09/11/2005 - 8:00
Uma fraude financeira caiu por terra na semana passada. Eis a farsa: o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, dono das agências de publicidade DNA e SMP&B, teria ido aos bancos Rural e BMG e tomado R$ 55,9 milhões emprestados. Em seguida, ele teria repassado os recursos não contabilizados ao PT para ajudar o partido a pagar suas dívidas de campanha e dos aliados, no famoso caixa dois. Lançada pelo tesoureiro do PT, Delúbio Soares, em julho deste ano, a peça de ficção ficou de pé durante 113 dias, mas desmoronou na última quinta-feira 3, quando os deputados Gustavo Fruet (PSDB-PR) e Osmar Serraglio (PMDB-PR) concluíram o segundo relatório parcial da CPMI dos Correios. O calhamaço, fruto da análise de 30 mil documentos, é devastador. ?Esses empréstimos do Valério ao PT são um conto da carochinha?, assegurou Gustavo Fruet à DINHEIRO.
O deputado concluiu que não há qualquer documento ou mesmo indício de que Valério tenha emprestado dinheiro ao PT. Muito pelo contrário. Em vez desses financiamentos, o que houve, diz Fruet, foi corrupção pura e simples. ?O que existe são complicadas manobras contábeis para maquiar a origem suja do dinheiro do mensalão?, explica. No seu relatório, que será oficialmente entregue na segunda-feira 7, ficará nítido que o mensalão dos deputados foi financiado por esquemas de desvio de dinheiro público. E mais: estará claro que a tese de empréstimo para financiar caixa dois, que já seria crime, foi construída apenas a posteriori, ou seja, depois que o esquema do valerioduto foi descoberto. Não será a primeira farsa de Valério. Depois das revelações feitas por sua ex-secretária Fernanda Karina Somaggio, Valério disse que as malas de dinheiro e os milhões que passaram por suas contas eram fruto de negócios com bois. ?Agora acaba de cair mais uma mentira?, disse o senador Delcídio Amaral (PT-MS), presidente da CPMI dos Correios. Pressionado, Valério tem trabalhado duramente para receber US$ 20 milhões do PT e não dizer o que sabe (leia quadro abaixo).
Mais do que simplesmente constatar a farsa, o relatório de Fruet conseguiu avançar na identificação das origens do mensalão. O mais surpreendente é o envolvimento da Visanet, uma empresa de cartões de crédito que tem como acionistas o Bradesco (38,97%), o Banco do Brasil (31,99%), o ABN-Amro (14,28%) e a Visa International (10%). Embora seja uma companhia privada, a Visanet possui um fundo compartilhado voltado para investimentos em marketing e cada acionista pode gastar sua parte da maneira como bem entender. Em tese, o dinheiro deveria servir para ampliar as vendas de cartões de crédito no País. Mas o fato é que, logo no início do governo Lula, o Banco do Brasil começou a direcionar os recursos que lhe cabiam no fundo para a DNA, uma das agências de Valério, sem que houvesse serviços de publicidade correspondentes aos depósitos. No dia 4 de março de 2003, o gerente de marketing Léo Batista de Souza, do Banco do Brasil, ordenou o repasse de R$ 35 milhões à agência. No dia 12 de maio do mesmo ano, foi a vez do gerente Douglas Macedo, também do BB, repassar mais R$ 23,3 milhões ? ao todo, os dois depósitos somaram R$ 58,3 milhões (leia documentos abaixo). Nesse mesmo período, Valério depositou esses recursos nos bancos mineiros e passou a alimentar a ?conta mãe? da SMP&B no Rural, a de número 2595-2. Foi de lá que saíram os repasses para os deputados do PT e da base aliada. Os contratos de financiamento entre Valério e o PT serviam apenas para maquiar a origem do dinheiro. ?É a prova cabal de que houve uma operação triangular com o Banco do Brasil para dar lastro aos empréstimos da conta-mãe do valerioduto?, explica Fruet. O relator da CPMI dos Correios, deputado Osmar Serraglio, foi ainda mais seco e contundente. ?O Banco do Brasil desviou pelo menos R$ 10 milhões em dinheiro público para financiar o PT?, disse Serraglio.
As empresas citadas no relatório não chegaram a negar, de forma cabal, a acusação feita pelo deputado Fruet. A direção da Visanet, por exemplo, preferiu lavar as mãos. ?Os valores pagos pela Visanet à DNA referem-se à cota de incentivo que coube ao Banco do Brasil e a ele alocados para as suas ações de marketing?, disse a nota divulgada pela empresa. Um dos bancos sócios da empresa de cartões também atribuiu toda a responsabilidade ao Banco do Brasil. ?Cada um gasta a sua parte como achar melhor?, disse o banqueiro. O BB, por sua vez, informou, por meio de nota, que os valores decorrem de serviços contratados junto à DNA. No entanto, em outubro deste ano, o banco estatal decidiu acionar judicialmente a agência de Valério para cobrar R$ 9,1 milhões em razão de serviços que não teriam sido prestados. ?E eles só fizeram isso quando perceberam que o esquema da Visanet iria ser revelado?, disse o deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ). O próprio Banco do Brasil afirma, na nota oficial, que ?não compactua e condena eventuais desvios que possam ter ocorrido?. Os bancos privados, por sua vez, negam as irregularidades. O Rural informou, através de seus assessores, que os empréstimos estão registrados no BC e que estão sendo cobrados na Justiça. Sérgio Bermudes, advogado do BMG, diz o mesmo. ?Não há provas de que houve simulação de empréstimos, até porque o BMG executou o PT e o Marcos Valério na Justiça?, disse à DINHEIRO.
O fato é que o relatório do diligente e metódico deputado Fruet representa uma guinada nos trabalhos da CPI. Até agora, a versão sustentada pelo PT era de que tudo não passaria de um crime menor, o de caixa dois. Um crime que o próprio presidente Lula, numa entrevista em Paris, admitiu ser coisa corriqueira na política nacional, coisa que ?todo mundo sempre fez?. Agora, trata-se de crime do colarinho branco, com desvio de dinheiro de uma estatal, para financiar o partido do presidente e ainda a compra de apoio parlamentar. ?Os responsáveis por isso poderão cumprir pena de até quatro anos de reclusão?, disse à DINHEIRO o criminalista Luis Flavio Gomes. O primeiro nome na lista da CPMI é o de Henrique Pizzolato, que era diretor de marketing do Banco do Brasil, na época em que a estatal irrigou os cofres da DNA de Marcos Valério. ?Ele será logo reconvocado pela CPMI?, disse o relator Osmar Serraglio.