O empresário paranaense Aparecido Sidney de Oliveira, o rosto mais conhecido do varejo farmacêutico no País, repete uma rotina quase diária. Na tranquilidade de sua chácara de 50 mil m² em Santa Isabel, pacata cidade a 60 quilômetros da capital paulista, “seu Sidney” – como é conhecido e gosta de ser chamado – passa praticamente todas as madrugadas sentado em frente ao computador. Raramente dorme antes das 6 da manhã, quando seus galos já estão cantando. Não se trata de insônia ou vício pelo trabalho. A prática é uma espécie de terapia para ele. Aos 59 anos, Oliveira, dono da rede de farmácias Ultrafarma, que faturou R$ 650 milhões no ano passado, costuma gastar horas a fio na internet à procura de novas músicas para seu acervo digital, no qual mantém milhares de canções que nunca chegaram a ser ouvidas por ele. 

 

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Sidney Oliveira: ”Treinei meus funcionários para que tratassem os clientes

como se fossem familiares. Quero dizer, os familiares que eles gostam”

 

Fã incondicional do cantor americano Bob Dylan (idolatrado também por Steve Jobs, o fundador da Apple), o empresário cultua na parede da sala, entre obras do artista brasileiro Romero Britto, uma pintura com a capa do disco Dylan, de 2007. O quadro é um presente do presidente da Sony Music do Brasil, Alexandre Schiavo, que recebeu uma réplica das mãos do próprio artista. “Não tenho hora para dormir. Só não posso ir para a cama sem relaxar ao som de uma boa música”, disse o empresário à DINHEIRO, em sua mansão, girando uma taça de vinho pinot noir californiano nas mãos. As descompromissadas e, digamos, relaxantes noites de Oliveira, incomuns para um empresário de sua envergadura, contrastam com a disciplina e a rigidez com que conduz a Ultrafarma, fundada por ele há 14 anos. 

 

Com apenas quatro lojas físicas, todas localizadas na avenida Jabaquara, no bairro paulistano da Saúde (qualquer semelhança do seu ramo de atividade com o nome da região é mera coincidência), ele conquistou adversários entre os concorrentes e admiradores incondicionais entre os consumidores espremendo suas margens de lucro, oferecendo remédios com preços muito abaixo da média e operando um modelo de negócio único no setor. Cerca de 70% de seu faturamento provém das vendas pela internet e por telefone, com entrega em todo o País. Resultado: Oliveira se tornou persona non grata no ramo farmacêutico, especialmente entre concorrentes e fornecedores. 

 

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A Política agressiva de preços da Ultrafarma gerou desconfiança sobre a lisura

da empresa, que conquistou as classes C e D 

 

Os laboratórios o consideram de difícil trato, segundo fontes ouvidas pela DINHEIRO. “Os fabricantes não conseguem barganhar benefícios com a Ultrafarma, como conceder mimos em troca de bons contratos”, diz o presidente de uma associação do setor, que pediu para não ter o nome revelado. “Com ele não tem conversa. O Sidney quer apenas o preço mais barato e, se não consegue com um, negocia com outro”, afirma outra fonte do ramo farmacêutico. Os remédios baratos da Ultrafarma, com descontos de mais de 80%, conquistaram a simpatia dos consumidores das classes C e D e deram ao empresário a fama de Rei das Velhinhas. Não por acaso, seu rosto, sempre sorridente, faz parte do logotipo da empresa, para personificá-la em sua imagem – uma característica comum de pequenas farmácias de bairro. 

 

“Me coloquei como garoto-propaganda para transmitir a seguinte mensagem: aqui, você pode reclamar com o dono”, afirma Oliveira, que costumava atender seus clientes pessoalmente, visitando alguns deles em suas residências, principalmente aqueles que registravam reclamações contra a Ultrafarma. “Quis abrir uma farmácia popular, focada em genéricos”, diz o empresário, nascido em Umuarama, município paranaense a 580 km da capital Curitiba, onde é considerado um ilustre cidadão. O bem-sucedido modelo de negócio criado por Oliveira não é fruto de algum toque de Midas ou algo parecido. A Ultrafarma engrenou após uma sequência de tropeços. 

