29/04/2011 - 6:00
DINHEIRO ? O setor de etanol corre o risco de apagão. O preço ao consumidor dobrou em menos de 12 meses e falta combustível em várias regiões. De quem é o erro?
MARCOS JANK ? Ao contrário do que muitos pensam, ninguém está ganhando com o preço do etanol do jeito que está. Quando o preço supera 70% do valor da gasolina, os consumidores deixam de abastecer com etanol e passam a utilizar gasolina. Então, não somos culpados pelo que está acontecendo. Não somos nós que fazemos o preço. É um problema de oferta e demanda. Houve duas quebras de safras consecutivas, uma pelo excesso de chuva, outra pela falta. Somou-se a isso um crescimento extraordinário da frota de veículos bicombustíveis. Toda essa sequência de fatores causou falta de etanol, disparada de preço e preocupação de desabastecimento.
DINHEIRO ? Então, sempre que chover acima ou abaixo da média haverá problemas?
JANK ? Se nos preparamos melhor para os imprevistos climáticos, podemos evitar problemas. São Pedro não senta na mesa de negociação quando projetamos o cultivo ou fechamos contratos. Sabemos que, por um lado, a oscilação de preço é ruim. Por outro, sob uma visão mais positiva, essa é uma crise boa. É uma crise de crescimento, assim como acontece com o setor aéreo ou o setor energético.
DINHEIRO ? Mas, tanto no setor aéreo quanto no de energia elétrica, não houve uma disparada de preço.
JANK ? Nos últimos seis anos, o etanol esteve na maior parte do tempo abaixo da paridade de 70% do preço da gasolina. Se o etanol não existisse, os brasileiros teriam gasto cerca de R$ 20 bilhões a mais com abastecimento. Então, o País economizou bastante com a possibilidade de ter dois combustíveis. Sem falar nos ganhos ambientais, na saúde pública e na geração de um milhão de empregos em 20 Estados.
“O consumidor não é refém do etanol. O preço só chegou a R$ 2 porque não tinha produto na entressafra”
Bomba de álcool em posto de São Paulo. O Estado consome 50% da produção nacional
DINHEIRO ? Por que a produção não acompanhou o consumo? As usinas subestimaram o crescimento do mercado?
JANK ? De 2000 a 2008, crescemos 10,3% ao ano. Quando veio a crise, um terço do setor enfrentou graves dificuldades financeiras. O que aconteceu foi que a maior parte dos investimentos se dirigiu para a aquisição de empresas com problemas. De 2008 para cá, crescemos apenas 3% ao ano. O consumo disparou e a produção não acompanhou.
DINHEIRO ? Superada a crise de 2008, para onde foram os investimentos?
JANK ? O nosso setor tem todos os ingredientes para atrair investimentos. Temos um gigantesco mercado de carros flex em crescimento, possibilidade de ampliar a exportação, potencial para novos usos, como o plástico verde. O problema é que os investimentos pararam porque o etanol perdeu competitividade frente à gasolina. A gasolina tem preço fixo desde 2005, a R$ 1,10 na refinaria e chega ao consumidor acima de R$ 2,50. Esse valor na refinaria é mantido artificialmente pelo governo. Neste momento, a gasolina está subvalorizada. Tanto é que a gasolina importada é mais cara do que a gasolina nacional. A política de não mexer no preço da gasolina acabou afetando o nosso setor porque houve um significativo aumento dos custos de produção do etanol.
DINHEIRO ? Mas a gasolina do Brasil já é uma das mais caras do mundo. O governo deveria, mesmo assim, autorizar reajuste?
JANK ? A ideia não é essa. Reconhecemos que o consumidor paga caro pelo combustível na bomba. É caro porque há muitos impostos. O preço da gasolina nos postos é alto, mas na refinaria é equivalente ao dos demais países. Se o governo não quer mexer no preço da gasolina, que olhe para o setor de etanol com mais atenção. Queremos uma taxação reduzida, como acontece com o diesel. Além disso, estamos propondo reduzir o IPI dos carros flex.
“Temos 50% do mercado global de açúcar. Não se pode ajudar um setor e prejudicar outro”
Exportação de açúcar no Porto de Santos
DINHEIRO ? E se o governo não mudar a política de tributação do etanol e mantiver o controle sobre o preço da gasolina?
JANK ? Se não se fizer nada, diante dessa concorrência em que a gasolina artificialmente precificada é mais vantajosa do que o etanol, com certeza a gasolina vai matar o setor de etanol em alguns anos. Quando o preço do etanol supera 70% do valor da gasolina, as bombas ficam às moscas.
DINHEIRO ? Vocês querem subsídios?
JANK ? Nada a ver com subsídios como os que aconteceram nos anos 1970. O que precisamos é de suporte para quando os preços oscilarem. Os preços do etanol flutuam bastante. O petróleo flutua. Mas a gasolina não. E está cada vez mais claro que o governo não quer mexer nisso por questões de inflação. Precisamos de incentivos.
