Uma fraude financeira caiu por terra na semana passada. Eis a farsa: o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, dono das agências de publicidade DNA e SMP&B, teria ido aos bancos Rural e BMG e tomado R$ 55,9 milhões emprestados. Em seguida, ele teria repassado os recursos não contabilizados ao PT para ajudar o partido a pagar suas dívidas de campanha e dos aliados, no famoso caixa dois. Lançada pelo tesoureiro do PT, Delúbio Soares, em julho deste ano, a peça de ficção ficou de pé durante 113 dias, mas desmoronou na última quinta-feira 3, quando os deputados Gustavo Fruet (PSDB-PR) e Osmar Serraglio (PMDB-PR) concluíram o segundo relatório parcial da CPMI dos Correios. O calhamaço, fruto da análise de 30 mil documentos, é devastador. ?Esses empréstimos do Valério ao PT são um conto da carochinha?, assegurou Gustavo Fruet à DINHEIRO.

O deputado concluiu que não há qualquer documento ou mesmo indício de que Valério tenha emprestado dinheiro ao PT. Muito pelo contrário. Em vez desses financiamentos, o que houve, diz Fruet, foi corrupção pura e simples. ?O que existe são complicadas manobras contábeis para maquiar a origem suja do dinheiro do mensalão?, explica. No seu relatório, que será oficialmente entregue na segunda-feira 7, ficará nítido que o mensalão dos deputados foi financiado por esquemas de desvio de dinheiro público. E mais: estará claro que a tese de empréstimo para financiar caixa dois, que já seria crime, foi construída apenas a posteriori, ou seja, depois que o esquema do valerioduto foi descoberto. Não será a primeira farsa de Valério. Depois das revelações feitas por sua ex-secretária Fernanda Karina Somaggio, Valério disse que as malas de dinheiro e os milhões que passaram por suas contas eram fruto de negócios com bois. ?Agora acaba de cair mais uma mentira?, disse o senador Delcídio Amaral (PT-MS), presidente da CPMI dos Correios. Pressionado, Valério tem trabalhado duramente para receber US$ 20 milhões do PT e não dizer o que sabe (leia quadro abaixo).

Mais do que simplesmente constatar a farsa, o relatório de Fruet conseguiu avançar na identificação das origens do mensalão. O mais surpreendente é o envolvimento da Visanet, uma empresa de cartões de crédito que tem como acionistas o Bradesco (38,97%), o Banco do Brasil (31,99%), o ABN-Amro (14,28%) e a Visa International (10%). Embora seja uma companhia privada, a Visanet possui um fundo compartilhado voltado para investimentos em marketing e cada acionista pode gastar sua parte da maneira como bem entender. Em tese, o dinheiro deveria servir para ampliar as vendas de cartões de crédito no País. Mas o fato é que, logo no início do governo Lula, o Banco do Brasil começou a direcionar os recursos que lhe cabiam no fundo para a DNA, uma das agências de Valério, sem que houvesse serviços de publicidade correspondentes aos depósitos. No dia 4 de março de 2003, o gerente de marketing Léo Batista de Souza, do Banco do Brasil, ordenou o repasse de R$ 35 milhões à agência. No dia 12 de maio do mesmo ano, foi a vez do gerente Douglas Macedo, também do BB, repassar mais R$ 23,3 milhões ? ao todo, os dois depósitos somaram R$ 58,3 milhões (leia documentos abaixo). Nesse mesmo período, Valério depositou esses recursos nos bancos mineiros e passou a alimentar a ?conta mãe? da SMP&B no Rural, a de número 2595-2. Foi de lá que saíram os repasses para os deputados do PT e da base aliada. Os contratos de financiamento entre Valério e o PT serviam apenas para maquiar a origem do dinheiro. ?É a prova cabal de que houve uma operação triangular com o Banco do Brasil para dar lastro aos empréstimos da conta-mãe do valerioduto?, explica Fruet. O relator da CPMI dos Correios, deputado Osmar Serraglio, foi ainda mais seco e contundente. ?O Banco do Brasil desviou pelo menos R$ 10 milhões em dinheiro público para financiar o PT?, disse Serraglio.

