20/03/2025 - 16:27
Durante muito tempo, o retrato do príncipe da África Ocidental pintado em 1897 pelo austríaco Gustav Klimt foi dado por perdido: seus rastros desapareciam depois de 1938.
A reaparição da pintura Príncipe William Nii Nortey Dowuona se tornou uma sensação no mundo da arte, assim como o fato de ela estar prestes a ser vendida por 15 milhões de euros (R$ 92 milhões) na feira de arte Tefaf, em Maastricht, Holanda.
Um casal de colecionadores levou o quadro até a galeria dos negociantes de arte vienenses Wienerroither & Kohlbacher, há 25 anos especializada em Klimt. “Foi uma grande surpresa para nós”, comenta o diretor da galeria, Alois Wienerroither.
Ele e seus sócios não reconheceram imediatamente o tesouro que estava escondido atrás da sujeira. “Nós olhamos para a pintura; ela estava suja e tinha uma moldura ruim; não parecia nada com Klimt.” Após a limpeza, ficou claro que era a pintura de um príncipe da África Ocidental, de uma região que atualmente é parte do território de Gana.
Klimt, pioneiro da vanguarda austríaca
O vienense Gustav Klimt (1862-1918) foi um dos pintores mais importantes austríacos do final do século 19. Considerado o representante máximo do estilo art nouveau vienense, ou jugendstil, seus retratos abstratos de mulheres, como O beijo e a Dama dourada são mundialmente famosos.
Em 1897, fundou com um grupo próximo de artistas a Secessão de Viena. O coletivo de 50 artistas de vanguarda queria romper com o estilo realista do historicismo e lançar uma nova estética, tendo Klimt como presidente da associação.
Durante esse período de mudança ele pintou o retrato do príncipe da África Ocidental, em estilo realista. Para Wienerroither, trata-se de um quadro fundamental: “O fundo floral da pintura já é moderno e também evoca o retrato de Sonja Knips, filha de uma família de oficiais, que ele pintou um ano depois.”
Exposições etnológicas em Viena
De acordo com as informações mais recentes, o próprio príncipe de Gana posou como modelo para Gustav Klimt, como parte de uma assim chamada “exposição etnológica”.
O zoológico no parque de diversões vienense Prater, com suas populares “exibições etnográficas”, seguia a tendência da virada do século. Representantes de outras culturas eram exibidos ou se apresentavam à força nesses shows, devido às ofertas tentadoras dos clientes.
Eventos semelhantes também eram realizados na Alemanha, por exemplo, no Zoológico Hagenbeck de Hamburgo. Os indivíduos dos grupos étnicos representados eram muitas vezes mantidos em espaços abertos, como animais num zoológico, em condições desconfortáveis e expostos à curiosidade do público. Da perspectiva atual, essas exibições eram racistas e indignas.
Como o príncipe foi a Viena para ver
Por muito tempo não ficou claro como Gustav Klimt entrou em contato com o príncipe da África Ocidental. Em 2007, o historiador de arte, fotógrafo e gerente de museu Alfred Weidinger publicou um catálogo crítico das pinturas de Klimt e descobriu que em 1897 o zoológico vienense havia convidado representantes do grupo étnico osu, da África Ocidental.
O sobrinho do rei Osu, William Nii Nortey Dowuona, foi enviado a Viena como líder do grupo. O príncipe posou não apenas para Klimt, mas também para seu colega Franz Matsch. Essa pintura está exposta no Museu Nacional de História da Arte de Luxemburgo.
História fantástica do retrato do príncipe
Após a morte de Gustav Klimt, em 1918, uma certa Ernestine Klein comprou o estúdio do artista e o converteu numa mansão. É possível que ela tenha também adquirido o retrato do príncipe num leilão em Viena, em 1923, mas isso não está documentado. O catálogo do leilão contém pelo menos uma fotografia da pintura.
Em 1928, dez anos após a morte de Klimt, a pintura apareceu numa exposição de aniversário. “Foi de lá que conseguimos encontrar o recibo de devolução”, diz Alois Wienerroither, que foi em busca da procedência da pintura. “Ernestine Klein recuperou a pintura da exposição e assinou o recibo.”
Como seu marido era judeu, a família teve que fugir dos nazistas em 1938. Adolf Hitler anexou a Áustria na “anexação” da Áustria à Alemanha. “Tudo indica que eles deixaram todas as obras para trás na casa. Quando retornaram depois da guerra, tudo havia sumido”, relata Wienerroither. Como a pintura não apareceu em nenhum leilão depois da guerra, o dono da galeria suspeita que ela tenha sido revendida.
Ao vender pinturas que foram confiscadas ou roubadas – como neste caso pelos nazistas – a origem e a procedência devem ser verificadas. Por esse motivo, Alois Wienerroither visitou os descendentes da família Klein e chegou a um acordo financeiro com eles. “Há vários herdeiros, por isso demorou muito até finalmente negociarmos um acordo.”
Visita à família do príncipe
Mas a história não termina aí: em Gana ela está apenas começando. “Neste caso, ficou provado quem é o príncipe, e eles até rastrearam seus descendentes”, conta Wienerroither. Foi uma coincidência, pois “Alfred Weidinger, que elaborou o catálogo crítico de Klimt, há anos fotografava os reis na África”.
Assim, ele também rastreou a família de William Nii Nortey Dowuona em Gana. “Ele agora está em contato com a família. É inacreditável. Aparentemente, eles ainda têm coisas que trouxeram de Viena, e elas ainda estão na família.”
Weidinger tem um encontro planejado com a família em Gana. A história da pintura de Klimt e da pessoa do príncipe da África Ocidental serão transformadas num documentário para a televisão.