Esqueçamos, pelos próximos 30 dias, o futebol. Não é disso, afinal de contas, que trata a Copa do Mundo. O jogo é outro. Desde a sexta-feira passada, quando Alemanha e Costa Rica inauguraram o torneio que será acompanhado por 5 bilhões de pessoas pela televisão, deu-se o pontapé inicial em outra disputa, feita de golpes baixos: a guerra do chamado marketing de emboscada. É embate que nunca se viu com tanta eloqüência. De um lado estão os 15 grandes patrocinadores oficiais que desembolsaram 42 milhões de euros cada, além de outros 6 alemães que puseram 12 milhões de euros na mesa. Do outro estão empresas menores que, alijadas do convescote, tentam de tudo para tirar uma casquinha. São eles que bolam as emboscadas. No centro do ringue, está a toda poderosa FIFA e seus cartolas com o gatilho mais rápido do oeste. ?Temos obrigações com quem nos paga para cuidar da festa e do futebol mundial nos anos que antecedem a Copa?, diz o suíço Joseph Blatter, o mandachuva da bola. Obrigações? Trata-se de mero eufemismo para um comportamento vigoroso destinado a proteger, seja lá como for, e a qualquer preço, os interesses das companhias que deixaram dinheiro no caixa de Zurique, sede da federação. Blatter, ressalve-se, jamais poderá ser acusado de falta de clareza. Em entrevista recente à reputada revista Der Spiegel ele foi direto ao ponto. ?De uma vez por todas, deixe-me dizer: essa não é uma Copa do Mundo da Alemanha. É uma Copa do Mundo da FIFA na Alemanha que custou 700 milhões de euros?.

Tome-se como exemplo dessa postura o próprio estádio de abertura da Copa, o Allianz Arena de Munique. Chamá-lo de Allianz, cabe lembrar, já não pode. Depois de longa negociação, uma das maiores seguradoras do mundo, madrinha do moderno edifício esportivo, teve que apagar seu logotipo da fachada. O motivo? Ela não é patrocinadora do Mundial. Em Hamburgo ocorreu o mesmo. O AOL Stadion perdeu as três letras e virou simplesmente o ?Estádio da Copa do Mundo FIFA em Hamburgo?. Quem pressionou pela subtração foi o Yahoo!, patrocinador de primeira hora. A Coca-Cola exigiu que nas festas populares que ocuparão grandes praças das cidades-sede fossem vendidos apenas refrigerantes da marca americana, de modo a evitar a aparição, natural, de outras marcas que há meses usam bolas e imagens de jogadores famosos em suas embalagens. O McDonald’s também mordeu firme e, de mãos dadas com a FIFA, abocanhou o Burger King. Por decisão judicial, a filial de Israel foi obrigada a interromper uma promoção de distribuição de bilhetes para a Copa. A Lufthansa pintou uma bola de futebol no nariz de algumas de suas aeronaves dando a entender que ela, naturalmente, pagara para aparecer ao redor do Mundial (o posto é da Fly Emirates). Houve, em todo o mundo, de um ano para cá, segundo levantamento da FIFA, mais de 1200 casos de infringimento da legislação em 65 países.

Em nenhum outro canto, é natural, a sanha preservadora da FIFA foi tão criticada como na própria Alemanha. É sentimento que saiu dos escritórios de executivos e ganhou as ruas. ?A parte feia da Copa é que os organizadores só querem saber de lucros, lucros, lucros?, disse a DINHEIRO Claudius Jess, dono de um pequeno hotel na cidade de Kromberg, a cinco minutos de carro da concentração da Seleção Brasileira, em Kögnistein. ?Os interesses econômicos mexeram com nossa cultura?. O comentário de Jess tem endereço certo: a cervejaria americana Anheuser-Busch, fabricante da Budweiser, dona dos direitos exclusivos de venda de cervejas dentro dos estádios e em suas cercanias. A Bud deparou-se com dois imensos problemas: o primeiro é que os alemães odeiam a marca (?é muito ruim?, resume Jess). O segundo, inusitado, é que já circulava na Alemanha um rótulo checo também chamado ?Bud?, com tradição cervejeira desde o Século XIII. Além disso, para pesadelo dos patrocinadores, uma das cervejas mais populares da Alemanha é a Bitburguer, a Bit ? e um tribunal de justiça considerou a expressão Bud muito parecido com Bit. Resultado: os americanos tiveram que inventar um nome esquisito e complexo para a cerveja da Copa: Anheuser Busch Bud. Não pegou, nem pegará, mesmo em um país cujo idioma habituou os cidadãos a pronunciar palavras imensas. Preparem-se, porque uma outra Copa começou e não termina em 9 de julho próximo. Seguirá até 2010, 2014, 2018… É pagar para ver.