Virá a público nos próximos dias o último capítulo de uma das mais longas, intrincadas e, sobretudo, milionárias novelas do mercado financeiro no eixo São Paulo – Nova York. O Goldman Sachs, segundo maior banco de investimentos do mundo, está comprando 42% do principal fenômeno entre os bancos nacionais na última década, o Pactual. Preço ajustado: US$ 475 milhões. Hoje, as chances de ser selada a aliança são de 99%. O 1% capaz de derrubar todo o negócio depende do humor dos 30 sócios do banco brasileiro. Eles, apesar da cordilheira de dólares à sua frente, não parecem afoitos para fazer a escalada. Sentem-se, na verdade, extenuados por uma negociação iniciada em maio do ano passado, quando o atual presidente da Goldman no Brasil, Conrado Varoli, se aproximou de André Esteves, maior cotista do Pactual, durante uma reunião na sede da Febraban. Parecia estar começando ali, por iniciativa da Goldman, uma transação breve, discreta e objetiva. Dezessete meses depois, o que se tem é uma sucessão de marchas e contra-marchas, dezenas de reuniões nas adjacências de Wall Street e da Avenida Faria Lima e um gordo novelo de intrigas. O certo é que, quanto mais dura a novela, mais o Pactual é cobiçado pelos americanos da Goldman ? e igualmente cresce no banco brasileiro a oposição à aliança. ?Ou será do nosso jeito, ou não será?, desabafou Esteves na semana passada a um amigo.

O choque de interesses entre as duas partes é compreensível. Na semana passada, enquanto nada estava resolvido, o Pactual coordenou o lançamento internacional de US$ 100 milhões em títulos do Bradesco. Logo depois, o BankBoston confiou ao banco brasileiro a realização de operação semelhante, a ser desfechada nos próximos dias. Àquela altura, chegava a R$ 34 bilhões a soma dos recursos de terceiros administrados nos seus fundos de investimentos. O forte desempenho desses fundos levou os grandes bancos de varejo a firmarem acordos com o Pactual, para oferecerem a seus clientes os produtos administrados pelo banco ? uma instituição de atacado, sem agências, que, desta forma, chegou ao grande público. Outra especialidade da instituição assediada pela Goldman Sachs é a coordenação de fusões e aquisições entre grandes companhias. Em troca de comissões em torno de 1%, o banco foi, por exemplo, o elo de ligação para a Companhia de Concessões Rodoviárias (CCR) comprar, por R$ 720 milhões, a Viaoeste. Nos últimos anos, o Pactual atuou em mais de 25 negócios desse tipo. Em 2004, das 15 emissões de ações de empresas brasileiras, o banco coordenou nada menos que 11 delas, colocando no mercado US$ 1,85 bilhão em papéis. Desse portfolio constam a abertura de capital de companhias como a Grendene, Porto Seguro, Natura e America Latina Logística. A performance garantiu ao Pactual a liderança no setor de mercado de capitais do continente. Enquanto a Goldman pensa, reflete e, na prática, hesita em fechar o negócio, a instituição brasileira fixa-se cada vez mais como uma fabulosa máquina de lucros.