 

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Vida de farmácia: Oliveira como balconista de sua primeira farmácia,

em 1972, na cidade paranaense de Nova Jerusalém 

 

Depois de montar diversas farmácias no interior paranaense e iniciar a Drogavida, em São Paulo, que chegou a ter 23 filiais espalhadas pela capital paulista, ele decidiu vender tudo. “Era muito difícil concorrer no mesmo modelo das grandes redes do setor”, afirma Oliveira, que viajou a países como Índia, Estados Unidos e Inglaterra para esculpir a Ultrafarma, uma rede especializada em genéricos, com poucos pontos de venda e empregados, além de garantir entregas na porta de casa. A reputação do dono da Ultrafarma não é resultado apenas de sua agressiva política de preço baixo. 

 

No início das atividades, nos anos 2000, Oliveira foi alvo de seus concorrentes, que o acusavam de envolvimento em casos de sonegação de impostos, fraudes na gestão de uma antiga farmácia e até de receptação de carga roubada. Grande parte das suspeitas nunca foi comprovada pela Justiça. “Se as acusações fossem verdadeiras, por que nunca me prenderam?”, diz Oliveira (leia mais na entrevista ao final da reportagem). Desde 2007, no entanto, o empresário responde a um processo de sonegação fiscal movido pela Fazenda Pública Estadual na 2a Vara do Foro de Santa Isabel, onde vive atualmente e onde está localizado o centro de distribuição da Ultrafarma. 

 

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Oliveira já prestou depoimentos, mas o processo continua em andamento e sem definição. “Não existe sonegação na Ultrafarma”, afirma o empresário. “Mas isso não diminui a minha insatisfação com a gigantesca carga tributária brasileira.” Outra acusação levantada pelos concorrentes na época da abertura da Ultrafarma foi que Oliveira teria forjado a falência de uma de suas primeiras farmácias, ainda no Paraná, para fugir do pagamento de dívidas com o Fisco e fornecedores. A manobra o teria ajudado a gerar recursos para a abertura da Ultrafarma. “Não foi nada disso”, afirma Oliveira. “Por ingenuidade e inocência, cometi erros na de venda. 

 

A falência ocorreu nas mãos dos compradores, que atribuíram a mim, por má-fé, as dívidas da farmácia.” Essas polêmicas geraram danos à imagem de Oliveira, a ponto de alguns distribuidores de medicamentos terem de esconder as negociações com a Ultrafarma das outras redes de farmácia. “Os fabricantes vendiam para distribuidores sabendo que o remédio ia para a Ultrafarma, mas escondiam isso para não se indisporem com os grandes varejistas”, afirma Lourival Stange, consultor da área farmacêutica. “Os laboratórios se faziam de cegos.” Procurados, laboratórios como Roche, EMS, Medley e Pfizer não quiseram comentar o assunto ou seu histórico com a Ultrafarma. 

 

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“Ligue agora”: a Drogavida, rede de farmácias de Oliveira antes da Ultrafarma, nos anos 1990,

já usava a estratégia de vendas a distância e marketing agressivo

 

Atualmente, o rei dos remédios tem a imagem polida ao aparecer frequentemente ao lado de artistas famosos, como o cantor Roberto Carlos. Ele ainda atrai interessados em comprar ou promover uma fusão com sua empresa. “As acusações são inveja de quem não teve as mesmas ideias dele”, diz Deusmar Queirós, presidente da rede cearense Pague Menos, a quarta maior do País. No fim de 2011, as duas companhias ensaiaram uma fusão, mas as negociações não avançaram. Para Queirós, a união poderia ser uma alternativa estratégica de crescimento, para os dois lados, em um mercado em forte consolidação. Nos últimos anos, esse processo se acelerou. 