DINHEIRO ? Qual incentivo?
JANK ? Todos os Estados deveriam reduzir o ICMS para 12%, o mesmo do diesel, como fez o governo de São Paulo. Hoje, o etanol recebe o mesmo tratamento tributário da gasolina, que tem mais de 20% de ICMS. Isso faz com que a metade do consumo de etanol produzido pelo País fique concentrada em São Paulo. Nos demais Estados, o etanol não é competitivo.
DINHEIRO ? Em São Paulo, mesmo com ICMS em 12%, não compensa abastecer com etanol.
JANK ? Historicamente, compensa. Nos últimos anos, o etanol levou vantagem sobre a gasolina. Em poucos dias, com o início da safra, o preço cairá.
DINHEIRO ? Mas se o setor já não consegue produzir etanol para suprir a frota de carros flex, com estímulo ao consumo haveria um cenário ainda mais grave de desabastecimento, concorda?
JANK ? Não. Se o ICMS fosse reduzido, seria possível ter margens maiores no preço do etanol. Isso atrairia investimentos e, assim, aumentaríamos a produção. Para nós, seria bom que o preço do etanol fosse atrelado à cotação do petróleo. Daria mais segurança.
DINHEIRO ? O aumento da produção de açúcar não ajudou a agravar a crise?
JANK ? A mídia saiu falando erradamente que deixamos de produzir etanol para produzir açúcar. Não é verdade. O que houve de migração de etanol, que virou açúcar, é a metade do que se perdeu em razões climáticas. Em 2000, a gente usava 50% da cana para etanol e 50% para açúcar. A partir de 2008, a proporção foi 60% para etanol e 40% para açúcar. O número atual é 55% etanol e 45% açúcar.
DINHEIRO ? Por que não se reduz a produção de açúcar?
JANK ? O preço é bom. O Brasil hoje representa 50% do mercado mundial de açúcar. De cada quilo comercializado no mundo, meio quilo é brasileiro. Esse setor trouxe, em 2010, US$ 13 bilhões de saldo comercial. É o quarto produto da pauta de exportação. Precisamos encontrar medidas que estimulem um setor, sem prejudicar outro.
DINHEIRO ? O governo já fala em colocar a Agência Nacional do Petróleo (ANP) para controlar o setor de etanol. Isso é bom?
JANK ? Nós nunca tivemos problemas com isso. Criou-se uma ideia de que o setor era contra o controle. Quem vai controlar a gente, é problema do governo. Queremos saber é que tipo de regulação será feita. Fixação de preços, proibição de exportação e de taxação sobre o açúcar são políticas equivocadas.
DINHEIRO ? E se o governo criar um teto?
JANK ? Nós já temos um teto, que é 70% do valor da gasolina. Indiretamente, já somos regulados. A gasolina é um mercado de monopólio. Só assim é possível estabelecer um preço fixo. O etanol não.
DINHEIRO ? Teremos uma crise do álcool nos próximos anos, como a dos anos 1970?
JANK ? Nas décadas de 1970 e 1980, faltou etanol. Os carros, porém, eram só a álcool. Hoje, os carros são flex. Isso promove o ajuste dos preços. O consumidor não é refém do etanol. O preço só chegou a R$ 2 porque não tinha produto na entressafra. Deve voltar a custar menos de 70% da gasolina. O preço do etanol nas usinas, que chegou a R$ 1,60, tende a recuar para perto de R$ 0,90.
DINHEIRO ? Sem alarde, o Brasil importou etanol de milho dos EUA para evitar um colapso, o mesmo etanol que
tem sido criticado.
JANK ? De fato, tivemos de importar 200 milhões de litros de etanol de milho americano, no início de abril. Mas isso foi menos de 1% do que o Brasil produz. Foi apenas para suprir o consumo de uma semana. Uma questão pontual. Por outro lado, exportamos 1,5 bilhão de litros na mesma safra. Quando se produz commodities agrícolas, é preciso ter um mercado livre. Uma hora ou outra, será preciso comprar de fora.
DINHEIRO ? Se faltou etanol para o consumidor, o governo não deveria ter reduzido a mistura de 25% de álcool na gasolina?
JANK ? Não resolve. Isso é muito menos efetivo do que ampliar o programa de financiamento de estoques. O importante é não mudar demais a regra do jogo. Isso gera muitas incertezas.
DINHEIRO ? O consumidor vive muitas incertezas em relação ao etanol…
JANK ? É uma decepção que fez parte do jogo. É preciso evitar voo de galinha. Forçar o etanol a ficar barato e ter uma nova quebradeira de usinas, como aconteceu em 2006, não faz sentido. Queremos que as empresas cresçam de forma mais harmônica. Durante muito tempo o etanol foi vendido abaixo do custo de produção, por menos de R$ 1 na bomba. O que o consumidor não quer é volatilidade. Vou passar a semana em Brasília com ministros para encontrar saídas. O fato é que concorrer com a gasolina administrada, não dá.