24/08/2011 - 21:00
A semana que passou tinha tudo para ser dominada por Steve Jobs, fundador da Apple. Afinal, na sexta-feira 12, sua empresa havia se tornado a mais valiosa do mundo. Ela havia superado a petrolífera americana Exxon Mobil, ao atingir o valor de mercado de US$ 350,1 bilhões. Foi um marco, ainda mais para uma companhia que esteve à beira da falência e foi avaliada em US$ 1,7 bilhão há apenas 14 anos, quando Jobs voltou ao seu comando. Mas outro personagem entrou em cena e roubou a atenção dos holofotes. Quem acabou atraindo a atenção da mídia mundial foi Larry Page, cofundador – ao lado de Sergey Brin – e atual CEO do Google. Na segunda-feira 15, Page, há pouco mais de 100 dias no posto de principal executivo, anunciou a mais ousada jogada da história do Google: a compra da Motorola Mobility, pioneira da telefonia móvel, que vinha perdendo mercado nos últimos anos.
O valor desembolsado impressionou: US$ 12,5 bilhões. A razão para realizar uma transação desse porte, segundo Page, foi o fortalecimento doAndroid, o sistema operacional para smartphones e tablets, desenvolvido pelo Google, e alvo frequente de processos por violação de patentes por parte da Apple e da Microsoft. A transação, no entanto, provocou um vendaval em todo o mercado de internet móvel. Isso porque, ao ingressar no segmento de produção de smartphones e tablets, a empresa de internet passa a competir diretamente com a Apple nessa área e também se torna concorrente daquelas que até então eram suas aliadas, as fabricantes de celulares, como Samsung, LG, Sony Ericsson e HTC.
A estratégia de internet móvel do google faz parte de projeto pessoal de Larry Page, o fundador da empresa
Page sabia perfeitamente do impacto de sua primeira grande tacada no comando do Google e não escondeu sua ambição de fazer a diferença no setor de mobilidade. “Juntos, vamos criar experiências fantásticas para os usuários”, afirmou. Ao mesmo tempo, esse engenheiro da computação, com doutorado na Universidade de Stanford e filho de dois professores de tecnologia, aproveitou para afagar o ego dos velhos aliados. “Vamos fortalecer todo o ecossistema Android e beneficiar consumidores, parceiros e desenvolvedores em todo o mundo.” O apelo diplomático também deu o tom das declarações das fabricantes. Em linha geral, todas afirmam que veem na aquisição da Motorola uma iniciativa para fortalecer o Android, o que seria bom para elas e para o Google.
Mas esse palavrório é pouco mais do que jogo de cena. Essas companhias temem que o Google possa, em algum momento, fechar a plataforma Android, que hoje é aberta, e passar a cobrar ou reservar o filé mignon para os aparelhos da Motorola. É por essa razão que as atenções agora também se voltam para a Microsoft. O seu novo sistema operacional Windows 8, para dispositivos móveis, previsto para o ano que vem, ganha força como uma alternativa para as fabricantes que se sentiram traídas pelo Google e não querem se tornar reféns do Android. O nome da Microsoft se destaca, ainda mais, quando se vê que outros competidores abandonam o setor, como fez a HP na quinta-feira 18. A empresa decidiu retirar do mercado o sistema operacional WebOS. A medida também resultou no fim do seu tablet TouchPad.
Ao adquirir a Motorola Mobility, na maior aquisição do Google, Page alimenta um projeto pessoal iniciado há seis anos. Foi ele quem, em 2005, esteve à frente da aquisição, por estimados US$ 50 milhões, da pequena Android Inc., fundada pelo engenheiro Andy Rubin, hoje vice-presidente do Google. O que despertou o interesse do Google foi o fato de Rubin desenvolver naquele momento um promissor sistema operacional para celulares, o Android. Page farejou que a internet seria a galinha dos ovos de ouro do mercado digital e não queria perder a oportunidade. O curioso é que, apenas um ano antes, o então CEO do Google, Eric Schmidt, afirmara que a companhia não tinha intenção de entrar no negócio de celulares. Tudo isso, no entanto, foi antes de a Apple lançar o iPhone, em 2007, e deflagrar uma reviravolta no setor de telefonia móvel, o que comprovou a crença de Page de que o sucesso no futuro estaria na mobilidade.
