DINHEIRO ? Qual é a sua proposta para ajudar o Brasil?
GEORGE SOROS ? Medidas específicas para o País não podem ser dadas por alguém de fora. Falo sobre o que se pode fazer para corrigir um grave descompasso que existe no mercado financeiro internacional e que está deixando o Brasil numa situação muito difícil. Hoje, países que impuseram a disciplina de mercado e seguem políticas econômicas consistentes estão em desvantagem. Se confiarem apenas no mercado, esses países podem enfrentar problemas de financiamento, como ocorre com o Brasil. O que proponho é uma maneira de complementar a disciplina de mercado com medidas para criar um sistema mais equilibrado.

DINHEIRO ? Qual é o problema do Brasil?
SOROS ? No caso do Brasil, estamos lidando com um caso de falha de mercado, que necessita de intervenção de um financiador de última instância. Para que a dívida não cresça em relação ao tamanho da economia brasileira é preciso que a taxa de juros doméstica não seja maior do que 10% ao ano (Soros se baseou num estudo do Banco Central brasileiro). Mas os juros estão em torno de 20%. Com essas taxas, o Brasil está caminhando para uma eventual falência. O capital está deixando o Brasil porque os capitalistas não gostam do Lula e os mercados financeiros têm o poder de criar profecias auto-realizáveis. Se as autoridades financeiras internacionais não podem achar uma saída para garantir que o crédito estará disponível a 10% , eles não podem esperar que o Brasil cumpra suas obrigações. Seria um terrível golpe para o País e para todo o sistema.

DINHEIRO ? O que o sr. propõe para resolver o problema?
SOROS ? O FMI daria garantias para que bancos centrais de países desenvolvidos comprassem os títulos da dívida externa brasileira no mercado internacional. Seria uma maneira de permitir que os títulos brasileiros, como os C-Bonds, se valorizassem. Com a valorização dos papéis, os juros cobrados do Brasil cairiam e os juros internos também poderiam cair. Então, o País conseguiria refinanciar sua dívida normalmente. Na prática, os acionistas do FMI atuariam como financiadores de última instância. Claro que haveria um risco para os compradores dos títulos e para o Fundo, se o governo brasileiro quebrasse o acordo com o FMI. Mas isso seria tão estúpido que não aconteceria. O preço seria alto demais. Essa é a saída que proponho. Mas muitos economistas dizem que não vai acontecer.

DINHEIRO ? Então, qual é a opção?
SOROS ? Se eu fosse o Lula e fosse eleito, a primeira coisa
que eu faria seria entrar num avião ou mandar alguém para Washington e perguntar: ?O que vocês querem que eu faça?
Vocês querem que eu pague os juros da dívida, que é exatamente o que eu gostaria de fazer? Nesse caso, vocês estão dispostos a fazer algo como o Soros propôs? Ou vocês querem que nós façamos um default e a reestruturação da dívida, como Goldstein (Morris Goldstein, do Instituto Internacional dos Economistas) sugeriu?? Então, ele teria uma resposta de Washington. E, baseado nessa resposta, o País pagaria a dívida ou iria para uma reestruturação da dívida. Sangrar lentamente e tentar a continuar as atuais políticas não fazem sentido. As decisões têm de ser tomadas imediatamente depois das eleições.

DINHEIRO ? O sr. não vê chance de o Lula ou qualquer candidato que vença a eleição adotar uma postura favorável ao mercado financeiro e, assim, aliviar a pressão sobre o Brasil?
SOROS ? Certamente, ele seria favorável aos mercados, se
for eleito, desde que os mercados dêem uma chance a ele. Se
ele pudesse pegar juros de 10%, tenho certeza que ele escolheria esse caminho.

DINHEIRO ? Então o sr. não acredita que os mercados dêem uma chance a Lula?
SOROS ? É possível que eles dêem, mas eu ficaria surpreso.

DINHEIRO ? O que Lula poderia fazer para obter essa chance?
SOROS ? No mercado financeiro, comenta-se que ele deveria apontar o Armínio Fraga para a presidência do Banco Central. Mas dizem também que ele já tem outro nome. Independentemente de quem seja o nome, o que não é percebido é que há hoje um problema em todo o mercado.

DINHEIRO ? Que problema seria esse?
SOROS ? Mesmo se José Serra fosse eleito, não acho que as taxas de juros iriam cair para algo em torno de 10%. O Brasil simplesmente ficaria se arrastando. Hoje em dia, há uma aversão geral por investimentos em mercados emergentes como o Brasil, o que eleva as taxas de juros cobradas desses países. Essa aversão ocorre porque os bancos descobriram que perdem dinheiro ao investir nos mercados emergentes. O preço de suas ações nas bolsas de valores cai porque o mercado financeiro pune quem tem grande exposição aos países emergentes. Por isso, muitos bancos querem abandonar esse negócio, querem sair dos mercados emergentes. Então, você tem um ambiente muito desfavorável a países como o Brasil.

