais virão à tona? Talvez eles não tenham percebido o alcance dessas questões, mas a realidade é que a fraude nos números da WorldCom atingiu alguns dos valores mais preciosos do capitalismo americano. A alma do ?sistema? foi gravemente ferida. O modelo transparente e democrático, baseado tanto na poupança das velhinhas do Tennessee quanto nos recursos intermináveis dos fundos de pensão, sofreu um golpe possivelmente mais profundo do que o do crash de 1929. A desconfiança em relação aos indicadores das companhias contaminou a própria crença na robustez da economia americana. No mesmo dia em que as bolsas despencavam, o euro, pela primeira vez em sua curta existência, atingia a cotação de US$ 1 ? um sinal claríssimo de que a recuperação da economia americana poderia estar mais distante do que se imaginava. O golpe na auto-estima americana foi tão forte que o próprio presidente George W. Bush saiu a público para comentar um fato que, em outro momento, seria no máximo um caso de polícia. ?Estou profundamente preocupado?, disse ele, ao mesmo tempo em que prometia ?investigações severas? sobre o assunto.
É provável que Bush tema que a descrença provocada pelo escândalo risque do mapa uma geração inteira de investidores ? justamente os que foram responsáveis pelo crescimento explosivo das empresas ao longo dos anos 90. Sim, porque, ao longo da década da exuberância, companhias como Enron e WorldCom surgiam do nada, cresciam a uma velocidade estonteante para, em seguida, alimentar o ambiente que as havia gerado ? num círculo que só foi rompido com a explosão de fiascos como o da semana passada. Observe-se o caso da própria WorldCom. Em apenas 14 anos, adquiriu mais de 70 empresas e de uma modesta operadora do Mississipi, fundada em 1983, tornou-se a segunda maior companhia de telefonia à distância do País, com uma carteira de 25 milhões de clientes e faturamento de US$ 35 bilhões.
Quando essa bolha estourou produziu abalos sísmicos em todo o mundo e, em particular, na filial brasileira. Com receita anual de R$ 7,5 bilhões, a Embratel já enfrentava maus bocados, graças a uma dívida de R$ 3,8 bilhões, dos quais R$ 1,2 bilhão vencem no curto prazo. Tão logo o escândalo estourou nos Estados Unidos, a indagação imediata de analistas e concorrentes foi a seguinte: se a WorldCom foi capaz de ludibriar credores e acionistas por lá, por que não faria o mesmo no Brasil? As ações da empresa brasileira, que na privatização, em 1998, chegaram a ser avaliadas a US$ 35,00 pela própria WorldCom, hoje são negociadas por menos de US$ 0,70. ?O mundo está mostrando que não existe muito espaço para empresas só de longa distância, como a WorldCom e a Embratel?, avalia Virgílio Freire, ex-presidente da Vésper e consultor em telecomunicações. ?E a fraude foi um golpe mortal na confiança.?
Dentro da companhia, a notícia da maquiagem contábil deflagrou uma operação de guerra. O primeiro a receber a notícia foi o executivo mexicano José Maria Zubiria, vice-presidente financeiro, ainda na noite de terça-feira 25, por intermédio de um telefonema de um amigo americano. Na manhã seguinte, enquanto Ronaldinho usava o bico da chuteira prateada para despachar os turcos da Copa do Mundo e classificar o time para a grande final, Zubiria e o presidente da Embratel, o também mexicano Jorge Rodriguez, redigiam um comunicado ao mercado financeiro e uma carta que chegou às mesas de todos os 12 mil funcionários da empresa. Nela, Rodriguez esclarecia que a Embratel tem autonomia financeira e não será contaminada pelos problemas da matriz. Além disso, mencionou que a empresa captou dinheiro recentemente e tem R$ 662 milhões em caixa, suficientes para honrar todos os compromissos em 2002. Ainda assim, nos corredores, o burburinho era um só: o que aconteceria na Embratel com uma possível concordata da WorldCom. ?Não seremos afetados pelos problemas do acionista controlador?, disse Zubiria à DINHEIRO. ?Somos independentes. Neste ano, nenhum centavo em dividendos saiu da Embratel para a WorldCom, apesar dos problemas enfrentados pela companhia nos Estados Unidos.?
Em Brasília, o governo também se movimentou intensamente. O presidente Fernando Henrique, já na manhã de quarta-feira, pediu ao ministro das Comunicações, Juarez Quadros, e ao presidente da Agência Nacional de Telecomunicações, Luiz Schymura, um estudo urgente sobre os impactos de uma possível quebra da WorldCom. Os dirigentes da Anatel, que haviam programado uma entrevista coletiva para a quinta-feira, cancelaram às pressas o encontro com os jornalistas, para não serem forçados a comentar o caso. A Lei Geral de Telecomunicações prevê até a possibilidade de reestatização da empresa, com a concessão sendo retomada pelo governo. Mas isso só ocorreria em caso de falência. A quebra do controlador nos Estados Unidos não levaria necessariamente a uma reestatização. A Enron, por exemplo, faliu nos EUA, mas suas filiais no Brasil continuam operando normalmente.
