DINHEIRO ? Como o sr. recebeu a ruptura do acordo automotivo executada pelo presidente argentino?
RAY YOUNG ? Tive a oportunidade de conversar com o presidente Kirchner, quando visitou nossa fábrica de Rosário, na quinta-feira 9. Disse a ele que a balança comercial, que hoje favorece o Brasil, deve reconhecer as estratégias de exportação dos fabricantes na Argentina.

DINHEIRO ? Ou seja…
YOUNG ? Podemos avaliar os mecanismos de transição rumo ao livre comércio de Brasil e Argentina. Mesmo que a data prevista de 2006 tenha que ser adiada.

DINHEIRO ? Qual a estratégia da GM na Argentina?
YOUNG ? Produzimos 60 mil unidades por ano em Rosário, das quais cerca de 75% destinam-se às exportações para fora do Mercosul. Como estimamos vender 50 mil unidades anuais no país, a GM Argentina irá produzir mais veículos do que vende em seu mercado, o que é bom.

DINHEIRO ? Os investimentos recentes executados nas novas fábricas de Rosário e Gravataí, no Rio Grande do Sul, levavam em conta o livre comércio a partir de 2006? Alterar as regras do jogo não coloca em risco a rentabilidade da operação?
YOUNG ? Nossos investimentos em Rosário e Gravataí não se basearam no livre comércio do Mercosul, mas no contínuo crescimento dos mercados internos de Brasil e Argentina. Nós fizemos esses investimentos assumindo que o Brasil cresceria para 2 milhões de unidades (atualmente temos 1,5 milhão de unidades) e a Argentina teria 500 mil (hoje, são 280 mil). Nossos investimentos também reconhecem que devemos produzir onde vendemos. Mudar as regras do livre comércio em 2006 não muda, necessariamente, o curso dos nossos investimentos. O mais importante é o contínuo crescimento dos mercados internos dos dois países.

DINHEIRO ?A GM do Brasil nunca vendeu e exportou tantos carros. Ainda assim tem prejuízo no País. Por quê?
YOUNG ? Nossa indústria, em geral, trabalha no vermelho. Neste ano, o mercado doméstico terá uma melhora de 5% em relação a 2003, ou cerca de 1,5 milhão de unidades. Mas isso ainda é fraco. Em 1997, tivemos 2 milhões. Felizmente, as exportações têm ido muito bem, em torno de 600 mil unidades. A produção total da indústria será, portanto, de 2,1 milhões, mas isso com capacidade total de 3 milhões, ou cerca de 30% de ociosidade. Esse é o maior problema do nosso setor. Além disso, nossos custos com commodities, como aço, pneus e plásticos cresceram muito. Para a GM, só o aço será reajustado neste ano em 40% a 50%. E esses reajustes fazem uma tremenda pressão sobre os resultados financeiros. Não divulgamos o valor exato, mas posso dizer que são centenas de milhões de dólares.

DINHEIRO ? Como reverter esse quadro?
YOUNG ? Através de três ações fundamentais. A primeira virá da própria expansão do mercado interno, onde espero novo crescimento de 5% em 2005. Além disso, vamos continuar reduzindo os desperdícios, utilizando o GMS, programa que rees-
tuda e propõe alternativas de contenção de custos na produção e em processos administrativos. Ele é usado pela GM no mundo todo. Em terceiro lugar, a ferra-
menta será a boa qualidade dos veículos, que vai redundar na diminuição de despesas com garantia.

DINHEIRO ? Essas medidas darão o equilíbrio já em 2005?
YOUNG ? É possível. Estamos elaborando o orçamento da empresa para o próximo ano e a expectativa é essa.

DINHEIRO ? A GM realmente gasta mais do que recebe ou a perda é condicionada ao que vocês deixam de ganhar em função da capacidade ociosa?
YOUNG ? É a comunhão dos dois. Por isso que a estratégia se resume em elevar o volume de vendas, algo que diminui a ociosidade e, ao mesmo tempo, incide diretamente na margem de contribuição financeira. E também nas menores despesas com garantia, que reduzem os custos.

DINHEIRO ? As quatro grandes montadoras passam pelo mesmo processo: busca de rentabilidade e eliminação do prejuízo.
YOUNG ? A Ford é uma empresa diferente. Tem um bom mix de produtos, principalmente o EcoSport, que gera um grande volume de vendas e ajudará na retomada dos lucros. Além disso, o volume de carros populares da Ford é pequeno, ao contrário do nosso (referindo-se à baixa rentabilidade nas vendas de modelos populares). Tenho muito respeito pela Fiat, pois ela tem uma estrutura de custos baixos. A fábrica de Betim, em Minas Gerais, tem 7 mil empregados, o que lhe dá uma boa vantagem frente à GM, que emprega 18 mil pessoas. Como nossas fábricas estão em São Paulo (São Caetano do Sul e São José dos Campos), que demandam custos mais altos com trabalhadores, temos um grande desafio.

DINHEIRO ? Mas a GM tem a planta de Gravataí, no Rio Grande do Sul, que também é enxuta.
YOUNG ? Sim. É considerada pela matriz como exemplo mundial. Tanto que vamos incrementar sua produção.

