15/10/2003 - 7:00
O foie gras é um dos ícones da alta gastronomia. Descoberto pelos egípcios no final do século 3 a.C., transformou-se em refinada iguaria ao cair nas mãos dos franceses. O fígado repleto de gordura de patos e gansos, submetidos a dieta reforçada, chega a custar R$ 1.000 o quilo. Nos últimos dias, a jóia culinária virou prato cheio para os ativistas dos direitos dos animais. Eles acabam de deflagrar uma guerra contra os produtores rurais e os restaurantes que servem o patê. O motivo? Alegam crueldade na criação dos bichos, forçados a ingerir uma dieta exagerada, de modo a inflar o fígado. Laurent Manrique, dono de um restaurante na Califórnia, recebeu cartas ameaçadoras e teve seu carro atacado com ácido. A polêmica atravessou continentes. O chef de cuisine franco-brasileiro Erick Jacquin, do Café Antique, grande preparador do patê, esbraveja. ?Por que salvar os patos e gansos, e não os frangos??, indaga. ?Se é o caso de vetar a produção animal, o mundo teria que se tornar vegetariano, e isso não faz parte de nossa tradição.?
Num mundo cercado por atenção com os animais, os produtores sabem que não podem ser negligentes. Há, evidentemente, rigoroso controle sanitário. A brasileira Villa Germania é a maior produtora da América Latina de patê de pato, o foie gras de canard. Garante seguir a técnica desenvolvida pelos franceses para não submeter as aves a sofrimento exagerado. ?Evidentemente não queremos aviltar o pato?, resume Marcondes Moser, diretor da empresa. Sangue frio é a palavra-chave. O animal é confinado ao longo de três semanas. Recebe, nesse período, a chamada gavage ? alimentação reforçada. O pescoço é esticado. Introduz-se um funil de 40 cm de comprimento. Por meio dele são despejados cerca de três quilos de milho diariamente. O fígado aumenta de seis a dez vezes em relação ao tamanho natural. Muda de cor: passa de um tom avermelhado para um matiz amarelo. A descrição é forte, e incomoda os inimigos. ?As pessoas não sabem que estão ingerindo um fígado doente?, diz Marco Ciampi, presidente da Arca Brasil, Associação Humanitária de Proteção e Bem-Estar Animal. Os adeptos da delícia contra-atacam. ?Não é para
qualquer um, é necessário um paladar refinado para apreciá-lo?, diz a cineasta Silvie Timbert, que consome o patê pelo menos uma vez por mês. A polêmica parece apenas inchar o fascínio pelo produto e a criatividade dos craques do fogão. Erick Jacquin acaba de lançar uma receita ousada: foie gras acompanhado de pipocas caramelizadas e pimenta rosa.