18/02/2004 - 7:00
Uma prova do poder do médico Robert C. Atkins: pouco depois de sua morte, em abril do ano passado, os editores do Oxford English Dictionary consideraram a hipótese de incluir na publicação o verbete Atkins como sinônimo de dieta. Exagero? Nem tanto. O regime alimentar inventado por ele, sem restrição de gorduras naturais, rico em proteínas e pobre em carboidratos, enterrou as dietas convencionais e transformou-se em fenômeno comercial. Somente nos EUA, 25 milhões de pessoas ? ou 12 % da população adulta ? seguem a receita de Atkins. Mais de 10 milhões de livros já foram vendidos no mundo. Na Inglaterra, A Nova Dieta Revolucionária do Dr. Atkins bateu o fenômeno Harry Potter e no Brasil, a editora Record contabiliza 68 mil exemplares vendidos. O clã Atkins também lucra com palestras, com a venda de produtos por catálogo e principalmente com a comercialização de artigos da empresa Atkins Nutritional. São cem itens, que vão de bebidas a sobremesas com baixo teor de carboidratos. O negócio é tão bom que despertou a cobiça dos gigantes Goldman Sachs e Parthenon Capital ? recentemente, a dupla pagou US$ 800 milhões pela Nutritional. Mais que um método de emagrecimento, o médico americano inventou uma verdadeira mina de ouro. Segundo a publicação Low Carbiz, o ?doutor dieta? deu vida a uma indústria que movimenta anualmente US$ 20 bilhões no mundo.
Só que essa mina de ouro corre o risco de ser detonada por um documento publicado pelo jornal The Wall Street Journal na semana passada. Formulado por integrantes do Physicians Committee for Responsible Medicine (PCRM), o relatório diz que Robert Atkins tinha um histórico clínico de obesidade, hipertensão e problemas cardíacos. E sugeriu que os distúrbios de saúde do médico tinham origem em sua própria invenção. Vale esclarecer que Atkins morreu aos 72 anos após escorregar numa rua coberta de gelo em Nova York e bater com a cabeça no chão. Segundo o jornal americano, o relatório do PCRM ? um grupo formado por médicos que pregam dietas vegetarianas ? procurava ?apenas? mostrar o quadro de saúde de Atkins nos últimos anos. Mesmo assim, a família do médico entrou em pânico. A informação de que o guru da dieta estava obeso, era hipertenso e cardíaco poderia arruinar o império.
O que se seguiu daí em diante foi um bombardeio de acusações da turma de Atkins para cima dos médicos do PCRM. ?A equipe que redigiu o relatório é formada por vegetarianos que há tempos tentam difamar o nosso trabalho?, esbravejou Stuart Trager, chairman do Atkins Physicians Council. A viúva do médico, Veronica, apressou-se em dizer que a doença de seu marido era viral e não provocada pela ingestão de gordura ou qualquer outro ingrediente liberado nas dietas. ?Os problemas de Robert estão relacionados a uma condição chamada Cardiomiopatia, doença do músculo cardíaco causada provavelmente por um vírus?, explicou. ?Portanto, o estado de saúde do meu marido não tinha nenhuma relação com a dieta.? O problema agora é convencer os milhares de seguidores da receita de Atkins e a indústria que se formou na onda do ?low carb? (pouco carboidrato).
Para se ter uma idéia da explosão desse mercado basta voltar um pouco no tempo. Em 1999, quando Atkins ainda era desconhecido, existiam apenas 47 produtos nos EUA com o selo ?low carb?. No ano passado, o número chegou a 633. Hoje, o mercado americano conta com 250 lojas especializadas em artigos com baixo ou nenhum teor de carboidrato. Atkins ditou moda. Já há regimes similares ao dele, como Protein Power ou Southbeach. Há ainda comida sem carboidratos para gatos e cachorros. E se você prefere descansar enquanto perde alguns quilinhos, nada melhor do que experimentar o programa retiro Atkins Diet, oferecido por vários spas nos EUA. No retiro, pode-se sintonizar a Low Carb Hours no rádio ou passar horas lendo os livros do guru. Em lojas próximas aos spas também é possível comprar lingeries Atkins com os dizeres: ?Coma carne e não trigo?.
Anheuser Bush Até a fabricante da Budweiser lançou cerveja com menos carboidrato
Carona no sucesso. Centenas de empresários do setor de alimentos até hoje agradecem aos céus pela dieta de Atkins. Paul Sauder, da R.W. Sauder, com sede na Pennsylvania, dobrou a venda de ovos nos últimos dois anos. e os produtores de queijo cheddar em Vermont tiveram seu melhor ano em 2003. As grandes empresas também participaram da festa. Já existe o sanduíche sem pão e rico em proteínas do Burger King e o menu alternativo do TGI Fridays, inspirado nos preceitos do dr. Atkins. Há ainda a cerveja Michelob Ultra, da Anheuser Bush (fabricante da Budweiser), com 2,6 gramas de carboidrato por garrafa ? a convencional tem 12 gramas. Outras companhias estão prontas para entrar no circuito. A H.J. Heinz prometeu lançar um catchup com baixo teor de carboidrato e a Coca-Cola estuda alterações em sua linha de bebidas para embarcar na onda Atkins.
Até a semana passada esse era o quadro da dieta revolucionária: uma invenção com tremendo sucesso popular, científico e mercadológico. Com o regime milagroso, o médico atraiu seguidores, engordou o patrimônio da família e abriu o apetite da indústria. Mas após a descoberta da semana passada, o futuro do império parece comprometido. Veronica, a viúva, diz que vai levar até o fim a briga contra os médicos vegetarianos. Não quer nem pensar em perder o peso que a marca Atkins conquistou ao longo dos últimos quatro anos.
A indústria em torno de Atkins
US$ 20 bilhões é quanto movimenta a indústria que
orbita em torno dos princípios de Atkins. Nela estão incluídas fabricantes de alimentos com baixo teor de carboidratos,
companhias que fazem comida para cães e gatos, fabricantes
de cerveja, editoras e até grifes de lingerie.
10 milhões de exemplares do livro A nova dieta
revolucionária do Dr. Atkins já foram vendidos no mundo.
Pelo quinto ano consecutivo, a obra aparece na lista de
best-sellers do jornal The New York Times.
A rede TGI Fridays criou pratos inspirados na
Dieta de Atkins. O menu dá preferência às refeições
enriquecidas com proteínas.
1 grama de carboidrato é quanto contém a fórmula do novo catchup que será lançado pela H. J. Heinz. O normal tem 4 gramas.