DINHEIRO ? Essa ampliação decorre do novo
carro mundial da GM que será feito por lá, após
uma vitória diante de diversas outras ?candidatas?
no resto do mundo?
YOUNG ? Sim. Nosso CEO mundial, Rick Wagoner, recentemente anunciou a ampliação da fábrica, em
um processo que será finalizado em 2006. Isso se constitui em um investimento de US$ 240 milhões, que
já está em curso, na abertura do terceiro turno de produção e na montagem de um novo veículo, que
será exportado para muitos países.

DINHEIRO ? Um veículo só produzido no Brasil?
YOUNG ? Sim.

DINHEIRO ? A julgar por sua admiração pelo Ford EcoSport, será um concorrente direto? É o que se especula…
YOUNG ? Especulações não faltam (risos).

DINHEIRO ? Talvez uma versão sedã do Celta.
YOUNG ? Posso dizer que esse veículo usará peças do Celta. A GM Brasil produzirá um veículo adequado ao mercado interno e a outros países em desenvolvimento. Essa é nossa principal competência.

DINHEIRO ? Competência adquirida ou definida pela matriz?
YOUNG ? Nos Estados Unidos temos um centro de Engenharia para desenvolver carros sofisticados. Na Europa, também. Para os mercados em desenvolvimento, a GM Brasil tem esse papel delegado pela matriz, ou seja, seremos criadores de veículos para países em desenvolvimento.

DINHEIRO ? Inclusive para a China?
YOUNG ? Também. Só que o mercado lá é tão gigantesco que cabem carros de qualquer preço, projetados em qualquer país…

DINHEIRO ? O que significa para a GM liderar as vendas no mercado brasileiro?
YOUNG ? A liderança de mercado é importante, mas meu maior objetivo chama-se lucro. Eu quero mudar esta empresa de um hobby para um negócio. Os maus resultados vêm se repetindo nos últimos cinco anos.

DINHEIRO ? Com uma operação deficitária por tanto tempo, a GM se arrependeu dos investimentos que fez?
YOUNG ? Mesmo nesse período, continuamos investindo. Mas em um nível diferente. Se os prejuízos persistirem, a GM Corporation não investirá mais no Brasil. É simples. O risco de colocar dinheiro na Ásia é menor do que no Brasil. Tanto que tenho a responsabilidade de reaver os lucros durante os três anos que ficarei no Brasil também para atrair futuros investimentos.

DINHEIRO ? Recentemente, a GM rompeu com a Anfavea na questão de tributação de carros bicombustíveis, sugerindo ao governo redução de IPI para esses modelos. Esse distúrbio foi solucionado?
YOUNG ? A situação é tranqüila. Não há mais brigas. Com o novo presidente da Anfavea (Rogelio Golfarb), além de novos executivos estreando também à frente das três maiores montadoras (Cledorvino Belini, da Fiat, e Hans-Christian Maergner, da Volks), criamos uma agenda comum, que é levar nossas empresas à lucratividade.

DINHEIRO ? A GM não irá mais direto ao governo?
YOUNG ? O mais importante é que a Anfavea e as montadoras trabalhem em conjunto para convencer o governo sobre a importância do crescimento do mercado interno. A GM do Brasil pode até perseguir ações únicas, mas sabemos que a ação conjunta traz maiores benefícios.

DINHEIRO ? A divergência apontada pelo vice-presidente da GM, José Carlos Pinheiro Neto, era que a Anfavea estaria ?esperando? outras marcas criarem seus carros Flex.
YOUNG ? (Pausa) Eu não acredito que precisamos de mudanças no IPI. Nossa indústria tem muitos impostos, de maneira que não faltaria o que cortar.

DINHEIRO ? O ritmo intenso de lançamentos dos últimos dois anos vai continuar?
YOUNG ? O conceito de renovação é importante para a GM. Mas quando analiso os planos, quero que os lançamentos sejam feitos desde que prevejam equilíbrio financeiro. Teremos, sim, novidades. Só que não muitas, um ou dois por ano. Como a grande reformulação foi feita, o ciclo de vida de nossos veículos é jovem.

DINHEIRO ? No início do ano, o CEO mundial Rick Wagoner disse que seria bom para a carreira do sr. a experiência de dirigir a GM no Brasil. Também afirmou que a China, em 2010, produzirá mais carros que os EUA. O sr. pode ser o próximo líder do maior negócio da GM no mundo?
YOUNG ? É uma possibilidade. Sou canadense, tenho origem chinesa, já trabalhei na Ásia, especificamente no Japão, e viajei muitas vezes para a China. Também acredito que aquele país será, no futuro, o maior mercado de carros do mundo. Com 1,4 bilhão de pessoas, há muito o que vender por lá ainda…

DINHEIRO ? E será o sr. o homem a disputar as vendas?
YOUNG ? Se eu puder mudar as finanças aqui, receio que essa possibilidade aumente muito.

DINHEIRO ? Cortando o prejuízo da GM Brasil pela metade neste ano, tudo indica que a operação deve empatar já em 2005. Isto é: a meta seria atingida no segundo ano e ainda sobraria o terceiro…
YOUNG ? Sim, sim… OK. Claro que eu gostaria de trabalhar na China. Se Wagoner quiser, pode contar comigo.