Não por acaso, no mesmo ano que o iPhone chegou ao mercado, Page liderou a formação de uma aliança com mais de 80 fabricantes de telefones e componentes, entre eles LG, Samsung e a própria Motorola. O objetivo era transformar o Android em uma plataforma aberta para telefones inteligentes, capaz de se tornar padrão para a indústria – uma espécie de Windows, só que para smartphones. Com uma vantagem: o código do Android seria aberto, permitindo assim que cada fabricante pudesse personalizá-lo. Essa flexibilidade se revelaria essencial para o seu sucesso, mas também o transformaria em alvo de críticas dos rivais. “Há muitas versões do Android no mercado, e o usuário é quem tem de descobrir aquela que funciona direito”, disse Jobs, em outubro do ano passado. “Isso não acontece com o iPhone.” A briga com a Apple se mostrou duríssima desde o começo. Um dos motivos é a App Store, a loja de aplicativos lançada pela empresa da maçã em 2008, fundamental para ampliar o sucesso do iPhone.
Atento, o Google copiou a Apple, criando a sua loja de aplicativos e uma interface para seu sistema operacional, parecida com a do iPhone. Assim, o Android não tardou a engrenar. Foi nessa época que a Apple e o Google, até então aliados históricos contra a Microsoft, começaram a se afastar. O clima entre as duas companhias piorou quando Page e Sergey Brin lançaram o primeiro smartphone Android, o G1, da HTC, em setembro de 2008. Quase dois anos depois, o Google lançou o Nexus One, seu primeiro celular com marca própria. Em uma palestra para os funcionários da Apple, Jobs deixou claro que os bons tempos entre as duas companhias haviam ficado definitivamente para trás. “Não entramos no mercado de buscas. Eles entraram no negócio de celulares”, afirmou. “Não se enganem. Eles querem matar o iPhone, mas nós não deixaremos.” O temor de Jobs, no entanto, se mostrou exagerado. O Nexus One foi um fracasso de vendas. O mesmo não se pode dizer do Android, que ajudou a popularizar os smartphones.
Transação recoloca a Motorola, dirigida por Sanjay Jha, no jogo da mobilidade
Atualmente, os telefones inteligentes representam mais de 25% do mercado de celulares. E, segundo dados da consultoria Gartner, o Android é líder absoluto com 43,4% de participação no mercado de sistemas operacionais. O problema é que tamanho sucesso não fez tilintar os cofres do Google. Como as fabricantes não pagam licença para usar o sistema operacional, a empresa não lucra diretamente com o Android. “Nosso modelo de negócios é: quanto mais pessoas online, melhor para o Google”, declarou à DINHEIRO, no final do ano passado, Mário Queiroz, vice-presidente mundial da empresa. Atualmente, estima-se que a receita do Google proveniente da publicidade móvel e da venda de aplicativos se aproxime dos US$ 2 bilhões por ano. O sucesso do Android se deve, em grande parte, ao fato de o programa estar presente em telefones de 39 fabricantes e mais de 300 modelos de celulares, diferentemente do seu principal concorrente, o iOS, da Apple, disponível apenas no iPhone. É por esse motivo que a compra da Motorola, e a entrada do Google na fabricação de dispositivos móveis, arrepiou os cabelos de muita gente.
