Político mineiro da velha cepa, Tancredo de Almeida Neves, presidente eleito, mas não empossado, em 1985, era um genial criador de frases. “Não se tiram os sapatos antes de chegar às margens do rio”, dizia ele, administrando ansiedades próprias e alheias enquanto costurava sua candidatura à Presidência ao longo de 1984. “Mas ninguém vai ao Rubicão para pescar”, acrescentava, demolindo qualquer dúvida sobre a seriedade de suas intenções presidenciais. Raposa com pós-doutorado em raposice, Tancredo conseguiu, mineiramente, costurar um leque de alianças que envolvia os radicais e os moderados da oposição com os moderados do governo e derrotar Paulo Maluf no Colégio Eleitoral, encerrando a ditadura militar sem sobressaltos.

Sua internação às vésperas da posse, e sua morte no fatídico dia 21 de abril, lançaram o País em cinco anos de desgoverno Sarney e tornaram o processo de estabilização da economia muito mais difícil e doloroso. Naquele momento, Tancredo fez falta. O último ato da tragédia histórica protagonizada pelo mineiro não foi o único lance relevante de sua biografia. A renúncia de Jânio Quadros em agosto de 1961 poderia ter antecipado os anos de chumbo que viriam em 1964. No entanto, em poucos dias, Tancredo sacou do bolso uma solução parlamentarista que garantiu a posse de João Goulart, vice de Jânio, garantiu a governabilidade e adiou o golpe por dois anos e meio.

O advogado calvo e levemente barrigudo, de fala mansa e indisfarçável ar provinciano, era um mestre em conciliar adversários, construir pontes e costurar acordos que garantissem a governabilidade. Por isso, Tancredo continua fazendo falta. Se o mandato de Dilma Rousseff vai acabar antes do prazo ou não é uma questão ainda em aberto. Qualquer prognóstico é arriscado, mutáveis como são as coisas na política. Mas é evidente que, com as contas do primeiro mandato prestes a serem rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e sem apoio de seu partido, Dilma enfrenta seu momento mais difícil.

Também mineira, a presidente teria de ser uma raposa política para conduzir a nave do governo de maneira segura ao longo das águas agitadas de julho e potencialmente tempestuosas em agosto, mês azarado para os presidentes brasileiros – Getúlio Vargas e Jânio que o digam. No entanto, com a popularidade em baixa e tendo de enfrentar um Congresso abertamente, Dilma precisaria, para governar, de uma capacidade de diálogo de que não dispõe. Isso está demonstrado em sua entrevista à Folha de S. Paulo da terça-feira 7. “Eu não vou cair. Eu não vou, eu não vou. (…) As pessoas caem quando estão dispostas a cair. Não estou. Não tem base para eu cair. E venha tentar, venha tentar”, disse Dilma, chamando a si as tensões.

Tivesse um Tancredo a seu lado, provavelmente suas declarações teriam sido bem mais conciliadoras. Basta lembrar de sua capacidade de desarmar bombas. Em 1982, quando costurou a união de seu moderado PP com o então aguerrido PMDB, Tancredo teve de enfrentar muitas resistências dentro dos dois partidos. Sua resposta à pergunta de uma repórter sobre os desentendimentos entre os caciques de ambas agremiações ficou na história. “Minha filha”, disse ele, “não há nenhum desentendimento, longe disso; o que acontece é que não há entendimento.” Pena que Dilma dificilmente vai desenvolver essa serenidade.