Lula conseguiu o feito que vai marcar a era III de sua jornada como presidente. A aprovação da Reforma Tributária, uma luta que começou na transição do regime militar para a democracia, não entrou na Constituição de 1988 e atravessou governos dispostos a mudar, mas sem as condições para isso. E o feito não é pequeno. Achar um meio de convergir os interesses da cadeia produtiva e mercado financeiro, de governadores e prefeitos e de quebra acolher os desdobramentos tecnológicos da economia é um mérito e tanto.

Tudo isso sem maioria no Congresso e com a maior bancada do parlamento formada por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. Em discurso diante de um parlamento lotado, Lula exaltou, inclusive, seus desafetos. “Não precisa gostar do governo Lula”, disse na quarta-feira (20). “Guardem esta foto e se lembrem de que, contra ou a favor, vocês contribuíram para que este País, pela primeira vez no regime democrático, aprovasse a Reforma Tributária.”

A promulgação, inclusive, aconteceu um dia após o mesmo Congresso aumentar a própria autonomia e controle das emendas parlamentares, um fato que terá de ser contornado pela articulação política de Lula, que ainda não decidiu como agir. Mas a orientação para parlamentares e cúpula do governo era não tratar do assunto.

Lula sabe que toda economia sobrevive de expectativas — sejam elas boas ou ruins — e no bojo da Reforma Tributária elas estão positivas. “Neste dia 20 de dezembro eu estou extremamente feliz. Feliz porque a economia cresceu, porque a inflação está caindo, os juros estão diminuindo, o salário mínimo está aumentando”, afirmou o presidente.

Na véspera da promulgação da reforma, a agência de classificação de risco S&P Global Ratings elevou a nota de crédito de longo prazo do Brasil de BB- para BB, com trajetória estável. Segundo a nota da agência, a mudança no rating se deu pela aprovação das novas regras tributárias. “Embora seja implementada gradualmente, a reforma representa uma revisão significativa do sistema fiscal e traduzir-se-á provavelmente em ganhos de produtividade a longo prazo”, afirmou a agência em nota.

CONCESSÕES

O secretário extraordinário de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, o nome por trás do desenho da reforma, comparou o projeto que desenhou com a que foi aprovada e calcula que a eficácia do novo regime caiu de 95% para 75%. Ainda assim, vê o resultado como positivo. “As concessões feitas são parte do jogo político e, mesmo com elas, minha avaliação é que a mudança valerá seus custos”, disse à DINHEIRO. “Os benefícios para o Brasil serão maiores.”

Pelas contas do economista, a reforma, sozinha, tem capacidade de incrementar em 10% o PIB potencial. Ainda assim, mesmo que o entendimento seja de que o texto aprovado é um avanço, pede-se cautela. Para Carlos Pinto, diretor do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, apesar de ser o maior IVA do mundo, o prazo amplo de implementação, os interesses políticos que se renovam de quatro em quatro anos e as emendas complementares que ainda precisam ser validadas para sustentar a reforma precisam de atenção especial. “Precisaremos ser proativos enquanto empresários e atentos enquanto contribuintes, para que o aumento da carga tributária não seja algo incontrolável.”

De fato ainda há um caminho longo. O Congresso precisa regulamentar o cashback, ferramenta que servirá para devolver os impostos pagos para a fatia mais pobre da população. Se isso será feito via cartão de benefício social ou restituição ainda é uma incógnita. Outro ponto a ser validado pelo Legislativo são os itens que vão compor a cesta básica — e receberão isenção. Alguns defendem apenas alimentos, outros querem incluir energia, telecomunicações e saneamento. Sobre as emendas a serem realizadas, o relator do texto na Câmara, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), disse que o diálogo está aberto e o parlamento muito disposto a negociar. Lula comemora. “Essa reforma prova que temos um interesse maior que lados políticos. Então, todas as regulamentações serão feitas da melhor forma”, disse, dando outra vez sentido ao termo governo de coalizão.

Um bate-papo com Bernard Appy, secretário do Ministério da fazenda

Vitória

“Eu não sou o grande vencedor. Acho que venceu a boa política. A negociação republicana. O ministro Haddad foi de grande importância no processo, e houve uma movimentação conjunta de parlamentares de espectros políticos diferentes. Todos ganham.”

Efeitos práticos

A reforma pode elevar em 10% o PIB potencial do Brasil. Também tem capacidade, pela simplificação dos processos, de aumentar bastante o investimento estrangeiro. Isso já poderá ser sentido a partir de 2024, mas sua força virá no médio prazo.”

Gastos extras

“Certamente o maior será o do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), que passou de R$ 40 bilhões para R$ 60 bilhões. Mas estou certo de que o avanço da economia pela reforma custeia esse aumento.”

Próximo passo

“Vamos enviar os textos das emendas e regulamentações nas próximas semanas. Antes, pensava que conseguiríamos enviar no início dos trabalhos legislativos, no começo de fevereiro, mas acho que isso será difícil. É um trabalho grande, já tem bastante coisa feita, mas ainda tem bastante trabalho para fazer — inclusive, de coordenação com os outros entes da federação.”

Reforma do I.R.

Agora vamos trabalhar na Reforma do Imposto de Renda, uma medida importante para diminuir a disparidade tributária dentro do Brasil e promover, de fato, uma mudança que favoreça a transferência de renda de modo mais justo e que promova a equidade.”