DINHEIRO ? O sr. defende a tese de que a globalização mudou depois de 11 de setembro. Como serão afetados o fluxo de capitais e o comércio entre as nações?
STEPHEN ROACH ?
O terrorismo introduziu uma espécie de imposto sobre a integração mundial e a conectividade entre os países. Todos os negócios que cruzam fronteiras ficaram mais caros. Isso afeta a indústria aérea, de navegação, fretes, seguros e tudo o mais relacionado à globalização. Há ainda um custo adicional sobre a terceirização, porque as grandes multinacionais podem se preocupar mais em relação às suas filiais e à segurança de seus executivos.

 

DINHEIRO ? Mas esse ?imposto?
seria suficiente para conter as forças
da globalização?
ROACH ?
Creio que não, mas o medo do terrorismo certamente eleva os custos das transações internacionais. A globalização ficou mais cara. E a teoria econômica é clara: quando se eleva o preço de alguma coisa, a demanda tende a se retrair. Há um desincentivo à globalização. Acho que não vamos voltar atrás no relógio, mas os progressos feitos nos últimos anos não se repetirão na mesma intensidade. Não acredito que os investimentos internacionais e os fluxos de comércio possam crescer tanto quanto no passado.

DINHEIRO ? Na última reunião da Organização Mundial do Comércio, em Doha, foi lançada uma nova rodada de negociações, mas sem grandes expectativas. Os líderes internacionais estão de fato comprometidos com o livre comércio?
ROACH ?
Certamente, há um compromisso dos principais governos do mundo em relação a uma maior integração econômica mundial. Mas mesmo com a arquitetura criada em Doha, de uma nova rodada, a execução disso dependerá das empresas. E é nesse ponto que eu vejo problemas. As multinacionais vêem o terrorismo como uma nova ameaça global e há ainda a própria recessão mundial.

DINHEIRO ? Essa retração, que hoje ocorre nos Estados Unidos, na Europa e no Japão, não poderia servir de justificativa para novas barreiras comerciais?
ROACH ?
Espero que não. A recessão americana é um fenômeno temporário e cíclico. Recessões, assim como chegam, depois vão embora. Numa situação como a atual, de expansão do desemprego, é natural que os trabalhadores e os sindicatos aumentem a pressão contra a competição internacional. O risco que eu percebo é de que a recuperação não seja tão vigorosa e o desemprego se mantenha elevado por um período longo no tempo. Isso poderia levantar algumas tendências protecionistas e um questionamento da posição dos Estados Unidos em relação à globalização.

DINHEIRO ? Mas quando se olha para o setor siderúrgico,
o que se defende é praticamente o isolamento da
indústria americana…
ROACH ?
Vejo isso no aço e, pontualmente, em algumas outras disputas comerciais, especialmente no setor agrícola, não só nos Estados Unidos, mas também na Europa. Mas são problemas localizados e acho que uma reversão da política comercial americana em direção a um maior protecionismo seria um tremendo erro.

 

DINHEIRO ? Olhando o aspecto financeiro da globalização, o que o sr. diria de países como o Brasil que ainda têm um alto déficit externo e que dependem de recursos de fora para fechar suas contas?
ROACH ?
A boa notícia para o Brasil é o fato de o País ter um regime de câmbio flutuante, que permitiu uma desvalorização real da moeda ao longo de 2001. Eu estaria muito mais preocupado se o real, em vez de se enfraquecer, tivesse se fortalecido em meio a esse ambiente turbulento.

DINHEIRO ? A desvalorização de
1999, então, melhorou as condições
da economia?
ROACH ?
Certamente. O retrato que se faz hoje do risco em países emergentes,
especialmente do Brasil, é muito diferente do que se fazia
em 1998, por exemplo, quando regimes de câmbio administrado estavam sob pressão.

DINHEIRO ? O que o sr. diria da Argentina? Para o mercado já existe uma situação de moratória, depósitos foram congelados e o país continua com um regime de câmbio fixo…
ROACH ?
Não importa muito saber se a Argentina está ou não tecnicamente em moratória. Eles enfrentam uma recessão há mais de três anos e não existe nenhuma saída simples e milagrosa para o problema deles. Acho que todos os organismos internacionais e as próprias autoridades argentinas acabarão encontrando meios de solucionar a crise.

DINHEIRO ? Mas o que seria melhor: dolarizar ou desvalorizar? O sr. tem alguma prescrição para a Argentina?
ROACH ?
Não, infelizmente, eu não tenho.

DINHEIRO ? Ok, mas considerando então a possibilidade de uma moratória, como seria o contágio nos outros países da América Latina, em especial no Brasil?
ROACH ?
Não creio em contágio e acho que essa é outra boa notícia para o Brasil. Os mercados financeiros internacionais hoje são muito mais sofisticados do que eram no passado e sabem reconhecer as diferenças macroeconômicas entre os países. Há um acompanhamento das finanças, do regime de câmbio, das condições fiscais e da própria situação política. Além disso, muitos países emergentes tornaram-se menos dependentes de capital de risco, do dinheiro de curto prazo. Isso vale para o México, para os tigres asiáticos, para a Rússia e mesmo para o Brasil.