 

A Drogaria São Paulo se uniu à Pacheco e a Droga Raia se juntou à Drogasil, e houve várias outras pequenas fusões Brasil afora. “Não chegamos às vias de fato, mas ele é o melhor nas vendas a distância e eu nas lojas físicas”, afirma Queirós. “A fusão faria todo sentido.” Com um modelo de negócio baseado na obsessão pela redução de custos, a Ultrafarma conseguiu ganhar escala. Apostando na quantidade, os preços praticados puderam ficar ainda mais baratos. “Decidi enxugar minha margem, gastar menos em lojas e ganhar no volume”, afirma Oliveira, que atende 25 mil clientes por dia – 15 mil deles pelo sistema de entregas. 

 

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Desses atendimentos em domicílio, a grande maioria é para idosos. “Não existe nenhum milagre no meu negócio. É logística. Eu reduzo custos e, com isso, reduzo o preço para o meu cliente.” Isso explica, em parte, por que a empresa mais que triplicou seu faturamento nos últimos oito anos. Em 2006, as vendas somaram R$ 180 milhões. No ano passado, embaladas pelo bom momento do varejo farmacêutico, ultrapassaram a marca de R$ 650 milhões, segundo Oliveira. Nesse mesmo período, as vendas do setor cresceram 250%, para R$ 28,7 bilhões em 2013. Pai de dez filhos em três casamentos, Oliveira focou a Ultrafarma no público da terceira idade devido a uma experiência familiar que o marcou. 

 

A afinidade com os idosos vem do tempo em que ele mesmo cuidava de seu avô Messias de Oliveira, falecido em 1974 e que dá nome à chácara onde o empresário mora. “Era muito apegado a ele na infância e percebi, quando ninguém mais queria cuidar dele, quanto ele precisava de companhia”, afirma. Seguindo essa premissa, todos os entregadores da Ultrafarma cumprem a mesma cartilha. A intenção foi criar vínculos com os idosos e, quando necessário, ajudá-los em suas atividades – nas notas fiscais, é normal virem adendos com pedidos como troca de lâmpada ou para ajudar no cuidado do cachorro da casa. Esse envolvimento gerou uma fidelidade ainda maior de seus clientes, muitos deles integrantes da chamada “nova classe média”. 

 

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A lealdade dos seus clientes, de acordo com o professor de marketing do Insper, Danny Claro, gera ainda mais força para a empresa. “A Ultrafarma chegou a um ponto em que muitos queriam ter chegado.”Oliveira não seguiu a trilha de muitos empresários e executivos de sucesso: a do menino pobre que batalhou por uma bolsa de estudos em uma faculdade que o preparou para entrar numa grande empresa. Na verdade, ele nunca pôs os pés numa sala de aula. Alfabetizou-se nos livros do Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização), programa do governo federal criado em 1967 para alfabetização de jovens e adultos.

 

No entanto, a educação formal precária não o impede de aproveitar seu carisma com o público e aventurar-se pelo mundo literário. No dia 10 de fevereiro, a Livraria Cultura, no Conjunto Nacional, em São Paulo, estava lotada para o lançamento do autor, que autografava vários exemplares de sua obra Só é feliz quem quer. Mais parecendo um popstar do que propriamente um empresário do ramo farmacêutico, Oliveira demorava vários minutos a cada livro assinado, sempre conversando com seus convidados, na sua grande maioria clientes. “Ele é muito querido”, afirmou, com seu livro nas mãos, a dona de casa Lúcia Ferreira, 57 anos, que gasta R$ 60 todos os meses na Ultrafarma. 

 

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Oliveira virou celebridade popular ao patrocinar programas de tevê

e aparecer com Lima Duarte, Roberto Carlos e Hebe Camargo

 

PORTA EM PORTA Muito além do foco com os consumidores da terceira idade, o empresário afirma que irá alçar voos mais altos em 2014 e, quem sabe, incomodar outras grandes empresas num setor diferente. A Ultrafarma irá investir R$ 80 milhões neste ano para alcançar um crescimento estimado em 15%. Metade da quantia será destinada às vendas de porta em porta da Rahda, marca de cosméticos, higiene pessoal e alimentos funcionais de Oliveira. A estratégia é fazer da Rahda uma concorrente de gigantes das vendas diretas como Natura, Avon e Jequiti, do Grupo Silvio Santos, mas seguindo os padrões da Ultrafarma, com preços bem mais em conta do que as rivais. 

