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“As mulheres são mais profissionais que os homens na hora de roubar. É difícil pegá-las”

 

 

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“A governadora Rosinha poderia ter checado seu assessor antes de nomeá-lo”

 

 

DINHEIRO ? É um bom negócio fraudar uma empresa?
MARCELO GOMES ? Infelizmente sim. A fraude compensa. Muitos criminosos roubam bancos, seqüestram, assaltam e em algum momento terminam na cadeia com um dinheiro que mal paga o advogado. Um funcionário ladrão rouba da companhia onde trabalha uma quantia suficiente para garantir sua aposentadoria e nada acontece. Em muitos casos, o empregado desonesto consegue ser demitido recebendo seus direitos, a multa de 40% do FGTS, bônus e ainda entra pedindo mais na Justiça Trabalhista.

DINHEIRO ? Não existe empregado 100% honesto?
GOMES ? Em algum momento, ele será tentado a roubar. Toda a fraude começa após um erro. Se o empregado com alguma tendência desonesta perceber que ninguém se importou ou descobriu o erro, ele continuará insistindo até ser flagrado. O fraudador nasce a partir de três características. A primeira é a necessidade financeira ou vaidade. Quem rouba faz porque quer mais dinheiro ou poder dentro da companhia. A segunda é a oportunidade ao verificar que os controles da empresa são frouxos e não evitam roubos. A última envolve uma avaliação entre prós e contras. Se o funcionário perceber que o risco de ser apanhado é mínimo, a cadeia alimentar da fraude estará completa e então ele vai praticá-la.

DINHEIRO ? Um funcionário que leva um lápis para casa ou
faz uma cópia do livro escolar do filho na empresa está
cometendo uma fraude?

GOMES ? É um abuso ocupacional que merece ser combatido. Alguém que tem um emprego recebe um crédito de confiança da empresa onde trabalha e não deve quebrar essa relação. Levar o lápis ou uma borracha é um crime comum, de menor proporção, mas é um crime. Defendo uma avaliação de custo e benefício. Às vezes é melhor perder um lápis ou uma borracha do que gastar muito dinheiro montando estruturas de investigação. O importante é que a companhia deixe claro para seus empregados que não permite fraudes, que irá combatê-las e que tentará punir os fraudadores.

DINHEIRO ? Quem é melhor em fraudar? Homens ou mulheres?
GOMES ? As mulheres são mais profissionais na hora de roubar. É fácil descobrir quando o homem está envolvido em algum esquema. Ele troca o carro, a casa, arruma uma amante e vai aproveitar a noite em bons restaurantes e casas noturnas. O homem demonstra sinais exteriores de riqueza. O que não acontece com as mulheres. Elas são mais contidas, deixam o dinheiro na mão de pessoas de confiança e evitam mudar a sua rotina. A única vez que flagrei uma mulher foi porque o segundo na esquema era um homem que demonstrou que estava ganhando muito dinheiro nos últimos tempos. Sem ele, não teríamos como pegá-la.

DINHEIRO ? Algum fraudador está na cadeia em função das suas investigações?
GOMES ? Ninguém foi condenado. Há casos na Justiça à espera de julgamento, mas não acredito em sentenças duras. Os réus são primários, de nível universitário, com endereço fixo. Devem sair impunes. Há outro aspecto importante. Muitos desses ex-funcionários têm informações estratégicas das empresas e se forem acusados podem revelá-las. É por isso que muitos clientes evitam disputas judiciais e preferem assumir o prejuízo.

DINHEIRO ? Em média, no Brasil qual o prejuízo de uma empresa com a fraude praticada por um funcionário?
GOMES ? Entre 7% e 10% do faturamento, enquanto a média mundial fica entre 5% e 7%.

DINHEIRO ? Por que, na sua avaliação, as fraudes corporativas são tão fáceis de acontecer?
GOMES ? Nos últimos anos, em função de reestruturações, redução de custos e fusões, as empresas perderam a qualidade nos seus controles internos. Hoje o funcionário que compra é o mesmo que paga e verifica a nota do fornecedor. É muito poder que às vezes é mal utilizado.

DINHEIRO ? Qual a área mais sensível a uma fraude?
GOMES ? A área clássica é o departamento de compras. Há fraudes também nos setores de vendas e financeiro, mas há um crescimento expressivo no marketing. Há muitas verbas publicitárias concentradas em poucas pessoas. O marketing vive hoje uma febre de fraudes.

DINHEIRO ? Existem quadrilhas especializadas em fraudar empresas?
GOMES ? Já investiguei dois casos. Executivos contratados por grandes companhias que trouxeram para dentro da empresa todos os seus comparsas. Após a investigação, verifiquei que os dois bandos tinham passado por outras empresas com o mesmo objetivo.

DINHEIRO ? Há como evitar a contratação de um fraudador?
GOMES ? O empresário deve conhecer quem contrata. É preciso checar o currículo, que às vezes é mentiroso, falar com os antigos empregadores, e desconfiar quando o executivo deseja trazer sua equipe. Pode parecer o sinal de união entre amigos, mas por outro lado há uma chance de que uma organização criminosa esteja entrando na companhia para roubar.