DINHEIRO ? Essa aversão ao risco dos países emergentes é um problema passageiro ou é uma tendência que deve durar muito tempo? Existe uma solução a curto prazo?
SOROS ? Existe uma solução, eu propus essa saída. Mas, no momento, não vejo as autoridades perceberem o problema.
Lamento dizer isso.

DINHEIRO ? Em entrevista à rede de TV americana ABC o sr. afirmou que o Brasil quebrará com essas taxas de juros cobradas hoje do País no mercado financeiro internacional. O governo brasileiro reagiu às suas declarações e disse que a dívida é administrável…
SOROS ? Eu posso entender essa reação. Sou um grande admirador do Armínio, mas ele não concorda comigo. Eu entendo que existem razões para não concordar comigo, não há problemas.

DINHEIRO ? O sr. falou com ele sobre o isso?
SOROS ? Não.

DINHEIRO ? Esse é um problema brasileiro ou internacional?
SOROS ? Outros países em desenvolvimento também seguiram religiosamente as receitas do FMI. A razão é que o preço dos produtos básicos, exportados por esses países, estão num nível muito baixo, faltam oportunidades de acesso ao mercado dos países desenvolvidos e demanda doméstica. Houve uma reversão do fluxo de capitais da periferia para o centro desde 1997. Mesmo assim, as autoridades monetárias internacionais se recusam a reconhecer que há um problema sistêmico, que o sistema não funciona mais. Eles continuam a acreditam que disciplina de mercado é o único caminho para resolver os desajustes atuais.

DINHEIRO ? Por que o sr. diz que o sistema financeiro internacional não funciona mais?
SOROS ? O sistema financeiro já quebrou, não fornece um fluxo de capitais adequado para os países que precisam e se qualificam para isso. Os mercados internacionais são muito eficientes em sugar as economias do mundo para o centro, mas estão falhando na tarefa de destinar esses recursos também para a periferia. Esse problema não é reconhecido. Normalmente, se fala que os mercados financeiros são muito eficientes em alocar capital, tanto nos países como internacionalmente. Não é o caso.

DINHEIRO ? Como o sr. avalia o desempenho do FMI em relação aos países em desenvolvimento?
SOROS ? O FMI está mais preocupado em preservar a estabilidade do sistema financeiro internacional do que possibilitar aos países em desenvolvimento a evitar recessões. Como resultado, os países que têm acesso aos mercados internacionais podem buscar políticas contracíclicas, para evitar essas oscilações. Já os países que não têm o mesmo acesso precisam recorrer ao FMI. Até recentemente, os programas de socorro do Fundo eram preparados para permitir a países devedores a pagar suas obrigações. E eram os contribuintes desses países, que tinham de cobrir a conta. Podia ser injusto, mas mantinha o dinheiro fluindo para a periferia.

DINHEIRO ? E agora?
SOROS ? Depois da crise dos mercados emergentes, em 1997 e 1998, houve uma mudança de 180 graus nas políticas do FMI. A crise foi atribuída não apenas à instabilidade dos mercados financeiros e também ao desequilíbrio do sistema, mas também ao risco moral introduzido pelos resgates de países feitos pelo Fundo. Houve uma mudança radical dos pacotes de resgate para uma nova postura em que o setor privado também arca com as perdas. Como resultado, os riscos de investir ou emprestar para mercados emergentes cresceram. Esses riscos estão refletidos nos preços de mercado e são a origem do problema atual. A crise se manifesta como uma reversão global de capital da periferia para o centro. Se essa questão não for tratada, a situação deve se deteriorar e pode culminar numa crise sistêmica.

DINHEIRO ? O sr. fala no Brasil porque está preocupado com o que poderia acontecer com o processo de globalização. O que o sr. imagina que poderia acontecer?
SOROS ? Nesse caso, o Brasil teria que introduzir controles de capital (para limitar a saída de dólares do País), então você teria uma quebra da globalização. É o que tenho medo. Temo que o que está acontecendo no Brasil leve a uma quebra da globalização, numa tendência contrária à tendência de integração dos últimos dez, vinte anos. E isso seria um recuo para todo o mundo.

DINHEIRO ? Como o sr. avalia os efeitos de uma eventual guerra com o Iraque sobre essa globalização que o sr. defende?
SOROS ? Eu sou muito crítico da administração do presidente George W. Bush.

DINHEIRO ? Por que o sr. demonstra estar tão preocupado com a globalização?
SOROS ? Porque eu acredito numa sociedade aberta. Uma sociedade global e aberta é um ideal. Não só porque traria prosperidade para a economia mundial, mas também porque traria liberdade. Nenhum País, individualmente, pode dar às pessoas o tipo de liberdade que um sistema global pode fornecer. Você sabe: as pessoas podem se movimentar, idéias podem circular, o dinheiro pode se movimentar. É muito próximo de algo que é realmente muito bom para todo o mundo e eu odeio ver esse sistema entrar em colapso.