 

Outros R$ 30 milhões continuarão sendo investidos em publicidade, seja nos programas de auditório na televisão aberta, seja na programação exclusiva da Ultra­farma e de Oliveira, nas manhãs de sexta e sábado na RedeTV!, e nas madrugadas da TV Gazeta, de São Paulo. Católico fervoroso, crismado e batizado, como gosta de lembrar, o empresário diz não temer que sua ligação com a religião possa ser um empecilho na conquista de novos clientes. “Ateu, evangélico, muçulmano. Todos querem remédios mais baratos.” Os restantes R$ 10 milhões estão reservados para a construção de uma megaloja de 8 mil m² no mesmo bairro da Saúde, uma área um pouco maior do que a de um campo de futebol oficial. 

 

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“Vamos fechar as nossas quatro lojas no bairro e fazer o maior empreendimento de medicamentos do mundo”, afirma Oliveira. “Já temos o terreno. Quando a prefeitura aprovar o projeto, iniciaremos a construção.” Para o analista do setor de saúde do Banco Fator Pedro Zabeu, a estratégia vai na contramão do mercado, que ainda depende da presença dos clientes nas farmácias devido à apresentação de prescrição médica em diversos remédios. “Apesar de a Ultrafarma vender muito na internet, o modelo a ser seguido é o tradicional.” Oliveira, no entanto, está longe de ser um empresário convencional. 

 

Durante a sessão de fotos realizada na Ultrafarma para esta reportagem, o empresário foi abordado duas vezes por clientes. Na primeira, recebeu os cumprimentos de um rapaz cadeirante, que deixou de reclamar da ausência de rampas na farmácia para agradecer os mais de R$ 8 mil reais economizados nos últimos cinco anos. Mais tarde, recebeu a reclamação de uma cliente, que teve de comprar um colírio na rival Farma Conde, pois não encontrava o produto na loja de Oliveira havia dois meses. “Como assim? Qual é o laboratório? Jane, isso é inadmissível”, disse Oliveira para sua secretária. “Me dá um minuto para respirar e fazer a foto.” Poucos dias depois, o produto já estava novamente nas gôndolas.

 

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“Se as acusações são verdadeiras, por que nunca me prenderam?”

 

O empresário Sidney Oliveira recebeu a DINHEIRO sem fugir de temas polêmicos. Confira trechos da entrevista: 

 

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Por que muitos concorrentes não gostam do sr. e do seu negócio?

Como apostei nos genéricos num momento em que ninguém acreditava neles, e os grandes laboratórios e varejistas faziam lobby contra os produtos, me viram como uma ameaça. Decidi vender para as classes C e D a preços baixos e obtive sucesso nisso.

 

Mas acusam o sr. das mais diversas irregularidades, desde sonegação até receptação de carga roubada. 

Estou na televisão a todo momento, inclusive em programas ao vivo. Se as acusações são verdadeiras, por que nunca me prenderam? Há alguns anos, durante o programa do Ratinho, no SBT, teve uma ligação anônima de um delegado. Falei para me levarem de camburão ao vivo e não aconteceu nada.

 

E como o sr. consegue cobrar tão mais barato nos medicamentos que vende?

Tenho quatro lojas em vez de mil, como meus concorrentes. Não preciso gastar dinheiro com aluguel, com tantos farmacêuticos, com estrutura dos estabelecimentos e repasso toda essa economia para o meu cliente. Prefiro faturar mais vendendo com preços baixos. Ganho na quantidade e no sistema de entrega funcional.

 

Esse é o segredo da Ultrafarma?

Sem dúvida, vender por um preço que as pessoas possam pagar e atender bem os clientes.Treinei meus funcionários para que tratassem os clientes como se fossem familiares. Quero dizer, os familiares que eles gostam. No começo, também, eu atendia às reclamações uma a uma. Chegava a andar de táxi o dia inteiro, visitava outras cidades e batia de porta em porta. As pessoas se surpreendiam com o meu comportamento e esse foi o meu diferencial.