A paulistana Laise Taranto ficou intrigada com uma notícia publicada num jornal do Rio de Janeiro, onde mora, no final do ano passado. A reportagem dizia que um apartamento novo seria leiloado pela internet, mas por um sistema diferente do convencional. Ela acessou então o endereço na web em que a ação seria realizada, o Olho no Click. Lá, ficou sabendo que, para participar, deveria comprar créditos, vendidos a valores entre R$ 0,50 e R$ 1, que lhe permitiriam dar lances no leilão virtual. 

Pelo modelo do site, os lances sobem de centavo em centavo e são dados em prazos curtíssimos, de no máximo 30 segundos.  Quando o relógio zera, é como se o leiloeiro desse as suas marteladas para declarar o vencedor. Outra diferença em relação aos leilões comuns é que até quem não vence precisa pagar. Como se trata de uma atividade nova e arriscada na web, pois o usuário pode ter prejuízo, Laise resolveu fazer um teste, inscrevendo-se no leilão de uma tevê LCD, cujo gasto seria menor. Deu 107 lances e ficou com o aparelho, desembolsando ao todo cerca de R$ 150. Foi o que bastou para tomar coragem e partir para aquilo que realmente a interessava, o tal apartamento anunciado no jornal, que foi a leilão como resultado de uma ação de marketing da Rossi Residencial com o site. E entrou para valer. 

 

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Reputação: Bernardo Amaral (à esq.) e Patrick Wegener, do Bidshop: o site tem 380 mil usuários 

 

Ela deu 2.572 cliques, praticamente seguidos, até ser declarada a vencedora. No total, entre créditos e o arremate, ela gastou R$ 2.200 para obter as chaves do apartamento, localizado na Barra da Tijuca que custa R$ 250 mil. Foi o maior prêmio já leiloado num site desse gênero no Brasil, com dez mil participantes e 93.161 lances. Laise  quase não acreditou. ?Tirei até uma foto da tela do computador quando saiu o resultado?, diz. ?Foi pura sorte?, afirma Laise, que tem 60 anos e trabalha como assistente  pessoal de empresários e celebridades. Sorte é realmente um termo que vem a calhar quando o assunto é o leilão de centavo, mas não só: no vocabulário dessa nova febre no mercado digital também se destaca a palavra polêmica. 

 

Esse segmento reunia no Brasil cerca de 20 sites no início do ano, número que já passa de 100 atualmente, a despeito das  reclamações de usuários. Há quem tema que robôs possam ser acionados para disparar cliques, o que eleva o valor dos lances e, consequentemente, a verba recebida pelos sites. Além disso, são poucas as pessoas que se dão bem nos leilões, como Laise. Na tentativa de arrematar um produto de alto valor, os usuários podem gastar muito dinheiro na compra de créditos e depois ter de arcar com o prejuízo, caso não ganhem. 

 

É com esses recursos que os sites obtêm seu lucro e adquirem os produtos que serão leiloados. As queixas feitas por internautas no site de defesa do consumidor Reclame Aqui não param de crescer e se aproximam de um total de nove mil. ?Há todo tipo de reclamação, mas a maioria é porque as pessoas têm dificuldade de entender como funciona esse negócio?, afirma Maurício Vargas, presidente do Reclame Aqui. Apesar das críticas, trata-se de uma atividade legal,  que não pode ser definida como um jogo de azar. ?Isso porque o resultado dos leilões não é aleatório, como num sorteio, e sempre há um vencedor?, diz Victor Haikal, advogado especializado em direito digital do escritório Patricia Peck Pinheiro Advogados. 

 

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Pura sorte: a paulistana Laise Tarano deu 2.572 lances ininterruptos na web

até arrematar um apartamento novo (foto) de R$ 250 mil 

 

Analisar a reputação dos empreendedores é um caminho para evitar dores de cabeça. ?Os usuários devem pesquisar as empresas que efetivamente entregam os produtos?, afirma Bernardo Amaral, sócio-fundador do site Bidshop. Um dos principais competidores desse segmento,  no Brasil, Amaral também tenta minimizar as perdas para os usuários que participam de seus leilões permitindo a compra dos produtos leiloados por preços mais baixos, descontando o valor investido nos lances. Em funcionamento desde maio de 2010, o Bidshop já entregou mais de 15.000 itens e conta com 380 mil usuários cadastrados. A meta é obter um faturamento de R$ 12 milhões ao final de 2011. Fundada por Amaral e pelo alemão Patrick Luciano Wegener, a empresa não tem grupos investidores como sócios. 

 

Esta é, aliás, uma característica da maioria dos sites de leilões de centavo no Brasil: em sua quase totalidade, o setor é composto por empresas pequenas criadas por jovens empreendedores, muitos deles do mercado digital. O primeiro a desbravar esse nicho no mercado brasileiro foi o Olho no Click, o mesmo que leiloou o apartamento. O site está no ar desde o final de 2008, já entregou mais de seis mil prêmios e tem cerca de 850 mil usuários cadastrados. ?A intenção de montar a empresa surgiu numa mesa de bar?, diz Guilherme Pizzini, 27 anos,  que fundou o Olho No Click com mais três amigos. 

 

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Entre uma cerveja e outra, um colega de Pizzini, que se tornou sócio na empreitada, falou sobre um leilão virtual diferente que havia visto na Alemanha. Do momento da ideia ao início da operação, foi necessário bater à porta de muitos investidores e ouvir constantes negativas. Pizzini e seus parceiros resolveram, então, colocar o site no ar mesmo assim.  Em 2010, o faturamento foi de R$ 5 milhões. Para este ano, a meta é dobrá-lo.

 

A proliferação dos sites de leilões do centavo ganha força no momento em que outra sensação da internet, o mercado de compras coletivas, já atingiu o ápice e dá sinais de viver um processo de concentração. Embora não haja estatísticas sobre esse novo segmento, sabe-se que o índice de fechamento de empreendimentos é alto.  Um dado importante a se observar é que, apesar da explosão no número de sites, a audiência não acompanha na mesma proporção. No final do ano passado,  mais de 1,8 milhão de usuários acessaram os sites desse tipo. Em maio, o número caiu para pouco mais de um milhão de visitantes. ?O leilão de centavos é uma onda, mas parece um pouco menor que a das compras coletivas?, afirma Gerson Rolim, consultor da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico. ?O exemplo europeu e americano indica se tratar de um negócio lucrativo, embora de nicho?, afima.