08/02/2006 - 8:00
Uma cesta de adjetivos sempre é despejada quando há menções ao nome do empresário Nelson Tanure: polêmico, frio, calculista, implacável. A imagem sugerida por essas qualificações se desfaz quando Tanure, 54 anos, entra sorrindo, cumprimenta as pessoas e, com um gesto largo, indica a parede de vidro da sala, que emoldura o principal cartão postal do Rio de Janeiro, o Pão de Açúcar. ?Eu sento de costas para a janela, senão não me concentro no trabalho?, brinca ele. A partir daí, e durante as mais de duas horas de conversa com a reportagem da DINHEIRO, ele se mantém calmo e cordial. Às vezes, diante de um assunto mais incômodo, levanta-se, coloca as mãos nos bolsos e continua falando, enquanto caminha paralelamente à imensa janela. Nem mesmo nos momentos em que fala de seus desafetos, o tom de voz se altera. De tempos em tempos, lança mão de filósofos e escritores, como Niestszche e Shakespeare, para explicar alguns de seus conceitos no universo corporativo. ?A leitura é uma de minhas paixões?, diz ele. Todos os dias ele dedica algumas horas aos livros. Outras duas são dedicadas à audição de música clássica de seu acervo de cinco mil discos ? parte deles oriundos da discoteca que pertencia ao ex-ministro Mário Henrique Simonsen. Onde ele arruma tempo? ?Não tenho uma rotina de trabalho sufocante?, diz ele. ?Parte da semana, passo em minha casa em Petrópolis. Já não trabalho em demasia.? Nos últimos 30 anos, Tanure ergueu um império empresarial colecionando companhias com marcas consagradas e finanças estraçalhadas. Em seu portifólio, há ícones dos mais diversos setores, como os diários Jornal do Brasil e Gazeta Mercantil, a operadora portuária Docas e o Estaleiro Verolme. Juntas, lhe proporcionam um faturamento anual de US$ 400 milhões. Seu mais recente alvo foi a Varig ? numa tentativa que acabou frustrada. Na entrevista a seguir, Tanure conta detalhes dessa operação e fala de seu modelo de fazer negócios.
Dinheiro ? O sr. atua no setor de estaleiros e de comunicação. Por que, então, comprar a Varig?
Nelson Tanure ? Eu não gosto de lugar-comum. De tempos em tempos, surge uma nova expressão, como core business, segundo a qual só pode se dedicar a um negócio. Não aceito isso. Conheço grupos empresariais totalmente diversificados. A maior salsicharia da Alemanha pertence à Volkswagen. A Mitsui, uma das maiores tradings do mundo, é grande fabricante de chá.
O sr. carrega a imagem de comprar empresas em dificuldades financeiras e necessariamente não as recuperar?
As empresas que comprei estão aí, funcionando, o que prova que essa afirmação é falsa. Eu gosto de pegar uma empresa em dificuldades, estudar as causas da situação, refletir e desenvolver um plano de recuperação. Sou o empresário brasileiro que mais entende de crises. Eu sinto os problemas pelo cheiro, andando pelos corredores. O lendário investidor Franklin Templeton tinha uma expressão legal: ?o melhor negócio do mercado é o pior negócio?. Nietzsche (o filósofo alemão Friedrich Nietzsche) disse que ?lá onde mora o perigo também mora a salvação?. Há certos pontos em comum entre empresas em dificuldades. A crise sempre tem origem em conflitos, sejam familiares, societários, mercadológicos. Outro ponto: todas elas têm uma grande dependência do Estado.
Mas o sr. acaba de ganhar quase R$ 190 milhões em um processo contra a Petrobras, uma estatal.
Não foi agora. Ganhei há algum tempo e já recebi o dinheiro. Mas a história se arrastou por 12 anos.
E o que deu errado na tentativa de compra da Varig?
A principal pré-condição era fazer um pacto de entendimento entre todas as partes que se digladiam na empresa. Fracassei nesse intento. Venceu a insensatez. Pegaram meu plano de compra e o contrato e os entregaram para os credores para que estes o aprovassem. É como pedir aos porcos que cada um contribuísse com duas pernas para que o frigorífico fosse salvo.
De onde veio a maior resistência?
A Varig está repleta de consultores, auditores, advogados. Esses caras criaram micro-feudos. A última coisa que eles querem é vender a empresa e perder o status quo. Eu era uma ameaça. Perdi para essa plêiade de intermediários. Trabalhei um ano e meio nisso e me sinto frustrado.
O sr. deu um adiantamento?
Dei, mas devolveram. Eles são honestos. Todos são muito honestos.
O sr. desistiu de vez da Varig?
Da Varig, sim. Das duas subsidiárias (VarigLog e VEM), não. Entrei na Justiça para barrar a venda para a TAP e o fundo americano Matlin Patterson. A lei não permite que estrangeiros tenham mais de 20% de companhias aéreas. Fui claro na assembléia dos credores que lutaria por elas até o fim. Nós oferecemos um valor maior e não deixaram que comprássemos as duas empresas. Alegaram que faltava uma carta, uma besteirada sem tamanho. O Fernando Pinto, presidente da TAP, foi presidente da Varig. Eles são muito íntimos.
O sr. planejava usar o mesmo modelo do Jornal do Brasil e na Gazeta Mercantil, separando ativos e passivos e ficar com os ativos?
Besteira. O modelo não se encaixa na Varig. É uma concessão pública, o governo não deixaria. Expus o plano publicamente, mas as pessoas não lêem e aí cria-se essa coisa tão brasileira que é superficialidade de análise, uma leviandade em tratar de assuntos sérios.
