O que há de comum entre as sandálias Havaianas, o Gol da Volkswagen e as novelas da Rede Globo? Simples: além de serem produtos de grande êxito, essas três criações brasileiras são também best sellers internacionais. O Gol, que neste mês comemora 4 milhões de unidades fabricadas, já é o carro mais vendido no México e na Argentina. As Havaianas, velhas de 40 anos no País, viraram um fenômeno da moda global, comercializadas por até R$ 500 o par e mencionadas no Financial Times. Já as novelas da Globo, que catalisam a audiência brasileira desde os anos 60, começam a exercer sua magia em outras paragens, convertendo-se em fonte regular de prestígio e divisas para a Globo. Constatado, porém, que a aceitação internacional existe, a pergunta permanece: por que razão esses produtos, e não outros, triunfaram no exterior? Ao conversar com as empresas e discutir com o mercado, percebe-se que há, nessas histórias de sucesso, três elementos comuns. São eles: originalidade de projeto, qualidade longamente testada e o suporte de um bom trabalho de marketing internacional. Sem isso nenhum produto vai longe no mercado externo. Mas a fórmula do sucesso parece ir além desses três elementos; ela demanda uma combinação específica que depende do tipo de produto, dos mercados e das circunstâncias. Nas próximas páginas vão narrados três casos exemplares em que se conseguiu criar a fórmula do sucesso à brasileira.

UMA IDÉIA NOS PÉS

A combinação de borracha natural e sintética das sandálias Havaianas é a mesma desde 1962. O desenho original de inspiração japonesa quase não foi modificado ao longo do tempo. O que realmente mudou de lá para cá foi que o produto caiu no gosto (e nos pés) de franceses, italianos, japoneses, australianos, americanos e ingleses ? apenas alguns dos mais de 50 países que importam os chinelos brasileiros. É um caso exemplar de marketing bem-feito. Foram 250 mil pares vendidos em 2002 e, ao que tudo indica, o número dobra até o final deste ano. A companhia já vendia no exterior desde 1999, mas o assunto tornou-se prioritário a partir de 2001, quando a executiva Ângela Hirata assumiu a direção de exportação. A São Paulo Alpargatas, fabricante das Havaianas, poderia estar exportando ainda mais se não tivesse optado por vender para um seleto grupo de consumidores: aqueles dispostos a desembolsar até R$ 500 por um par de chinelos. Desde o início Ângela teve a percepção de que as Havaianas só conseguiriam consolidar sua marca se fossem destinadas às classes A e B. ?Se a gente entrasse pela base da pirâmide o produto acabaria concorrendo com os chineses?, explica. ?Queria criar uma marca de estilo como Nike, Adidas, Gucci.?

Para percorrer o trajeto que leva dos canaviais brasileiros às vitrines internacionais, a Alpargatas precisou ir atrás de distribuidores especiais. Eles teriam de ter acesso a lojas de grife e deveriam conhecer bem os formadores de opinião de cada país. Adicionalmente ? e essa era a parte mais difícil ? precisariam ter alguma afinidade com o Brasil. Sem isso, explica a executiva, não se produziria a química necessária para abraçar o projeto Havaianas. ?Não existe fórmula mágica. É trabalho mesmo?, diz Ângela. O começo não foi fácil. Algumas lojas chiques chegaram a recusar o produto por julgá-lo inadequado ao seu público, mas a executiva tanto insistiu que levou as sandálias para as prateleiras de lojas como Galleries Lafayette, em Paris, e Saks Fifth Avenue, em Nova York. Hoje todo mundo quer as Havaianas. Sinônimo de consumo popular no Brasil, as sandálias que não têm cheiro foram parar nos editoriais de moda de publicações como Elle e Cosmopolitan. Foi o sisudo Financial Times, porém, quem resumiu em uma frase a imagem do calçado lá fora: ?A sandália de quem tem muito dinheiro e nada para provar?. Além de não soltar as tiras e não deformar, as Havaianas, quem diria, agora têm atitude.