As empresas citadas no relatório não chegaram a negar, de forma cabal, a acusação feita pelo deputado Fruet. A direção da Visanet, por exemplo, preferiu lavar as mãos. ?Os valores pagos pela Visanet à DNA referem-se à cota de incentivo que coube ao Banco do Brasil e a ele alocados para as suas ações de marketing?, disse a nota divulgada pela empresa. Um dos bancos sócios da empresa de cartões também atribuiu toda a responsabilidade ao Banco do Brasil. ?Cada um gasta a sua parte como achar melhor?, disse o banqueiro. O BB, por sua vez, informou, por meio de nota, que os valores decorrem de serviços contratados junto à DNA. No entanto, em outubro deste ano, o banco estatal decidiu acionar judicialmente a agência de Valério para cobrar R$ 9,1 milhões em razão de serviços que não teriam sido prestados. ?E eles só fizeram isso quando perceberam que o esquema da Visanet iria ser revelado?, disse o deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ). O próprio Banco do Brasil afirma, na nota oficial, que ?não compactua e condena eventuais desvios que possam ter ocorrido?. Os bancos privados, por sua vez, negam as irregularidades. O Rural informou, através de seus assessores, que os empréstimos estão registrados no BC e que estão sendo cobrados na Justiça. Sérgio Bermudes, advogado do BMG, diz o mesmo. ?Não há provas de que houve simulação de empréstimos, até porque o BMG executou o PT e o Marcos Valério na Justiça?, disse à DINHEIRO.

O fato é que o relatório do diligente e metódico deputado Fruet representa uma guinada nos trabalhos da CPI. Até agora, a versão sustentada pelo PT era de que tudo não passaria de um crime menor, o de caixa dois. Um crime que o próprio presidente Lula, numa entrevista em Paris, admitiu ser coisa corriqueira na política nacional, coisa que ?todo mundo sempre fez?. Agora, trata-se de crime do colarinho branco, com desvio de dinheiro de uma estatal, para financiar o partido do presidente e ainda a compra de apoio parlamentar. ?Os responsáveis por isso poderão cumprir pena de até quatro anos de reclusão?, disse à DINHEIRO o criminalista Luis Flavio Gomes. O primeiro nome na lista da CPMI é o de Henrique Pizzolato, que era diretor de marketing do Banco do Brasil, na época em que a estatal irrigou os cofres da DNA de Marcos Valério. ?Ele será logo reconvocado pela CPMI?, disse o relator Osmar Serraglio.

O acerto de R$ 20 milhões de Valério com o PT

Agora existem dois Marcos Valério a rondar o governo do presidente Lula. Há o Valério público. Na terça-feira 1, esse Valério desembarcou em Brasília, sorridente e cordial, a fim fornecer um roteiro de investigações aos integrantes da CPI do Mensalão. Pouco ajudou. Em Belo Horizonte, esse mesmo Valério tem se esforçado para demonstrar que estaria desesperado, sem dinheiro ? e pronto para contar tudo o que sabe às autoridades federais. Deixou que circulasse na Hípica a história de que teria sido expulso de casa por sua mulher Renilda, e que teria dormido três dias dentro de um automóvel. Ele também foi a uma rádio local contar, aos prantos, uma história trágica. Pouco antes de morrer, seu pai o teria chamado ao hospital só para dizer que ele, Valério, o teria decepcionado duramente. Curioso é que, nos bastidores, existe um outro Marcos Valério, racional, seguro e muito articulado.

Dias atrás, este outro Valério procurou o antigo sócio Cristiano Paz, da SMP&B, a fim de reclamar que o governo não o estava levando a sério, e que ainda teria poder de fogo para derrubar o presidente Lula. Na seqüência, procurou um velho amigo de Belo Horizonte, o empresário Newton Monteiro, a fim de lhe entregar uma pilha de documentos. Explicou que seriam papéis que comprometeriam tanto os caciques do PSDB quanto os do PT. Separou uma pequena parte dos documentos, que envolvia o senador Eduardo Azeredo, ex-governador de Minas e então presidente do PSDB, e pediu ao amigo que enviasse para os petistas no Congresso. Azeredo caiu. Imediatamente, a direção do PT designou o deputado Virgílio Guimarães para conversar com Valério. São velhos amigos; foi Virgílio quem apresentou Valério a Delúbio Soares. Os tucanos também se assustaram. O governador Aécio Neves entrou no circuito. Newton Monteiro, o guardião dos documentos, recebeu uma ordem de prisão por conta de processos antigos. Monteiro fez acordo com um emissário de Aécio e passou a fazer jogo duplo ?contando os passos de Valério. Na tarde da segunda-feira 31, Valério passou no escritório de Monteiro. O publicitário revelou que teria acertado com o PT receber US$ 20 milhões para ficar calado. Estava animado, sorridente. Contou também que os primeiros US$ 5 milhões já haviam chegado ao Uruguai ? e em breve entrariam no Brasil. Por isso decidir tomar de volta todos os documentos que deixara com Monteiro. E que podem logo reaparecer se houver necessidade.