A guerra começou em pleno recesso parlamentar. De um lado, o governo federal. Do outro, os administradores dos 63 portos secos privados que se espalham pelo Brasil, que ajudam a desafogar e agilizar o fluxo de mercadorias nos portos e aeroportos. Isso porque eles são como terminais alfandegários, com a função de facilitar o despacho aduaneiro das importações e exportações, além de, em alguns casos, funcionarem até como zonas francas para
o estoque de mercadorias. E o estopim da troca de artilharia é um projeto de lei, o de número 6.370/05, encaminhado em regime de urgência ao Congresso no
dia 13 de dezembro. Ele prevê mudanças significativas no modelo de concessão dessas áreas. A lei antiga, de 1995, trata a atividade como uma concessão pública e exige a realização de concorrência pública para que os portos sejam administrados pelo setor privado. E é justamente esse o pomo da discórdia entre governo e empresários. Para a Receita Federal, os portos secos não podem ser classificados como prestadores de serviço público, o que os dispensaria das concorrências. Para o governo, ao liberar o setor, haveria mais competição. Pelo novo projeto, a licença para exploração de um porto seco poderá ser outorgada a qualquer empresa constituída no Brasil que explore serviços de armazéns gerais, sem necessidade de licitação. Mas para os críticos, a medida daria à Receita o poder de criar novos cartórios. ?A licitação assegura a transparência e a defesa do interesse público?, diz o deputado Salvador Zimbaldi (PSB-SP), que fez emendas ao projeto. Como a lei foi encaminhada em regime de urgência, a polêmica invadiu o próprio PT. ?Não entendo o motivo da urgência. Temos de discutir o assunto. Por que engolir em seco essa lei??, disparou a deputada Telma de Souza, do PT santista.

A secretária-adjunta da Receita Federal, Clecy Lionço, rebate as críticas afirmando que a nova lei vai reorganizar o modelo jurídico dos portos secos. ?Não é só a licitação que atende a lisura?, disse ela, após uma audiência realizada na Câmara. A intenção do governo, segundo Clecy, é alavancar os investimentos. Estima-se que, sem a burocracia das licitações, a área destinada aos portos secos instalados no País cresça dos atuais 1,6 milhão para 2,6 milhões de metros quadrados em seis anos. O ex-secretário da Receita Everardo Maciel admite que a nova lei poderá aumentar a concorrência, mas alerta para alguns problemas estruturais como a falta de fiscais em números suficientes para controlar todas as áreas. Segundo ele, esse problema pode facilitar a pirataria, o contrabando e até o tráfico de armas e drogas nas fronteiras. Problema que é descartado pelo governo. ?Em certas regiões não há fiscalização e o aumento no número de portos vai trazer empresários para a legalidade?, diz Clecy. Segundo a Frente Nacional criada pelos donos de portos secos, desde que a atual legislação entrou em vigor, em 1995, o número de áreas privadas cresceu 270%. Além disso, foram investidos R$ 732 milhões nos últimos 10 anos. ?A mudança na lei é um retrocesso?, ataca Rodrigo Somlo, superintende da Columbia, empresa que faturou R$ 177 milhões em 2005 com a administração de 19 portos secos espalhados pelo País. De tiro em tiro, o que realmente está em jogo é um mercado que movimenta, todos os anos, US$ 72 bilhões e que gera 20 mil empregos diretos. Números pelos quais vale a pena lutar.