Para não assustar demais as fabricantes, o Google adotou a estratégia de eleger as patentes detidas pela Motorola como justificativa para a aquisição. Esse, realmente, pode ter sido um estímulo para a transação, mas não foi o único. “O Google também quer ter a capacidade de definir a direção a ser tomada pelo Android”, afirma Carolina Milanesi, vice-presidente de pesquisa do Gartner. Para isso, pagou um ágio de 63% sobre o preço dos papéis da Motorola na sexta-feira 12. “O preço seria absurdo para qualquer empresa, menos para o Google”, disse Rob Enderle, analista da Enderle Group. A aquisição, no entanto, traz riscos. Há quem avalie, por exemplo, que a companhia estaria disputando mercados demais. Ela é concorrente da Apple em mobilidade; da Microsoft, em internet; do Facebook, nas redes sociais; e das emissoras de tevê e dos provedores de conteúdo, em virtude dos serviços Google TV e YouTube.
Parceria entre a Nokia, de Stephen Elop (à esquerda), e a Microsoft, de Steve Ballmer, pode evoluir para uma fusão
Com o número crescente de adversários do Google, quem pode se dar bem é a Microsoft , que começa a vislumbrar a chance de angariar mais parceiros para a nova versão do Windows Phone, seu sistema operacional para celulares, ainda em desenvolvimento. Diante desse cenário, a finlandesa Nokia, que selou em fevereiro uma parceria com a Microsoft para inserir o Windows em seus aparelhos, aproveita para alfinetar a empresa de buscas na internet. “Seu eu fosse um fabricante de telefones Android, ligaria para alguns executivos do Google e diria: vejo perigos à frente”, afirmou Stephen Elop, CEO da Nokia, em um seminário realizado na semana passada. A compra da Motorola também reacendeu a expectativa de que a Microsoft possa comprar a Nokia. Seria uma evolução natural do acordo firmado entre elas. Se na Microsoft as notícias acendem o sinal verde, na Apple a luz é amarela. Até o momento, a empresa reina absoluta no mercado de smartphones.
Só neste ano, ela deve vender perto de 100 milhões de aparelhos, volume maior do que as vendas somadas em todos os outros anos, desde que o iPhone foi lançado, em 2007. E sua quinta geração do telefone é esperada ainda para este ano. A novidade é que, com a Motorola, o Google será capaz de controlar todos os aspectos de seus celulares, desde o equipamento em si até o sistema operacional. Essa capacidade é apontada como o maior segredo do sucesso da Apple. A possibilidade de a Microsoft atrair parceiros para seu sistema operacional também preocupa a Apple. Afinal, não é de hoje que essas empresas competem ferozmente no mercado de computadores. Se Steve Jobs teve motivos de sobra para começar a semana rindo à toa , provavelmente vai passar os próximos dias com a pulga atrás da orelha. E não é por causa da ExxonMobil, que recuperou o posto de empresa mais valiosa do mundo ao longo da semana passada, mas sim com os próximos passos de Page no mercado de internet móvel.
Discurso ensaiado
As fabricantes de celulares estão preocupadas com a compra da Motorola pelo Google, mas suas declarações sobre a transação foram diplomáticas e parecem até que foram combinadas
“As notícias sobre a aquisição são bem-vindas e demonstram o profundo comprometimento do Google em defender o Android, seus parceiros e o seu ecossistema” - J.K. Shin, presidente da Samsung
“O compromisso do Google em defender o Android e seus parceiros é bem-vindo. A aquisição representa um passo significante para o Android” - Bert Nordberg, presidente da Sony Ericsson
“Essa transação demonstra que o Google está profundamente compromissado em defender o Android, seus parceiros e todo o ecossistema” –Peter Chou, CEO da HTC
“Nós celebramos o compromisso do Google de defender o Android e seus parceiros” - Jong-Seok Park, presidente da LG
“Ficamos felizes de saber que o Google está fortalecendo seu portfólio de patentes e, em consequência, o Android. A ZTE saúda o importante passo dado pela empresa para proteger seu sistema operacional e os benefícios de seus parceiros” - HE Shiyou, presidente da ZTE