Fundado 22 anos atrás por três sócios ? Luiz Cézar Fernandes, Paulo Guedes e André Jacurski ?, o Pactual assumiu seu atual perfil a partir de 1999. Luiz Cézar queria enveredar pelo setor de varejo, Jacurski pedia foco na administração de recursos próprios e Guedes vislumbrava o modelo que acabou vingando. Na ocasião, o banco chegou a dar dois passos na direção do varejo, comprando instituições com agências em Minas e no Rio Grande do Sul. Guedes, em protesto, saiu. Jacurski, pouco mais tarde, partiu para fundar seu próprio Hedge Fund. E Luiz Cézar, num episódio sobre o qual jamais haverá consenso de versões, seguiu, magoado, carreira solo. Da diáspora emergiu a liderança do jovem André Esteves, hoje com 37 anos, cujo talento operacional e forte poder de argumentação levaram os executivos remanescentes do Pactual original a partirem, sem claudicar, para a rota de um banco de investimentos. Um argumento fundamental foi o da organização, ali, de um partnership, no qual o bom desempenho profissional seria recompensado em ações do próprio banco. O que parecia uma miragem mostrou-se um verdadeiro oásis. Hoje, mais da metade dos atuais 30 sócios entraram para o mercado financeiro pela porta do Pactual, como estagiários. Alguns deles têm, é certo, menos de 1% do banco, mas nenhum deles, sabe-se, tem mais de 25% da instituição. No comando, dentro de um comitê operacional que se reúne, religiosamente, todas as segundas-feiras, estão o próprio Esteves, Gilberto Sayão, Antônio Carlos Canto Porto, Alessandro Horta, Rodrigo Xavier, Marcelo Kalim e Paulo Fernando Oliveira. Registre-se: num País em que grandes bancos são distingüidos pelos sobrenomes de seus controladores ? como o Itaú, do clã Setúbal, ou o Unibanco, dos Moreira Salles ?, o Pactual não se pauta pela linhagem familiar. Nele, os sócios recebem participações nos lucros duas vezes ao ano, benefício extensivo aos 500 funcionários da instituição, com sedes em São Paulo e no Rio. O modelo espelha, em muitos aspectos, o de um banco de investimentos americano que, atualmente, administra ativos de US$ 1,5 trilhão e tem valor de mercado estimado em US$ 55 bilhões. Yes!, o Goldman Sachs.

Depois do primeiro aperto de mãos em maio do ano passado, em setembro os americanos oficializaram que estavam interessados no Pactual. Em janeiro, registraram num memorando de uma página a oferta de US$ 475 milhões por 42% do banco. O próximo passo deveria ter sido dado no mês seguinte, na forma de um contrato com 20 páginas. O que parecia fácil, engrossou. A minuta só ficou pronta em junho, com 150 páginas e a definição dos campos de operações, basicamente na América Latina. Das sete áreas do gigante que emergirá se a aliança Pactual-Goldman se concretizar, as quatro principais, responsáveis por 70% das atividades, serão lideradas por Esteves. Varoli, do lado americano, comandará as outras três. No meio desse caminho, surgiu a dúvida, no Goldman, sobre um processo que corria contra seis executivos do Pactual no Banco Central, por operações cambiais de 1999. Há dez dias, o conselho de recursos do BC multou o banco em R$ 25 mil e advertiu os executivos. Nenhum deles, como se especulava, ficou inabilitado para operar. Tudo parecia aclarado, mas despontou, então, uma nova especulação – a de que a Goldman pediria o bloqueio de parte do pagamento para eventuais pendências do Pactual com o fisco brasileiro. As partes não confirmam. O fato é que intrigas têm partido da subsidiária da Goldman no Brasil e de concorrentes que, obviamente, temem o novo titã.

A estrutura da operação prevê que o pagamento dos US$ 475 milhões será feito aos sócios do Pactual com ações da própria Goldman (50%) e dinheiro vivo. O negócio, cujo fato relevante já está até escrito, e tem apenas uma página, vai gerar o recolhimento de cerca de US$ 35 milhões em impostos. Ao sair, consumará um prodígio. Os bancos de investimentos que fizeram história no mercado brasileiro ? como o Garantia, de Jorge Paulo Lemann, e o Bozano, do magnata Julio Bozano ? acabaram vendidos para grupos estrangeiros, como o CFSB e o Santander. O Pactual é o único que, rastreado por um galeão internacional, está prestes a receber dele um container de dinheiro e, ato seguinte, assumir o timão com sua maioria de 58% na operação. ?Os rapazes fizeram o dever de casa direitinho?, reconhece o fundador Paulo Guedes. A nota da prova está para sair.

Os tesouros do Pactual

Administração de R$ 34 bilhões em fundos de investimentos

Coordenou emissões de US$ 1,8 bilhão em ações de companhias privadas nacionais

Coordenação em negócios de fusões e aquisições no valor total de US$ 1,2 bilhão