15/04/2011 - 6:00
DINHEIRO ? Qual é a proposta conjunta que Brasil e França devem levar ao G20?
BRUNO LE MAIRE ? Existe uma ideia comum, e eu pude constatar isso em conversa com meu colega brasileiro, o ministro Wagner Rossi. Brasil e França estão em sintonia quanto à necessidade de uma reorganização global da agricultura. Tanto o Brasil quanto a França querem mais transparência sobre os estoques, uma coordenação e articulação maior entre os membros do G20, mais apoio para os países em desenvolvimento e uma maior regulação sobre os mercados financeiros que lidam com commodites agrícolas.
DINHEIRO ? Como seria essa regulação do mercado financeiro?
LE MAIRE ? É uma regulação, não se trata de controle de preços. Somos contrários ao controle de preços. E ficamos satisfeitos quando os preços estão em alta, porque isso significa uma boa remuneração para os produtores. Mas hoje existe sim uma parte da alta de preços que é devida à especulação no mercado, e isso deve ser regulado.
“O Brasil entendeu que não queremos controle de preços e está alinhado com nossas propostas para o G 20.”
Wagner Rossi, ministro da Agricultura, apoia proposta da França, diz Le Maire
DINHEIRO ? O Brasil se opôs quando o sr. e o presidente Nicolas Sarkozy falaram em controle em outras ocasiões, porque o governo brasileiro entendeu que se tratava de interferência nos preços. Isso ficou resolvido agora?
LE MAIRE ? Sim, realmente houve uma incompreensão, e o motivo da minha visita era desfazer esse mal-entendido. No passado a União Europeia (UE) tentou controlar os preços e não funcionou. O que queremos evitar, e nisso estamos alinhados com o governo brasileiro, é a volatilidade excessiva das cotações. Quando isso acontece, há instabilidade para os produtores.
DINHEIRO ? A situação de hoje é menos de volatilidade e mais de alta sustentada, o que é bom para os países exportadores, mas é ruim para os importadores. Como compatibilizar esses interesses no G20?
LE MAIRE ? O Brasil é um grande exportador. Enquanto o Brasil exporta para o mercado europeu US$ 20 bilhões em produtos agrícolas, a Europa exporta para o Brasil US$ 2 bilhões, um décimo daquele valor ( no cômputo geral, incluídos produtos industrializados , o Brasil exportou US$ 43 bilhões em 2010 para a UE, e importou US$ 39 bilhões). Consi-dero que o equilíbrio entre países exportadores e importadores pressupõe um mínimo de estabilidade e previsibilidade. É o que queremos construir dentro do G20. Não defendemos preços baixos, o que seria ruim tanto para os produtores brasileiros quanto para os franceses. Nas exportações brasileiras, os produtos agrícolas somam US$ 72 bilhões. A França também exporta bastante, US$ 13 bilhões. Não queremos preços baixos, mas evitar o efeito ioiô.
“É preciso acabar com o efeito ioiô nos preços agrícolas” Plantação de soja no Brasil:
commodity está sujeita às variações do mercado internacional
DINHEIRO ? De que maneira essa regulação vai evitar isso?
LE MAIRE ? O primeiro ponto é a transparência dos estoques. Isso é importantíssimo. Os mercados têm reações muito exageradas justamente porque não sabemos qual é o estoque existente. Nesse aspecto, o Brasil é um exemplo a ser seguido, porque é um dos países mais transparentes em relação aos seus estoques. O segundo ponto é o desenvolvimento de um instrumento de coordenação e alerta rápido, que ficaria com a FAO (agência de agricultura e alimentação da ONU). Por exemplo, se a Rússia decidisse suspender a exportação de trigo, outros países poderiam se reunir rapidamente e tomar uma decisão de suprir esse abastecimento. O terceiro instrumento importante é o apoio aos países em desenvolvimento. Temos de aumentar a capacidade de armazenamento regional e limitar as restrições às exportações para os países em desenvolvimento, para evitar que sejam prejudicados em caso de mudanças no mercado. Seria um mecanismo voluntário, um compromisso político entre os membros do G20. E o quarto é a regulação dos mercados. Queremos fazer um acordo de aumento da produção mundial para levar à reunião do G20 em junho, na França.
DINHEIRO ? Onde há espaço para aumentar a produção? Na África ou em outras regiões também?
