O perfumista francês Pierre-François Pascal Guerlain (1798-1864), fundador da Maison Guerlain, era um dos preferidos da realeza. As fragrâncias da tradicional marca de perfumes e cosméticos parisiense caíram nas graças de ninguém menos do que o imperador francês Napoleão III e das rainhas Vitória, do Reino Unido, e Isabel II, da Espanha. Desde sua criação, em 1828, clássicos e mais clássicos da perfumaria mundial, como o Shalimar (1925) e o Samsara (1989), foram produzidos pela casa, que também ganhou fama entre nobres e artistas.

A empresa foi comanda pela família Guerlain até 1994, quando foi vendida para o conglomerado francês de marcas de luxo Moët Hennessy Louis Vuitton (LVMH), cujo faturamento, em 2014, foi de € 30,6 bilhões. Agora, a tradicional maison parte para uma nova investida, cujo objetivo é conquistar, também, o olfato dos plebeus. O movimento já resultou em uma nova leva de cheiros, criadas especialmente para os brasileiros. A marca chegou ao País na década de 1990. Até 2012, seus perfumes eram vendidos em 250 lojas multimarcas.

No entanto, quando a varejista francesa Sephora, que também pertence ao grupo LVMH, deu início as suas operações no Brasil, no mesmo ano, ela passou a deter a exclusividade da venda dos produtos Guerlain no País. A mudança de estratégia tem como objetivo aumentar o prestígio da marca. “Queremos ser uma marca cobiçada no Brasil”, afirma Jean David Seboun, gerente de marketing para América Latina e porta-voz da Guerlain. Ao limitar os pontos de venda, a companhia se torna mais desejada, especialmente pela aura de exclusividade que isso confere ao produto.

“Hoje, como cuidamos diretamente da distribuição junto com a Sephora, conseguimos que nossos perfumes tenham mais visibilidade”, afirma Seboun. “Estamos em menos lojas, mas com um tíquete médio de vendas bem maior.” O aumento do prestígio tem como estratégia ter perfumes mais acessíveis. A empresa trouxe para o País, no ano passado, o perfume La Petite Robe Noire, porém adaptado ao olfato das brasileiras. A fragrância está entre as mais vendidas no mundo em 2014 e sua linha, projeto capitaneado por Laurent Boillot, CEO da marca, vem rendendo grande retorno à companhia, que representa 20% das vendas de perfumes da LVMH.

“Ele tem a mesma qualidade dos ingredientes, mas em menor quantidade, pois a brasileira gosta de perfumes mais leves”, afirma Seboun. A versão nacional da fragrância sai por R$ 129, valor semelhante ao de perfumes nacionais, bem menos prestigiados. Dessa forma, a companhia espera alcançar uma clientela maior e tornar sua marca aspiracional. O La Petite Robe Noire foi o segundo produto mais vendido da Sephora no País, em 2014, impulsionando um salto de 158% nas vendas de fragrâncias da Guerlain.

A empresa prepara, para este ano, o lançamento de mais dois perfumes adaptados ao olfato brasileiro. A acessibilidade da marca, no entanto, não significa um rompimento com o segmento de luxo. Alguns perfumes e cosméticos da marca chegam a custar mais de R$ 5 mil. “O caráter aspiracional é parte da essência das marcas de luxo e isso deve ser mantido para que todos os consumidores, da classe AAA à classe C, mantenham o interesse”, afirma Andrea Orcioli, vice-presidente de marketing e merchandising da Sephora para América Latina.

“A Guerlain conseguiu abraçar uma nova parte do mercado sem qualquer prejuízo a seus clientes tradicionais”, diz a executiva da rede de varejo. O plano de concentrar as vendas em apenas uma rede varejista, além de incluir no portfólio produtos mais baratos, tem sido adotado por outras marcas de luxo do grupo LVMH. “É o mesmo caminho que a Louis Vuitton faz quando lança uma linha básica, ou a Chanel com seus esmaltes”, afirma Heloísa Omni, sócia-diretora da consultoria R2E Shopfitting, especializada no setor de varejo.

“É melhor ser forte dentro de uma marca forte, como a Sephora, do que ser fraco em muitas lojas ou ficar sozinho.” Além dos perfumes, a Guerlain atua também no ramo de maquiagens e cosméticos. “Estamos com o portfólio quase completo no Brasil”, diz Seboun. “Até os produtos mais caros estão com vendas acima do esperado.” Apesar do sucesso da parceria com a rede varejista francesa, a Guerlain não descarta abrir lojas próprias no Brasil, a exemplo do que acontece na França. “O potencial da marca é muito grande”, diz Seboun. “É apenas uma vontade, mas ainda não há nenhum plano.”