DINHEIRO ? O senhor falou de reformas no sistema financeiro global. Como o sr. vê a chamada Taxa Tobin, que pretende impor um custo às transações internacionais para desestimular movimentos de curto prazo?
ROACH ?
Não me parece a melhor idéia. O que é importante, mais do que uma solução mágica, seja ela a Taxa Tobin ou outro mecanismo qualquer, é que os países emergentes tornem-se menos dependentes de capitais voláteis. E principalmente agora, com um mundo em recessão e ameaçado pelo terrorismo, seria arriscado manter déficits externos elevados. O esforço de política econômica dos bons governos em países emergentes deve ser voltado a obter fontes permanentes de financiamento externo. Falo de investimentos diretos e de saldos na balança comercial, por exemplo. Acho que é disso que o mundo em desenvolvimento precisa. Mais do que a Taxa Tobin. Também vejo o Brasil caminhando nessa direção.

 

DINHEIRO ? Falando da recessão, americana, como o sr. vê o pacote de estímulo à economia que supera US$ 100 bilhões em mais gastos públicos? É a volta do keynesianismo?
ROACH ?
Quando aparece uma recessão e muitos temem que ela possa durar mais do que seria aceitável, é natural que se lancem estímulos de natureza monetária e fiscal para compensar os efeitos cíclicos de uma retração. Mas não espero muito desses pacotes. Até porque a economia americana não foi atingida apenas pelos ataques terroristas. Os Estados Unidos já estavam caminhando para uma recessão antes de 11 de setembro. Provavelmente, a origem está no fim da bolha de tecnologia e no estouro das ações negociadas na Nasdaq. E quando se estoura uma bolha financeira, não se pode esperar muito das políticas monetária e fiscal. Basta ver o Japão.

DINHEIRO ? Mas ainda assim Alan Greenspan, o presidente do Federal Reserve, vem reduzindo os juros sucessivamente. Ele tem tomado as decisões corretas?
ROACH ?
Veja bem, não há um grande problema estrutural na economia americana. O Federal Reserve também não dispõe de nenhuma ferramenta mágica para solucionar rapidamente a recessão. O melhor que se pode fazer é reduzir os juros até abaixo da expectativa do mercado e mantê-los nesse patamar por um bom tempo, até que a economia se reaqueça. Foi assim que os EUA saíram da recessão do início dos anos 90. Não há nenhum caminho muito diferente disso.

DINHEIRO ? Com que previsões o Morgan Stanley trabalha para a economia global em 2002? Será um ano muito ruim?
ROACH ?
Nas nossas contas, estamos estimando uma expansão da economia global de 2% em 2002, o que representa um crescimento bem menor do que o dos últimos anos. Nesse cenário, os Estados Unidos cresceriam só 1%, a Europa teria uma expansão de 1,5% e o Japão continuaria em recessão, com uma queda de 1% do seu Produto Interno Bruto. O melhor desempenho seria o dos países da Ásia, excluindo o Japão. Nessa região, que inclui a China e a Índia, com os desempenhos mais favoráveis, o crescimento chegaria a 4,5%. Para a América Latina, imagino mais um ano ruim, com expansão só de 0,7%.

DINHEIRO ? Por que números tão baixos?
ROACH ?
Na verdade, nós reduzimos nossas previsões depois de 11 de setembro. Passamos a trabalhar com a hipótese de uma recessão maior na Argentina. Além disso, o México está muito ligado aos Estados Unidos e não tem muito como escapar da recessão americana. O Brasil, por sua vez, terá de reduzir sua dependência externa em um ano em que os capitais internacionais serão mais escassos. Essas são as três maiores economias da América Latina e foi assim que chegamos a um número tão baixo.

DINHEIRO ? O sr. vê algum risco de ruptura política com o possível retrocesso da globalização? A América Latina
já tem uma certa tradição de regimes classificados como ?populistas? pelos mercados internacionais e, em 2002, haverá eleições no Brasil…
ROACH ?
Certamente. Se houver um colapso da globalização, naturalmente haverá espaço para governos populistas. Vejo uma relação direta entre economia e política.

DINHEIRO ? Como o Morgan Stanley superou o trauma dos ataques ao World Trade Center?
ROACH ?
Nosso escritório central fica na Times Square, mas nós, de fato, tínhamos um grande complexo na Torre Sul do WTC. Éramos os maiores locatários do edifício. Desde o atentado à bomba em 1993, executávamos com freqüência treinamentos para situações de emergência e trabalhávamos com condições especiais de segurança. Mas ninguém poderia prever algo como o ocorrido em 11 de setembro. Perdemos alguns colegas. Foram seis mortes, em um universo de 3,7 mil funcionários. O choque foi muito duro e jamais será esquecido por nenhum de nós.

DINHEIRO ? Isso afetou os negócios do banco?
ROACH ?
Não perdemos registros de operações, executamos planos de emergência para realocar todos os nossos empregados e não deixamos de trabalhar um dia sequer.