DINHEIRO ? A tecnologia ajuda a fraude?
GOMES ? As empresas montam barreiras externas contra os hackers e esquecem do invasor interno. Por exemplo, um jovem funcionário de 28 anos tem um conhecimento tecnológico superior a qualquer um dos seus chefes com mais de 40 anos. Caso decida fraudar, esse empregado tem muitas chances de ter êxito. É um perigo não combatido.

DINHEIRO ? E quando a fraude é no caixa 2?
GOMES ? O máximo que pode ser evitado é que o funcionário entre na Justiça reclamando seus direitos trabalhistas. São comuns os casos em que os empregados roubam o caixa 2, são demitidos e ainda recorrem à Justiça. Na maioria dos casos aconselho tentar um acordo com o fraudador. Não é um assunto que as pessoas gostariam de discutir na frente de um juiz.

DINHEIRO ? Então, é melhor evitar levar os empregados corruptos para a Justiça?
GOMES ? Depende do caso. Há situações onde as provas não são contundentes. Em outras situações há como provar o roubo e nesse caso defendo uma ação judicial. Minha função é buscar provas legais que garantam o andamento correto do processo judicial. E, se elas existem, sei como buscá-las.

DINHEIRO ? Qual o aviso mais comum para se descobrir uma fraude?
GOMES ? A carta anônima, que deveria ser mais considerada pelas empresas. Muitas vezes, a carta chega e abre-se uma investigação para saber quem a enviou e não para verificar se as informações são verdadeiras. Há três tipos de carta. A enviada por um funcionário honesto, aquela produzida pelo empregado quase honesto que quer
testar a reação antes de cometer a fraude, e por última, a carta enviada por alguém que foi sacado do esquema e por vingança denuncia os comparsas.

DINHEIRO ? Entre o seu primeiro e o último caso, como
evoluiu a fraude?
GOMES ? No início eram equipes de até seis empregados envolvidos no roubo. Recentemente tive casos de até 20 pessoas dentro do mesmo esquema. O que mudou também foram os cifras. Antes,
US$ 300 mil parecia um absurdo. Hoje você não entra para apurar menos que US$ 1 milhão de prejuízo.

DINHEIRO ? Uma empresa que tem uma política de recursos humanos arrojada, distribui lucros para os funcionários, tem uma série de benefícios sociais, em síntese a empresa ideal, está imune às fraudes?
GOMES ? Todas sofrerão fraudes, mas o objetivo deve ser reduzi-las ao limite suportável.

DINHEIRO ? O sr. defende que cada funcionário se transforme em um espião do colega ao lado?
GOMES ? O funcionário precisa estar consciente de que se existe alguém roubando, o emprego de todos está em perigo. O honesto pode ser o próximo a ser demitido porque os custos em função da fraude aumentam ou as receitas caem, e a empresa pode decidir reduzir sua folha de pessoal.

DINHEIRO ? Quando há mais disposição para se descobrir fraudes?
GOMES ? As empresas onde há menor percepção de fraudes são aquelas onde as vendas estão crescendo junto com os lucros. Essas sofrem a longo prazo porque ao descobrir o problema pode ser tarde demais. As companhias com vendas em queda ficam mais preocupadas em conter roubos de seus funcionários.

DINHEIRO ? Custa caro combater a fraude?
GOMES ? Depende da vontade de recuperar os recursos que foram desviados. Uma investigação pode durar entre dois meses e cinco anos. Em média, apenas 10% do que foi roubado volta para os seus legítimos donos.

DINHEIRO ? No caso de empresas públicas, secretários ou ministros de Estado, o governo precisa ter cuidado na hora de escolher seus executivos?
GOMES ? É preciso ter a mesma preocupação como se o funcionário fosse da iniciativa privada. Veja o caso recente no Rio de Janeiro onde a governadora Rosinha Garotinho colocou para comandar a área de arrecadação alguém que devia para o fisco estadual. Uma breve busca na Junta Comercial e na Receita Estadual teria evitado esse constrangimento.

DINHEIRO ? É mais fácil roubar na administração pública?
GOMES ? Acho indiferente. Pela atual legislação é praticamente impossível colocar um fraudador na cadeia. A lei deveria ser aplicada a todos. O Ministério Público, o Judiciário e os policiais estão bem preparados para enfrentar crimes comuns, mas ninguém saberia como investigar uma empresa que montou um balanço falso para conseguir empréstimos ou subsídios oficiais.

DINHEIRO ? Qual o futuro das fraudes no Brasil?
GOMES ? A inserção do crime organizado nas empresas. Vamos assistir funcionários sendo vítimas de seqüestros ou extorsões para realizar determinadas transações a mando dessas organizações criminosas. Sob pressão, as empresas terão de realizar operações financeiras para legalizar ações dos bandidos. Foi agindo assim que a máfia russa cresceu no mundo e se tornou uma das mais poderosas do planeta.

DINHEIRO ? Em comparação com outros países, o brasileiro é mais criativo nas fraudes?
GOMES ? Somos extremamente criativos, ousados e beneficiados pela legislação frouxa.