Os funcionários da Varig temiam que houvesse uma reestruturação na Varig semelhante à do Jornal do Brasil e da Gazeta Mercantil, com muitos cortes de pessoal.
Investimos US$ 60 milhões nas duas empresas em cinco anos. Aquilo deixou de ser um partido político e passou a ter uma cultura empresarial. A Gazeta Mercantil tinha 18 correspondentes no exterior. Quanto custa isso? Em 1996, o jornal tinha 48 diretores ganhando US$ 20 mil por mês. As duas empresas estavam quebradas. Repito, quebradas. Hoje, os jornais circulam diariamente como deve ser. Acredito que é a empresa mais rentável do setor. Agora, vamos modernizar o Jornal do Brasil, com novas contratações, um novo desenho gráfico.
Os sindicatos dizem que os passivos trabalhistas não são pagos.
Isso é um absurdo, uma leviandade. A empresa já teve mais de quatro mil processos trabalhistas. Hoje são 600. Há lentidão na Justiça e esses processos estão nas mãos de advogados que não têm interesse em fazer acordos. Eles pedem valores aos quais seus clientes não têm direito.
Dizem que o melhor negócio de sua vida
foi a venda do Banco Boavista para o Bradesco, no qual o sr. tinha uma parcela inferior a 1%, que lhe valeu US$ 70 milhões.
É o que falo de conflitos. As pessoas que compraram o banco de mim e, três anos depois, venderam ao Bradesco, foram arrogantes, orgulhosas, não quiseram o diálogo.
Quem são eles?
O grupo português Espírito Santo e o grupo Monteiro Aranha, do Olavo Monteiro de Carvalho. Eles falam que eu tinha uma participação ínfima do capital e, mesmo assim, ganhei muito dinheiro. Quando falam isso, agem de má fé. A Cia Docas era dona de 90% do capital do banco. Eles se aproveitaram de um momento ruim e chamaram o Banco Central. O BC tinha um diretor de fiscalização que era um terror, o Cláudio Mauch. O mercado tinha temor desse homem. Recebemos uma carta do BC dizendo que se, em dez dias, não vendesse o controle eles fariam a intervenção. O banco foi vendido para o Bradesco por R$ 1. Sabe quanto o banco tinha em caixa? US$ 400 milhões. Fui até eles e disse: ?o que vocês fizeram foi um absurdo, um estupro?. A resposta: ?saia daqui?. Então, como ainda tinha algumas ações, questionei a venda como minoritário.
Fotos: Ana Paula Paiva e | |
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?O Cláudio Mauch , do BC, era um terror. Mandou uma carta para o Boavista dando dex dias para o banco ser vendido” | |
O sr. utiliza o conflito como estratégia de negócios?
Eu sou um cara que não gosta de briga. Não tenho espírito belicoso. Mas quando entro numa briga, minha reação é desmesurada, reconheço.
O sr. também brigou com Daniel Dantas, dono do Banco Opportunity.
Tentamos fazer coisas juntos. Ele é o campeão do raciocínio matemático. Para ele, o mundo se resume a uma sucessão de causas e efeitos, sem nuances. Ele ultrapassou todos os limites. Grampeou meus telefones, pegou minha declaração de imposto de renda. A sensação de impotência é enorme. Mas ele deve ter grande arrependimento.
Por quê?
Porque expôs uma pessoa, não ganhou nada com isso e ficou com um inimigo.
Dessas situações é que surgiu sua imagem de polêmico?
Correr riscos não é bem visto no Brasil. A cultura é do empreguismo e do cartório. A sociedade é muito condescendente com o fracasso e, principalmente, com o fracasso dos herdeiros. Vi muitos sucessores dilapidarem o patrimônio familiar e … tudo bem. Não sou herdeiro, tenho origem modesta. E a elite é cruel com o sucesso de pessoas de origem modesta. De certa forma, é o mesmo caso do Lula.
O sr. acha que os problemas que ele enfrenta se devem à sua origem?
A elite nunca absorveu o Lula. Ele teve de implantar uma política ortodoxa porque era a única maneira de se manter no poder. O nível de preconceito era muito grande.
O sr. votará no Lula este ano?
Eu tive simpatia pelo Lula e seu governo até ele assumir. Quando abraçou uma ortodoxia que até os ortodoxos consideram ortodoxa demais, eu não gostei. Preferia votar no Lula que tivesse um plano de governo voltado para o crescimento do País e com compromisso de implantá-lo.
O sr. pensa em se aposentar?
Tenho pensado no futuro. Li textos de São Paulo e Santo Agostinho e eles dizem que a fé sem ação é nada. Mas não pretendo trabalhar até o fim da vida.
Quais seus planos?
Eu gostaria de ensinar, dar aulas. Acho que a juventude atual deveria ler Shakespeare, que na minha opinião ?inventou? o ser humano. A sabedoria humana é muito mais profunda do que esse sistema matemático que predomina hoje. Os jovens possuem uma lógica aritmética perfeita, mas o ser humano não pode ser limitado a isso. Vivemos a era da cultura binária, o império dos métodos quantitativos.
Sua empresa está preparada para sua ausência?
Eu sempre trabalhei e tomei as decisões sozinho na minha sala. Não consigo trabalhar em equipe, embora saiba a importância fundamental de possuir um time competente e talentoso. Nunca participo das reuniões da diretoria, se não elas se estenderiam por horas, porque eu provocaria polêmica atrás de polêmica.