LE MAIRE ? Os grandes produtores têm a obrigação de aumentar sua produção e ao mesmo tempo respeitar o meio ambiente, alternar as terras, etc. Mas temos também a responsabilidade de desenvolver uma agricultura autônoma nos países em desenvolvimento, sobretudo na África. Nesse ponto também o Brasil e a França estão em sintonia.
DINHEIRO ? Qual é a sua expectativa para a realização de um acordo sobre esses pontos na reunião de junho?
LE MAIRE ? Acho que até lá os membros do G20 já terão chegado a um consenso. Ainda temos muito trabalho a fazer, convencer alguns membros do grupo. Vou me dedicar 100% a isso até lá. É da nossa responsabilidade obter soluções concretas. Ainda vou aos Estados Unidos e à China.
DINHEIRO ? O sr. acha que o Brasil já está alinhado com essas propostas?
LE MAIRE ? O ministro Wagner Rossi disse que sim.
DINHEIRO ? Qual o efeito da China para o mercado mundial agrícola?
LE MAIRE ? A China tem um problema específico e é preciso respeitar isso, que é o de alimentar 1,2 bilhão de pessoas. É a preocupação principal da China e é legítima. O meu objetivo é fazer com que nossos parceiros chineses compreendam que essa é uma maneira de eles conseguirem a própria segurança alimentar.
DINHEIRO ? Na alta anterior à crise financeira de 2008, falou-se muito que o crescimento chinês era responsável pelo aumento de preços. O sr. acha que realmente foi isso que aconteceu? O que mudou de lá para cá?
LE MAIRE ? Não acho que a China seja a responsável pelo aumento dos preços. É um problema mundial. Temos uma população global que vem aumentando e cujos hábitos alimentares mudam rapidamente. Todos os especialistas concordam que é preciso aumentar a produção mundial. Há dez anos, a produção crescia 3% ao ano: havia, então, um problema de distribuição, mas não de produção. Hoje a produção aumenta 1,5% ao ano. Faltam terras, os agricultores estão indo para as cidades e o rendimento não é mais o mesmo. O resultado é que surgem tensões muito fortes nesses mercados e vão continuar. É mais um motivo para termos uma melhor organização dos mercados agrícolas. Não é possível que um mercado tão estratégico seja hoje tão mal estruturado. É responsabilidade de todos nós trabalharmos para dar mais estrutura a esse mercado. Não posso prever o que vai acontecer nos próximos anos, mas especialistas dizem que esses mercados devem continuar se ampliando. Minha responsabilidade como político é não fazer falsas promessas, mas criar instrumentos para lidar com essa expansão. Temos que antecipar as medidas.
DINHEIRO ? Os produtores brasileiros reclamam que a França e outros países europeus colocam exigências fitossanitárias que funcionam como uma barreira disfarçada para o acesso ao mercado europeu. O sr. vê essa situação mudando nos próximos anos?
LE MAIRE ? Gostaria de acabar com algumas ideias preconcebidas. A França não é protecionista. A França não cria barreiras à importação de produtos do Brasil ou de outros países. Os números de importação do Brasil são uma prova disso. O que queremos é reciprocidade, esse é o nosso princípio básico. As exigências que eu faço aos meus pecuaristas, aos meus produtores de leite, também são feitas aos exportadores. Essa reciprocidade é importante para os produtores franceses, mas também para os consumidores franceses.
DINHEIRO ? Os produtores brasileiros reclamam dessas regras e também dos subsídios concedidos pelo governo francês.
LE MAIRE ? Nesse ponto também temos de ter cuidado, porque pode existir um certo preconceito. A União Europeia não dá subsídio direto para a renda dos agricultores. Essa parte está evoluindo. Damos subsídio para quem respeita o meio ambiente, a organização territorial da produção agrícola e as regras sanitárias. A França é um país aberto, desde que haja respeito às regras.
DINHEIRO ? Brasil e França adotaram caminhos opostos em relação aos transgênicos. O sr. acha que o Brasil ganha ou perde mercado na Europa ao fazer isso?
LE MAIRE ? A questão dos transgênicos não é apenas econômica. Passa também por uma visão de sociedade, uma visão política. Respeito plenamente as opções feitas pelo governo brasileiro e espero que sejam respeitadas as opções feitas pelos governos europeus. É muito difícil saber economicamente quem está certo.
DINHEIRO ? Mas, ao fazer isso, o produto brasileiro não perde mercado na Europa?
LE MAIRE ? A realidade é que os consumidores europeus não querem os transgênicos, e essa realidade vai continuar assim por muito tempo.