01/04/2025 - 13:54
Aparentemente desempregada, Tzvetanka D. na realidade trabalhava espalhando desinformação pró-russa nas redes e nas ruas de Viena. Suas missões na Áustria envolviam também vigilância de alvos de interesse do Kremlin.Até pouco tempo atrás, os conhecidos de Tzvetanka D. estavam certos de que ela levava uma vida simples e normal. Ela emigrou da Bulgária para Viena há mais de dez anos, trabalhou como faxineira, durante algum tempo, sobre empregos subsequentes não se sabe nada.
Certo está que ela dispunha de bastante tempo livre, pois passava muito tempo nas redes sociais, onde durante anos, e com intensidade frequente, se manifestava contra as vacinas de covid-19 e a favor da política da Rússia e do ultradireitista Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ).
“Ela não parava de postar besteiras no Facebook, pró-Putin, pró-Rússia, e blá-blá-blá do gênero”, conta o também búlgaro Plamen B., que em 2015 a empregou por algum tempo em sua firma de limpeza na capital austríaca. “Mas parecia mais ser perturbada, não alguém suscetível a propaganda.”
Na realidade, ela não tinha nada de típico: em vez de ser desempregada, ao que tudo indica trabalhava como agente da Rússia, segundo divulgou em 24 de março a Diretoria de Proteção Estatal e Serviço de Informações (DNS) austríaco, sem revelar o nome da implicada. Porém mais tarde a rede britânica BBC revelou o nome.
Aparentemente a tarefa de Tzvetanka D. era propagar desinformação russa na Áustria. Para tal, por exemplo, colava adesivos supostamente pró-ucranianos contendo símbolos nazistas, a fim de reforçar a narrativa do Kremlin de que os ucranianos são nazistas.
Ela divulgava esse tipo de desinformação também online. Às autoridades austríacas admitiu que o ano em que esteve mais ativa foi 2022 – quando começou oficialmente a guerra da Rússia contra a Ucrânia. No entanto, também desempenhava missões mais complicadas.
Vigiando elementos de interesse do Kremlin
Uma delas era vigiar certos indivíduos, como o diretor do DNS, Omar Haijawi-Pirchner, o jornalista investigativo Christo Grozev e Anna Thalhammer, editora-chefe da revista semanal Profil, conhecida por suas investigações reveladoras.
“No fim do verão de 2024, recebi um telefonema do Departamento de Proteção da Constituição, revelando um plano de roubarem meu laptop e o meu celular e levá-los para Moscou”, conta Thalhammer. “Em dezembro, recebi um outro telefonema me permitindo ver os dossiês no Ministério Público. Entre os detalhes lá, estava que, de fato, a senhora D. é quem tinha me seguido durante meses.”
Tzvetanka D. deveria até mesmo filmar Grozev, que consta da lista de procurados do Ministério do Interior russo. Para esse fim, ela alugou um apartamento diante da antiga residência do jornalista investigativo em Viena.
Conhecidos contam que, com o início da pandemia, em 2020, ela começou a espalhar fake news e manipulações sobre o vírus da covid-19, e mais tarde sobre as vacinas. Isso combina com o fato de que a Bulgária é o país da União Europeia com a taxa mais baixa de vacinação, sobretudo devido a informações falsas e à desconfiança em relação a vacinas.
Provavelmente aí Tzvetanka D. chamou a atenção de uma célula russa de espiões – justo os búlgaros que foram condenados por espionagem no início de março de 2025, no Reino Unido. Todos trabalhavam para Jan Marsalek, ex-gerente da empresa fraudulenta alemã Wirecard, o qual fugiu para Moscou e de lá coordenava operações de espionagem e desinformação.
Grozev era o alvo da maioria dessas operações: segundo dados de Londres, ele deveria ser sequestrado e até morto, com a assistência de Tzvetanka D. e de uma outra búlgara. Desmascarada pela BBC, Tzvetelina Gencheva trabalhava no aeroporto de Sófia, de onde acompanhava quando e como jornalistas e dissidentes russos chegavam ou saíam.
Rede de células de espionagem saparentemente desconectadas
Anna Thalhammer, que se ocupou intensamente do assunto Marsalek, desmascarou dois ex-oficiais austríacos, Egisto O. e Thomas V., como colaboradores dos serviços russos e contatos do ex-diretor da Wirecard.
Tzvetanka D. foi recrutada por três búlgaros em Londres, entre eles a esteticista Wanja G., que alega não saber exatamente o que estava fazendo. Seu parceiro, Biser D., igualmente integrante do grupo londrino de espiões, lhe teria mentido de eles trabalhariam para a Interpol.
Segundo Wassil Hristow, presidente da Foreign Press Association London, “quem conhecia Wanja G. a descreve como uma mulher muito tranquila e ingênua”, que não se interessava por política. “Segundo vários especialistas, os serviços secretos russos recrutam de propósito gente normal, que não chama a atenção. O perfil de Wanja G. se encaixa perfeitamente”, explica o jornalista búlgaro.
Entretanto sua colega Thalhammer não crê nas alegações de Tzvetanka D. de não ter ideia do que estava fazendo. “A noção de que um espião russo capturado diria a verdade, é ridícula. Ela contou uma história totalmente do outro mundo, de que não sabia quem era eu, nem Christo Grozev, nem Omar Haijawi-Pirchner. É ridículo, correr atrás de alguém por semanas, sem supostamente saber, nem olhar no Google, quem a pessoa é.”
Os membros da célula de espionagem londrina estão esperando por suas sentenças. Tzvetanka D. está livre na Áustria, mas as investigações contra ela prosseguem. Na Bulgária, por outro lado, a outra presumível integrante do grupo, Tzvetelina G., parece estar vivendo sem ser importunada.
Anna Thalhammer frisa que isso não significa que a rede de espionagem de Marsalek esteja desmantelada: “As autoridades partem do princípio de que haja outras células. A ideia dessa construção é que, quando uma célula é desbaratada, outras continuam. Muitas vezes elas não são interconectadas, de propósito, mas operam com a mesma meta.”
É comum búlgaros estarem envolvidos: “Parece que não se trata de espiões bem treinados, mas sim de criminosos que obedecem a ordens”, explica a editora-chefe do semanário Profil. “Nas redes de espionagem russas aparecem regularmente nomes búlgaros. Existe obviamente uma cooperação entre redes criminosas da Bulgária e da Rússia.”