23 ANOS DE TESTES

Todo sucesso externo começa em casa. O Gol, carro brasileiro de maior êxito no mundo, é também o mais vendido no País. Há 17 anos. Criado em São Bernardo em 1980 para atender o mercado brasileiro, o projeto de São Bernardo ganhou o mundo. É o veículo mais vendido no México e na Argentina, está sendo montado na China e, se tudo der certo, em breve vai circular também nas ruas de Moscou e Bombain. Já foram exportadas 350 mil unidades para mais de 20 países e as vendas crescem 10% ao ano. ?Em sua diversidade o Brasil é vários países em um só?, explica Luiz Alberto Veiga, projetista-chefe da Volks brasileira. ?Ao projetar para o Brasil eu já projeto um carro mundial.?

Depois de 23 anos de testes nas estradas brasileiras, com certeza o Gol atende àquelas partes do mundo em desenvolvimento que se assemelham ao Brasil. Seus habitantes precisam de um carro robusto, econômico e relativamente barato. Não adianta oferecer um carro projetado para as condições européia, mas também é inútil colocar à venda coisas como o Lada. Os carros do século 21 têm de ser bonitos, mesmo quando não são caros. Afinal, o Gol disputa no mundo com Corsas, Peugeots 206 e Clios, em uma dura competição estética. ?Levamos vantagem porque os brasileiros têm gosto apurado e nos forçam a projetar um carro competitivo?, diz Veiga. Pena que muita gente no exterior nem saiba que está comprando um carro desenhado e fabricado no Brasil. Fora da América do Sul, o Gol é apresentado como um produto global da Volks, seu carro de entrada para os mercados emergentes. ?A marca faz boa parte do marketing sozinha?, diz Leonardo Soloaga, gerente de exportações da Volks. Como os estrangeiros sempre dizem que os brasileiros podem ter qualquer cara, esse brasileiro está passando por alemão.

POLÊMICA QUE VENDE

Oano de 2002 ficará na história da Globo. Não foi mera coincidência o fato de muitos bebês americanos que nasceram no ano passado ganharem o nome de Jade, a protagonista da novela O Clone, ou de academias de Portugal oferecerem aulas de dança do ventre. A culpa é do folhetim eletrônico. A fórmula que há décadas enfeitiça os brasileiros anda mexendo fundo com os hábitos de telespectadores em outros países. ?O maior sucesso de vendas da Globo fora do Brasil foi a Escrava Isaura, que chegou a 78 países, mas nenhuma outra novela influenciou os costumes dos lugares onde foi exibido como O Clone?, diz Geraldo Casé, diretor artístico da área internacional da Rede Globo. Nos Estados Unidos, o fascínio que a novela exerceu na comunidade hispânica foi tão grande que a rede Telemundo viu sua audiência aumentar em até 78%. Pela primeira vez o canal liderou o horário nobre.

A carreira internacional das novelas brasileiras começou há 25 anos com O Bem Amado (1973), mas naquela época a Globo só exportava o produto muito tempo depois de ele ser exibido no Brasil. Hoje o folhetim começa a ser negociado lá fora assim que os quinze primeiros capítulos vão ao ar. A companhia não revela o quanto seu departamento internacional fatura, mas em 2002 foram 52 novelas vendidas, um crescimento de 6% em relação ao ano anterior.

Mas o que faz americanos, portugueses, italianos, gregos e russos consumirem um produto tão brasileiro? Para Casé, a resposta é simples: polêmica, associada, é claro, a uma boa qualidade de produção. Quanto mais pimenta, melhor. O Clone é prova do sucesso desse estilo brasileiro de telenovela, radicalmente diferente da lacrimosa receita mexicana. Quase todas as cenas de O Clone traziam discussões sobre ciência, drogas ou religião. Aliás, diz Casé, todas as novelas que se aprofundaram tematicamente ? como Terra Nostra, Escrava Isaura e Sinhá Moça, os três maiores sucessos de venda da Globo ? agradaram aos estrangeiros. O que se faz no Projac é aperfeiçoar diariamente uma fórmula televisiva universal, como a dos sitcoms americanos, sem o apoio da máquina cultural de Hollywood. Não é contracultura. É cultura na contramão, com sucesso.