O fato é que o escândalo WorldCom não poderia chegar em pior hora para a Embratel. A empresa, que no ano passado registrou um prejuízo de R$ 553 milhões, enfrenta uma dura concorrência promovida pela Intelig desde a privatização. Para muitos analistas, a guerra de preços jogou as duas empresas na lona. A Intelig investiu mais de R$ 1 bilhão no Brasil e está há seis meses à venda sem encontrar compradores. A Embratel, na tentativa de fidelizar seus clientes, gasta cerca de R$ 150 milhões por ano em publicidade. ?Temos o desafio de superar esses problemas no momento em que novos concorrentes estão entrando em nosso mercado?, admite Zubiria. Na disputa pelo mercado, a Telefônica começou a operar serviços de longa distância internacional no início de junho. A Telemar irá oferecer os mesmos serviços já em julho. ?Nossa meta é gerar uma receita mensal de R$ 80 milhões e boa parte do bolo virá da Embratel?, disse à DINHEIRO José Fernandes Pauletti, presidente da Telemar. Sua confiança é fruto de números da própria empresa. Dentro da área de concessão da Telemar, onde a companhia já é autorizada a fazer ligações interurbanas, a participação de mercado chega a 68%. Na área da Telefônica, Estado de São Paulo, a Embratel só conseguiu manter 20% do mercado.
Novo modelo. A crise da WorldCom e da Embratel também contribuiu para acirrar o debate sobre o modelo brasileiro de telecomunicações. É o segundo sinal de alerta em pouquíssimo tempo ? o primeiro foi o calote da dívida da BCP, que opera a telefonia celular em São Paulo. Todas as operadoras têm pressionado a Anatel para que as regras que regem o setor sejam revistas. Pela lei, a Embratel só poderá ser vendida em julho de 2003. Pauletti, da Telemar, admite o interesse da sua empresa na Embratel. A Brasil Telecom, operadora fixa das regiões Sul e Centro-Oeste, também gostaria de comprá-la. A própria Embratel, que começará a oferecer serviços de telefonia fixa nos próximos meses, defende alterações no modelo da telefonia. ?Queremos condições de igualdade com os concorrentes para competir?, defende Purificación Carpinteyro, vice-presidente da companhia. Ela argumenta que, enquanto o mercado de longa distância é aberto à competição, o mesmo não acontece com as empresas de telefonia fixa. O que não se sabe é se o sorriso de Ana Paula Arósio continuará o mesmo depois de um dos maiores escândalos financeiros da história.
Imagem arranhada
Rainha da mídia usa informação privilegiada
Martha: venda de ações antes do colapso da Imclone
A americana Martha Stewart fez algo que acontece aos montes no mercado financeiro. O problema é que foi pega com a boca na botija ? ou melhor, no celular. Vamos à história. Dois dias após o Natal de 2001, a multimídia Martha ? dona da Omnimedia, império de US$ 800 milhões que reúne revistas e programas de gastronomia e dicas domésticas na tevê ? recebeu uma ligação de seu corretor, Peter Bacanovic, da Merrill Lynch. Dizia ele que um dos investimentos de Martha, as ações na empresa Imclone, de biotecnologia, tinha problemas. O preço dos papéis atingira cotação abaixo de US$ 60. A rainha da mídia jura que já o havia instruído a vender as ações caso elas alcançassem tal patamar. Após o telefonema de Bacanovic, Martha ligou apressada para um de seus melhores amigos: Sam Waksal, presidente da Imclone. ?Há algo de errado na empresa e eu quero saber o que é?, disse ela. Ouviu do outro lado que um medicamento contra câncer, de nome Erbitux, uma das grande apostas da Imclone, não seria aprovado pelas autoridades americanas. Martha agiu rápido: contou a novidade a amigos mais próximos, também investidores da Imclone, e vendeu suas ações um dia antes do processo que iria aprovar ou não a droga. Conseguiu US$ 228 mil. O Erbitux, de fato, não foi aprovado.
Martha está às voltas com a Justiça. A lei também fechou o cerco aos amigos da apresentadora. O corretor Bacanovic foi afastado da Merril Lynch. Waksal, que revelou segredos de sua companhia, está preso. E a acusação que recai sobre a turma de Martha não é somente por operar com informações privilegiadas, mas também obstrução de justiça. Isto porque um dos assistentes de Bacanovic revelou na semana passada ter sido obrigado a mentir sobre aquela versão de Martha e Bacanovic em relação ao acordo prévio de venda de ações. Na última quinta-feira, o programa de gastronomia de Martha reprisou um episódio de abril de 2000. Nele, Billy Tauzin ensina receitas deliciosas. Tauzin é ninguém menos que o promotor que investiga agora o caso Martha. A rainha da mídia usa sua principal arma para fugir das grades.