29/06/2005 - 7:00
Quem freqüenta a praia de Mongaguá, no litoral sul de São Paulo, nem imagina que entre os peladeiros de final de semana está um dos donos do Laboratório Aché, o empresário Victor Siaulys. É difícil imaginar também que foi em um desses ?rachões? na areia que ele fez um dos gols mais importantes em sua trajetória profissional: descobriu o que viria a ser o antiinflamatório Acheflan, previsto para estrear no mercado em julho e tido pelo grupo como um potencial campeão de vendas. Corria o ano de 1989 quando Siaulys, dono de uma lesão recorrente no joelho, ouviu de um companheiro de time que existia uma erva milagrosa capaz de curar qualquer contusão. Bastava lambuzar o local machucado com a pasta dessa planta, que a dor desapareceria rapidamente. “Era uma maravilha”, conta, hoje, o dono do Aché. ?Na segunda-feira, eu estava novinho em folha?. Pois Siaulys resolveu estudar a “maravilha”. Aplicou R$ 100 milhões, firmou acordo com os departamentos de pesquisa da Unicamp, USP, Universidade Federal de Santa Catarina e Universidade Federal do Rio de Janeiro, esperou 16 anos e, voilà, transformou a Cordia verbenacea (esse é o nome da planta) em pomada. Além de ter descoberto um remédio que poderá render faturamento anual de R$ 1 bilhão ? o que na linguagem farmacêutica significa um produto “blockbuster”? Siaulys e sua empresa fizeram história. O Acheflan é a primeira droga totalmente brasileira. Ou seja: foi desenvolvida desde a identificação da molécula na planta, passando pela descoberta do princípio ativo, até a criação do medicamento. ?O trabalho deu tão certo que hoje temos doze remédios sendo pesquisados da mesma forma?, afirma Siaulys.
A descoberta de uma droga cuja base é uma planta e não uma molécula sintética coloca a empresa na rota dos fitomedicamentos, um mercado que movimenta US$ 21,7 bilhões no planeta. ?É um mundo novo para as farmacêuticas brasileiras. As multinacionais do setor não sabem trabalhar com plantas. E nós temos problemas com os remédios sintéticos, pois não há uma produção de matéria-prima em larga escala por aqui?, explica Siaulys. O Acheflan, contudo, é só uma gota no oceano de boas notícias da corporação, que tem boa parte de suas vendas de R$ 920 milhões ancoradas em remédios similares (os genéricos de marca).
Uma das alternativas para financiar o crescimento na área de fitomedicamentos é lançar ações na bolsa de valores de São Paulo. Siaulys não definiu prazo nem formato da operação, mas não deverá fugir muito do tradicional. Em geral, os controladores fazem uma oferta pública de aumento de capital e diminuem, de forma igualitária, a participação de cada um na empresa. ?O Aché tem tamanho, história e maturidade suficientes para lançar ações?, afirma Carlos Alberto Bifulco, consultor financeiro da BA Associados. ?Mas se for ao mercado agora corre o risco de perder dinheiro?. Ele se refere à crise política do governo, que poderá mexer com o humor dos investidores e derrubar os papéis na Bovespa. ?É melhor esperar um pouco mais?, sugere o consultor.
Enquanto aguarda dias melhores nos pregões, o laboratório reabre a temporada de compras no mercado e promete, em breve, adquirir um rival. Só não dá pistas sobre o nome do alvo, embora analistas do setor apostem todas as fichas na Biosintética como a mais provável presa do Aché. Omilton Visconde Júnior, presidente da Biosintética, já havia revelado a DINHEIRO sua disposição em discutir associações com outras empresas. “Nossa ida à bolsa é uma forma de perpetuarmos a empresa e nos alinharmos ainda mais com as regras do BNDES, porque o banco tem nos dito que nós somos um agente consolidador da indústria farmacêutica no Brasil”, conta Siaulys. De fato, o BNDES elegeu os fármacos como uma das prioridades da política de desenvolvimento industrial no governo e o maior laboratório nacional tem tudo para capitanear esse movimento.
A julgar pelas reformas que estão sendo feitas na única fábrica do grupo, em Guarulhos (SP), a aquisição é iminente. A empresa vai gastar R$ 50 milhões para elevar a capacidade de produção das atuais 150 milhões para 250 milhões de unidades. “O processo deverá ser concluído no decorrer de 2007”, conta Elói Bosio, presidente do Aché. Por que tanto esforço se o Aché só utiliza 70 milhões de unidades por ano? A ampliação, segundo os diretores, facilitará a incorporação de fábricas que vierem com as aquisições. A idéia é centralizar toda a produção em Guarulhos. E além das prováveis aquisições, a unidade terá que estar pronta para atender a demanda pelo Acheflan ? que em 2008 será vendido também sob a forma de comprimidos. Há ainda o pedido de patentes na Europa e nos EUA. A erva de Mongaguá, quem diria, vai correr o mundo.
Da floresta à indústria
1989
Aché dá início aos estudos sobre
a planta Cordia verbenacea
1996
A Lei de Patentes é implementada no Brasil e abre espaço para o aumento de pesquisas com plantas
1998
O Aché aplica R$ 100 milhões e firma acordo com USP, Unicamp, UFRJ e UFSC
Junho de 2005
O Acheflan é lançado no Brasil. E já há planos para vendê-lo nos EUA e Europa