Durante o almoço da terça-feira passada, o empresário Pedro Eberhardt esbanjou disposição. Contou histórias saborosas sobre o Fórum dos Líderes Empresariais, em Comandatuba, queixou-se, com bom humor, da barriga proeminente e manifestou desconfiança em relação às dietas para a perda de peso. Aos 68 anos, Eberhardt em nada lembrava o dono de uma empresa que vive um dos mais dramáticos períodos de sua história. Dias antes, o balanço da Arteb, maior fabricante de faróis automotivos do País, foi divulgado. Os números ali estampados revelaram um quadro assustador. As dívidas somam R$ 270 milhões. O patrimônio encontra-se negativo, na casa de R$ 200 milhões. E o vermelho tinge o balanço há seis anos consecutivos ? no ano passado, por exemplo, ficou em quase R$ 33 milhões. A situação só não está desesperadora porque Eberhardt resolveu não pagar a maior parte da dívida, e para isso se meteu em uma briga das grandes. O adversário é o International Finance Corporation, o braço financeiro do Banco Mundial, um colosso com US$ 33 bilhões de ativos. Há pouco mais de um ano, a Arteb foi à Justiça contra ele. Em discussão, uma dívida superior a US$ 40 milhões, contraída em 1998, às vésperas da desvalorização do real. Eberhardt não concorda com o valor, interrompeu os pagamentos e apelou aos tribunais. Acusa o IFC de irresponsabilidade e atira contra um funcionário do banco que, segundo ele, tenta prejudicá-lo por conta de antigas desavenças. Desde o início do conflito, Eberhardt não abria a boca em público sobre o assunto. Resolveu falar na semana passada, e desabafou. ?O IFC tem a responsabilidade de nos orientar naquilo que mais entende, a visão macroeconômica. Como não sabia que haveria uma mudança cambial forte??, pergunta ele. ?O IFC foi irresponsável. Deixei mesmo de pagar. Se há uma dívida da qual me arrependo é esta.?

O caso ganha contornos mais dramáticos, pois tem Eberhardt como protagonista. Trata-se do último capitão da indústria de autopeças no Brasil. Antigos colegas, como Abraham Kasinski e José Midlin, sucumbiram à globalização e venderam suas companhias.

Eberhardt foi um sobrevivente. Num setor dominado pelas multinacionais, é um dos poucos empresários brasileiros. Por isso, a briga com o IFC possui um traço de resistência. A relação entre as duas partes é curiosa. O IFC é, ao mesmo tempo, o maior credor da Arteb e um de seu acionistas, com pouco mais de 7,5% do capital. Certas vezes, Eberhardt e os executivos do banco encontram-se em reuniões do conselho de administração. Em outras, cruzam-se nos corredores dos tribunais brasileiros. As desavenças tiveram início em novembro de 1998. Na ocasião, Eberhardt levantou um financiamento de US$ 40 milhões junto ao banco para ampliação e modernização de suas fábricas. ?Nós não o procuramos?, conta ele. ?Eles vieram até nós porque consideravam nossa empresa um bom investimento.? No estudo de viabilidade financeira, os técnicos do banco apostavam em vendas de dois milhões de veículos no mercado brasileiro no ano 2000. Ainda segundo o documento, a variação cambial nos dois anos seguintes não seria superior a 7% e o custo de capital, algo em torno de 5%. Agora, o que aconteceu na realidade: as vendas de automóveis não superaram 1,2 milhão, a cotação do dólar praticamente dobrou e os juros … bem, todos sabem o que aconteceu com eles. ?De um dia para o outro minha dívida duplicou?, queixa-se Eberhardt.

E continuou nesse ritmo. Em dezembro de 1999, o montante era de R$ 138 milhões. No último dia do ano passado, superava os R$ 270 milhões. Eberhardt tentou entabular uma renegociação. Esbarrou no gigantismo do IFC e no troca-troca de executivos. ?Comecei a negociar com um sujeito do Congo?, conta o empresário. ?Depois veio uma russa, que foi substituída por uma chinesa, com quem fiz um acordo, desfeito 15 dias depois por um americano. Ninguém ali tem poder de decisão.? Eberhardt também acredita na influência (negativa, segundo ele) de um executivo do banco. ?É um ex-funcionário de uma autarquia federal que não conseguiu fazer negócio com a Arteb e depois foi trabalhar no IFC. Quem sabe se essa pessoa não está influenciando??, indaga, enigmático, Eberhardt, sem citar o nome do tal sujeito.

Várias cartas foram enviadas aos executivos do IFC com propostas de renegociação da dívida. ?Não tivemos resposta?, diz Paulo Saraiva, diretor da Arteb. ?Um dia, nos escreveram dizendo que iriam executar as garantias. Nós nos antecipamos e fomos à Justiça.? Os pagamentos foram interrompidos. ?Dos US$ 40 milhões, já pagamos US$ 11 milhões?, diz Eberhardt. Mesmo assim, a Arteba deve o equivalente a US$ 50 milhões ao IFC. O ?default? se transformou numa espécie de tubo de oxigênio para a Arteb. A dívida é impagável. Segundo análise feita pela Economática, cerca de 90% dos débitos de R$ 270 milhões vence no curto prazo, ou seja, nos próximos 12 meses, para uma empresa com capacidade de pagamento comprometida. Para cada R$ 100 devidos, a Arteb gera R$ 2,4 para honrar os compromissos. ?Isso não garante nem mesmo o serviço da dívida?, diz Einar Rivero, consultor da Economática. O balanço também revela que mesmo vendendo todos seus ativos ainda faltariam R$ 200 milhões para se livrar dos credores. ?Não estamos pagando a maior parte dessa dívida. Portanto, não estamos ameaçados em nossa sobrevivência?, diz Eberhardt. Mas, além disso, há outros problemas. Os custos da empresa têm subido. Mas a bomba-relógio está armada. Resta saber se será desarmada a tempo.

Antigos capitães
O destino de outras autopeças

A Cobrasma quebrou e Luís Eulálio Bueno Vidigal foi
obrigado a vender a Braseixos para saldar suas dívidas

 
Sem condições de atuar no mercado globalizado, José Mindlin
e os sócios venderam a Metal Leve para a Mahle

As brigas com os filhos foi um dos motivos para
Abraham Kasinski passar a Cofap para a italiana Magnetti Marelli

 
A Freios Varga era saudável. Mas Celso Varga não via
como competir com grupos internacionais. Hoje pertence à TRW